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Foto: Taba Benedicto
Por Vinícius Andrade, especial para a Marco Zero Conteúdo
O debate ecológico é a questão política e social decisiva do século XXI. A afirmação é do sociólogo Michael Lowy, entre a desesperança diante da catástrofe ambiental vivida no planeta e a aposta na sua reversão pela militância ecossocialista. Proferida na mesa de debate “Crise da Democracia e Anticapitalismo no século XXI” com os também sociólogos Ruy Braga e Sabrina Fernandes, no terceiro dia do seminário internacional “Democracia em Colapso?”, o seu tom pendeu para a aposta na transformação: juntos, os estudiosos conclamaram a aliança entre periferias urbanas e trabalhadores do campo, reverenciaram o MST como exemplo de vida e luta e argumentaram pela garantia do acesso a serviços públicos.
A reflexão do sociólogo brasileiro, filho de imigrantes judeus, foi precedida de uma inspiradora exposição conduzida por Sabrina Fernandes, autora do importante livro sobre os impasses da esquerda brasileira Sintomas Mórbidos (Autonomia Literária, 2019). Ela reconheceu o momento de baixa mobilização social, mas também recusou os limites de uma postura puramente anti(capistalista): “é preciso passar do anti para o pró”. Nesse sentido, alertou: “se você é explorado, você é classe trabalhadora, não empreendedor” e, então, defendeu a atuação cotidiana, permanente e ampla de solidariedade entre todas e todos aqueles explorados no país como uma condição para a mudança social efetiva.
Tanto Michael Lowy quanto Sabrina Fernandes salientaram a pertinência do engajamento ecossocialista. Para eles, isso significa perceber e exercitar no dia-a-dia a relação entre processos sociais e questões ambientais. Um exemplo notável no ambiente das cidades é o da alimentação, que pode se tornar um terreno de fortalecimento da agricultura familiar orgânica, sustentável e ecologicamente comprometida. No caso concreto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, lembrado muitas vezes ao longo do debate, caberia ajudar seus armazéns, apoiar a realização das suas feiras, integrar-se ao seu processo de luta. “A militância agroecológica é uma política da vida”, enfatizou Ruy Braga ao final do debate, numa evidente contraposição às políticas de destruição levadas a cabo pelo governo Bolsonaro.
À análise da cientista social Esther Solano sobre o perfil do eleitor de Jair Bolsonaro e ao diagnóstico traçado pelo psicanalista Cristian Dunker para ajudar a explicar as condições de ascensão da extrema-direita no Brasil, apresentados na mesa “Comunicação e Hegemonia Cultural”, a primeira da tarde, somou-se o olhar realista e a fala impactante do escritor Ferréz, enraizados na experiência de mais de trinta anos de trabalho e vivência na periferia paulistana. O escritor iniciou sua participação fazendo eco a falas de dias anteriores, como a de Thula Pires: “Estamos há 500 anos sendo massacrados”.
Ferréz logo se encarregou de desmontar a hiprocisia da esquerda brasileira branca pertencente à classe média. Por um lado, disposta a combater o discurso bolsonarista, mas, não raras vezes, acomodada em privilégios que perpetuam a exploração aos trabalhadores. Por outro, distante da linguagem da maior parte da população que, para ele, “vive outra cultura” O maior erro do campo chamado progressista ou democrático-popular foi, justamente, se afastar da realidade do povo: “perderem contato (…) e ponto”, afirma de maneira categórica o escritor.
Os desafios de comunicação entre os setores à esquerda e a população foram também objeto de reflexão da cientista social Esther Solano. Tendo concentrado suas pesquisas no que chama de bolsonarismo moderado, a autora lembra que o “pico” de votos no candidato de extrema-direita se deu em grupos com alta escolaridade, sobretudo homens com ensino superior completo. Solano indica que parte da vitória do discurso bolsonarista teve a ver com a “moralização da esfera pública” e o modo como o que é anedótico por parte da esquerda, como a chamada “mamadeira de piroca”, mobilizou fortemente afetos de pessoas comuns.
Já Cristian Dunker optou por uma trilha de exposição alinhada à sua formação, oferecendo interessantes insights sobre a psicologia social que envolveu a eleição de Bolsonaro e a aderência ao seu discurso em determinados estratos da sociedade. Para ele, a retórica bolsonarista combinou dois fatores cruciais: o medo fundado na sensação de insegurança vivida nos centros urbanos e a frustração motivada por instabilidades econômicas. A tal perfil de cidadão essa retórica diz: “você está numa crise de identidade, só que nós temos a cura pra isso: a família”. O desdobramento dessa operação é a emergência de uma cultura do ódio ao outro, potencializada pelo acesso a tecnologias digitais com as quais ainda não se aprendeu a lidar.
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