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Av. Presidente Kennedy, em Olinda (crédito: Marconi Meireles)
Seis mil veículos por dia, um comércio pulsante e uma pista caótica. Esse é o retrato da avenida Presidente Kennedy, que cruza cinco bairros de Olinda, na Região Metropolitana do Recife. O líder norte-americano, assassinado em 1963, dá para imaginar, morreu sem nunca nem ter ouvido falar de lugares como Vila Popular, Peixinhos, Jardim Brasil, Aguazinha e São Benedito.
Agora que a via finalmente começou a passar por uma ampla reforma, o Terreiro Xambá, fundado em 1930 e Patrimônio Vivo de Pernambuco, quer resgatar também o pertencimento da avenida.
A campanha para renomeação da Kennedy para avenida Xambá começou a tomar corpo no período de Carnaval com a adesão de artistas e as ações de divulgação do Grupo Bongar, formado por músicos do primeiro quilombo urbano do Brasil.
Nos bastidores da câmara e da prefeitura municipais, a proposta também vem somando adeptos em ano eleitoral. Caso se concretize, a simbologia do projeto ganha ainda mais força numa cidade em que o prefeito é evangélico e o presidente do legislativo é bolsonarista.
Ambos, Professor Lupércio (SD) e Jorge Federal (PL de mudança para o PSL), estão cotados para a disputa ao executivo olindense. Lupércio, que tentará a reeleição, tem na reforma da Kennedy sua grande marca, um investimento orçado em quase R$ 15,42 milhões e que promete diminuir o sufoco de motoristas, pedestres, moradores e comerciantes.
Prefeitura e aliados têm apostado na campanha #TodosPelaKennedy e em ações de marketing político no local.
Nos bastidores, Lupércio já teria demonstrado apoio à mudança para avenida Xambá, mas, pela legislação, a renomeação de ruas e avenidas precisa ser uma proposta legislativa aprovada em plenário, além de contar com um abaixo-assinado.
Segundo Guitinho da Xambá, do Bongar, alguns vereadores já se mostraram abertos à ideia e as conversas estão seguindo com o devido cuidado para manter o caráter coletivo da sugestão. A ideia é evitar que a mudança seja capitalizada apenas como o feito de um político.
“Nós do Bongar e da Casa Xambá fazemos trabalhos com escolas públicas, temos um centro cultural e percebemos que as pessoa não se reconhecem nesse nome. Os alunos muitas vezes não sabem nem quem foi Kennedy. Então, fizemos um trabalho de pesquisa e, nesse instante em que a Prefeitura de Olinda está revitalizando a avenida, a renomeação atende a algo que já é geral e muito simbólico. É mais uma forma de reparo para o povo de terreiro que foi reprimido e perseguido”, comenta Guitinho, cuja tia bisavó chegou a ser presa por praticar culto de matriz africana.
“Este ano, nossa casa completa 90 anos no estado de Pernambuco. Seria um ato de grande valor para as comunidades de terreiros”, reforça. O músico acredita que a exposição e a força do Xambá também podem abrir possibilidades para distensionar relações, sobretudo com os neopentecostais, e mostrar que é possível haver convivência religiosa no Brasil.
Guitinho vê a reforma da Kennedy como uma ação necessária para a população, com uma opinião que frisa ser suprapartidária e sem posições eleitoreiras.
Em nota, a Prefeitura de Olinda nem confirmou nem desmentiu o apoio do prefeito Lupércio. Disse que, “após a conclusão dos serviços (da reforma), uma possível mudança de nome da avenida precisa passar pela Câmara de Vereadores”. Uma campanha de abaixo-assinado já está sendo preparada pelo pessoal do Xambá e terá versão online.
A luta do povo Xambá pelo reconhecimento e pela manutenção da cultura africana viva e do candomblé no território onde o terreiro está instalado conta com marcos significativos. A área, que abriga o único terreiro de nação Xambá na América Latina, teve o título de primeiro quilombo urbano do Brasil concedido pela Fundação Cultural Palmares em 2007.
Em 2008, sob a liderança do Pai Ivo (filho de Mãe Biu) – um dos homenageados do Carnaval de Olinda 2020, escolhido de forma popular -, o local conquistou o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco. No mesmo ano, a comunidade passou a reivindicar alterações no projeto de implantação do Terminal Integrado para amenizar os impactos físicos e culturais no território.
Graças à mobilização, a posição do TI foi invertida e ele recebeu o nome de Xambá. Atualmente 26 linhas de ônibus circulam com o letreiro em referência ao lugar. “Isso gera reconhecimento informal natural da sociedade quando a gente diz ‘E vou pra Xambá’. Existe um sentimento nas pessoas e isso dá legitimidade para repensar esse marco”, avalia Guitinho.
A Kennedy começa no Varadouro, no giradouro do Complexo de Salgadinho, e vai até a Estrada do Caenga, onde os bairros de São Benedito e Águas Compridas fazem divisa. O primeiro nome da via, no século passado, foi Estrada do Matumbo, nome de origem africana. Depois passou a ser São Benedito, santo católico negro.
Em 1968, o então prefeito de Olinda, Nilo Coelho, resolveu homenagear o ex-presidente JFK, de origem rica e católica, morto a tiros cinco anos antes. O nome de Kennedy batiza várias lugares no Brasil, como a Vila Kennedy (Rio de Janeiro), a avenida Kennedy, em São Bernardo do Campo (SP) e a cidade Presidente Kennedy (ES).
Uma das grandes mudanças na reforma da Kennedy será a retirada das paradas de ônibus do canteiro central. Os coletivos passarão a circular do lado direito da via, junto às calçadas, que, segundo a projeto, serão requalificadas e alargadas para 1,5 m e receberão elementos de acessibilidade. As lâmpadas passarão a ser de LED, mais fortes e mais econômicas. Durante o período de execução, de 18 meses, também está prevista a reestruturação do escoamento das águas.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com