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Religiosos reinventam rituais para acolher fiéis durante a pandemia

Maria Carolina Santos / 24/03/2020

Terreiro Axé Talabi. Foto: Rennan Peixe/Divulgação

Em momentos críticos, multidões recorrem à religiosidade. É entre símbolos religiosos, pastores, pais de santos, padres e congregados que milhões encontram conforto. A pandemia do coronavírus, porém, não permite que esses rituais coletivos e milenares prossigam. Os religiosos, assim como todos nós, têm que se reinventar.

Desde a semana passada, terreiros de candomblé de Pernambuco não fazem mais cerimônias e atividades públicas. No terreiro nagô Axé Talabi, em Paratibe, Paulista, só estão sendo feitos os rituais internos entre as pessoas que já moram no terreiro e cumprem juntas a quarentena.

“Neste momento, o que eu peço é que as pessoas tenham fé nas divindades e tentem ao máximo se cuidar”, diz a yalorixá Mãe Lu. Um dos problemas em Paratibe é que o local não recebe água com frequência. Em pleno início da escalada da pandemia, o bairro passou dez dias sem água.

“Chegou água nas torneiras domingo de meia-noite e acabou às 5h. Como o terreiro tem um trabalho social forte, as pessoas ligam para ver se aqui tem água. Com todos os cuidados, tentamos ajudar”, conta a yalorixá, que lembra que o problema da falta d’água é antigo e que não há solução por parte da Compesa.

O Pai Júnior de Odé, também do terreiro Axé Talabi, lembra que o isolamento social, medida recomendada pelo Ministério da Saúde, nem sempre é uma opção. “Os frequentadores do terreiro são do subúrbio e, entre nosso povo, nem todo mundo tem o privilégio de não trabalhar. Os mais velhos estão no mercado informal, os mais jovens trabalhando com entregas, não estão podendo se isolar totalmente. A liderança espiritual acaba tendo uma responsabilidade maior”, afirma.

Ele diz também que os pedidos de doação já aumentaram. “Dobraram os casos de pedidos por alimentos, Nosso papel na comunidade, não é só religioso, é um espaço socioafetivo. Acaba virando uma casa de mãe onde se busca alimento, uma folha ou uma reza para melhorar a saúde”, diz.

No candomblé, a passagem do tempo deve ser vivenciada sem angústias. “Temos uma relação sagrada com o tempo. A nossa preocupação não é se essa pandemia vai demorar 3 ou 6 meses. É que tenhamos força e responsabilidade com os mais velhos. Nossas cantigas e nossos saberes são de tradição oral. Enquanto a sociedade desrespeita e coloca os avós no asilo, a gente não os abandona. Eles são os detentores dos saberes. Essa questão do tempo não nos traz medo. Nossa preocupação é com a segurança e a saúde”, diz o religioso.

Para que seguidores e seguidoras do candomblé não se sintam sozinhos com a suspensão das atividades públicas, as redes sociais do terreiro publica mensagens de cuidados e de conforto. Nacionalmente, se criou uma corrente: toda segunda-feira, às 18h, os adeptos fazem uma oração a Omulu Ọbalúayé, orixá das doenças e das curas.

A solidão do padre

É nas redes sociais também que a Igreja Católica vem se comunicando com seus fiéis. Desde o dia 18, a Arquidiocese de Recife e Olinda suspendeu as missas e outras celebrações.

É sozinho na igreja da Paróquia Bom Jesus do Arraial, em Casa Amarela, que o padre Adriano liga o celular para fazer a transmissão online de missas e terços. “Algumas paróquias contam com uma pequena equipe de ministros para a liturgia. Mas eu e muitos padres fazemos tudo só”, diz.

Padre Adriano, em missa solitária

Para o padre Adriano, é o momento da igreja, mesmo de longe, levar conforto aos fiéis. “Nós também somos humanos e sofremos muito com essa situação. Sabemos que a fé é importante neste momento para que as pessoas não esmoreçam. Vários estudos mostram como a fé ajuda também na cura. Continuamos firmes celebrando as nossas missas, para que as pessoas tenham um horizonte de esperança”, diz o padre, lembrando que pedidos de oração chegam agora por mensagens e vídeos.

Todo começo de mês, a paróquia de Casa Amarela distribui cestas básicas para os mais pobres. Ainda não houve aumento de pedidos, mas o padre está preocupado porque as doações à igreja diminuíram.

“Em Casa Forte, o grupo de samaritanos está saindo para fazer entregas às pessoas na rua. Se não vier muita gente no começo do mês, ainda temos condições de continuar as doações”, diz o padre, que fez postagens nas redes sociais da igreja com a opção de doação por transferência bancária.

“Muitos brasileiros ainda não compreenderam que se deve ficar em casa. Mas também temos que pensar naquelas pessoas que estão nas ruas e não têm para onde ir”, diz o padre.

Nas igrejas neopentecostais, a situação está um pouco diferente. Contrariando as recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), o pastor Silas Malafaia afirmou que as igrejas iriam continuar abertas. A justiça de São Paulo já pediu o fechamento dessas igrejas.

Ontem, com o decreto do governador Paulo Câmara reduzindo para dez o número de pessoas reunidas em Pernambuco, as igrejas evangélicas daqui foram obrigadas a parar com os cultos. Nas Igrejas Universal dos bairros de Candeias e da Torre, por exemplo, decidiram suspender os cultos ontem, após o decreto. As igrejas continuam abertas, mas com restrição a até 10 pessoas por vez, como determina o decreto. Cultos e orações online também se proliferaram.

Políticos ligados à religião têm se dividido. O pastor Cleiton Collins (PP), deputado estadual, gravou um vídeo no dia 17 de março sobre a pandemia do coronavírus e falando para as pessoas ficarem em casa.

Também da bancada evangélica, a deputada Clarissa Tércio (PSC), que faz parte da congregação de Silas Malafaia, foi e incentivou fiéis a irem para as manifestações do dia 15 de março contra o Congresso e o STF. Depois, criticou o governo de Pernambuco pelos “ônibus lotados”, postou foto com a possível candidata à prefeitura do Recife delegada Patrícia Domingues, e só há 3 dias começou a divulgar lives de cultos e orações, se mostrando em isolamento com a família.

Na Coréia do Sul, a resistência das igrejas à quarentena foi responsável por dois grandes focos de disseminação da doença. O maior, responsável por até 60% dos casos no país, foi na Igreja Jesus de Shincheonji. O líder da igreja está respondendo a uma acusação de homicídio pelo fato de não ter colaborado com as autoridades para identificar os fieis que poderiam ter participado dos cultos. Outro templo sul coreano, o Grace River, registrou 46 casos de coronavírus

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org