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Governo de Pernambuco frustra pescadores e pescadoras atingidos por petróleo

Raíssa Ebrahim / 12/12/2019

Foto; Caranguejo Uçá

A “emergência” de milhares de pescadores e pescadoras já passa dos 100 dias. Às vésperas do recesso parlamentar, a categoria continua aguardando a tramitação de uma Medida Provisória no Congresso Nacional, única possibilidade de ajuda anunciada até agora pelo Governo Bolsonaro. A MP 908/2019 pretende pagar um auxílio de R$ 1.996 dividido em duas parcelas, apenas para uma parte da categoria. O Governo de Pernambuco, único estado afetado pelo crime socioambiental do petróleo que contém uma Lei da Pesca, além de um comitê gestor, não apresentou, até o momento, nenhuma medida concreta de urgência para matar a fome das famílias e auxiliar na renda e na atividade dos povos tradicionais das águas.

Nesta quinta-feira (12), os representantes do governo estadual jogaram água fria nas expectativas da categoria. Muita gente saiu de seus territórios para conhecer as respostas práticas que, segundo o acordo feito na semana passada depois que pescadores e pescadoras saíram pelas ruas da audiência pública na Assembleia Legislativa até o Palácio do Campos das Princesas, deveriam ter sido apresentadas pelo Poder Executivo. Na ocasião, após o protesto, a categoria foi recebida e entregou sua pauta de reivindicações. No entanto, o que o grupo ouviu na reunião no Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) foi uma repetição do que já havia sido colocado nos encontros anteriores.

E o pior: a sentença de que não há ajuda porque não há verba para pescadores e pescadoras. “Estamos cansados de ouvir o Governo de Pernambuco empurrar a questão com a barriga para Bolsonaro”, reclamou Ângela Vicente, pescadora de Goiana, na RMR, e da Articulação Nacional das Pescadoras.

Enquanto as soluções não são apresentadas, a categoria segue sem renda porque, apesar das primeiras análises divulgadas pelo Governo de Pernambuco terem mostrado que apenas duas espécies analisadas estavam contaminadas, o consumidor segue sem comprar. Até o momento, foram analisadas 55 amostras das 94 enviadas contemplando 13 espécies. Segundo lideranças, consumir na praia tem sido sinônimo de comer espetinho, caldinho de feijão, galeto e carne de sol. Produtos como peixe e marisco estão congelados nos freezers desde o início do desastre.

De encaminhamentos concretos, a categoria só levou para casa a possibilidade de indicação de uma pessoa da pesca para o Grupo de Avaliação e Acompanhamento (GAA) do desastre do petróleo, comandado pela Marinha, que ainda precisa aprovar a inclusão; uma possível campanha de comunicação, que, se aprovada, somente rodaria em janeiro, quando terminam as análises dos pescados que estão sendo feitas numa parceria entre UFRPE e PUC Rio; e o compromisso dos servidores da secretaria estadual de Saúde visitarem os Conselhos Municipais de Saúde para melhorar o cadastro, as orientações e o acompanhamento das pessoas que tiveram contato com o petróleo. A análise da água e dos sedimentos está sendo feita pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH).

Foto: Yane Mendes/Juntas

Do grupo de pouco mais de 20 representantes de pescadores e pescadoras, ninguém saiu da reunião convencido. As falas do poder público local visivelmente não satisfizeram a ansiedade das comunidades pesqueiras. “O estado se arrumou para garantir as pesquisas (a fundação estadual Facepe direcionou R$ 2,4 milhões para esse fim), mas não se arrumou para garantir a segurança alimentar dos pescadores e das pescadoras, num lugar onde se tem a Lei de Pesca e uma secretaria que se diz responsável pelo setor (Secretaria Meio Ambiente e Sustentabilidade). A pesquisa é importante, mas o estado não está nem aí para a nossa situação”, criticou Laurineide Santana, pescadora e agente do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). No início desta semana, o Ministério Público Federal em Sergipe ajuizou uma ação contra a União para que o auxílio emergencial seja ampliado. Em Pernambuco, isso também está sendo articulado.

O argumento é que a MP de Bolsonaro contempla apenas quem reside nos municípios diretamente atingidos pelo petróleo, segundo a lista do Ibama, e possui o Registro Geral da Pesca (RGP), que não é atualizado desde 2012. Em Pernambuco, das 30 mil pessoas que trabalham com pesca artesanal, pouco mais de 4 mil terão direito, segundo os números mais recentes divulgados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além de a medida ser insuficiente, ela não atende quem vive em municípios onde o petróleo não chegou, a exemplo de Itapissuma, no litoral norte, local famoso pela caldeirada e pela ostra. O problema é que essas pessoas também estão sem vender, porque o mercado parou de forma geral.

Assim como na audiência pública da semana passada, quem estava representando a Secretário Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade foi a secretária executiva da pasta, Inamara Melo. Segundo ela, o cadastro que está nas mãos do Estado conta com cerca de 11 mil nomes. No momento, está sendo feita a internalização e inserção desses dados no sistema estadual. Inamara explicou que, quando houver recurso, esse cadastro é que servirá de suporte para o repasse de dinheiro. “Estamos em busca desse recurso”, garantiu. “Entendemos que é preciso o governo do estado dar apoio, mas existe um problema chamado caixa”, disse ao final do encontro.

Inamara Melo afirmou ainda que a base de dados é importante para haver pressão no Congresso Nacional, através da aprovação de emendas, e citou o nome do senador Humberto Costa (PT) como um dos parlamentares que está trabalhando para melhorar a medida insuficiente proposta pelo presidente Bolsonaro.

“Emendas como a de Humberto Costa há 14 no Congresso. Mas o governo não deve mexer nessa MP até o final do prazo. Semana que vem o Congresso entra em recesso. Então esse ano não teremos mais mudanças nessa medida”, alertou o agente da Pastoral da Pesca, Severino Santos Bill. Ele também aproveitou para reclamar que, desde 2015, quando foi criada, a Lei da Pesca de Pernambuco não deu retorno para a categoria. Além disso, o Comitê Geral da Pesca, depois de um ano e meio, ainda não está em pleno funcionamento.

“Fizemos mobilizações e oficinas nos territórios, mas, desde março 2017, o IPA está com material para sistematizar o plano de assistência técnica. A desculpa é que o instituto não tem dinheiro nem pessoal. Mas está aí fazendo lobby na Alepe defendendo programa de aquicultura”, criticou. “Estamos brincando de discutir política de pesca num estado que não tem interesse nenhum em aplicar a lei, que não mudou uma vírgula até hoje na vida dos pescadores e das pescadoras. A pesca artesanal no estado de Pernambuco não é prioridade”.

O mandato coletivo das Juntas (Psol), que preside a Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Alepe, sinalizou, através da codeputada Kátia Cunha, para a necessidade dese abrir um diálogo com a Secretaria da Fazenda para realocação de recursos em prol de pescadores e pescadoras.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com