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Gravatá tem 250 condomínios. Fotos: Maria Carolina Santos/MZC
Gravatá – É quase um acontecimento diário. Toda vez que a Prefeitura de Gravatá posta o boletim do coronavírus na cidade, chovem comentários culpando os turistas pela disseminação da doença. Uns dizem que eles trouxeram o vírus para cá. Outros que eles vagueiam pela cidade sem usar máscaras. Uns denunciam as festas em condomínios. Há até quem culpe o prefeito Joaquim Neto (PSDB) por não ter fechado a cidade no começo da pandemia, para manter os forasteiros longe da cidade.
Ao ver a publicação do dia 20 de junho, com 25 mortes confirmadas (hoje já são 28) Valéria Castro Pereira ficou indignada. “O prefeito não fechou as entradas da cidade, deu nisso. Eu já sabia que isso iria acontecer. Falei várias vezes para a prefeitura e a resposta que tive foi que não podia proibir os donos de suas casas entrarem. Sim, e o exemplo de Fernando de Noronha? Lá zerou o número de pessoas doentes”. Outra gravataense rebateu: “Já falei isso também. Todos têm suas casas fixas. Então que ficassem nelas!”.
A prefeitura de Gravatá se justifica afirmando que não tem como impedir a chegada dessas pessoas, pois muitos são proprietários em Gravatá. “Estamos fazendo o possível para tentar conter o vírus. Estamos informando o tempo inteiro da gravidade, através de boletins, carro de som, internet e rádio. É necessário a consciência de cada um. Estamos orientando, proibindo, mas não temos como proibir a saída de cada um”, responde, nos perfis das redes sociais.
No começo de abril, não havia nenhum caso confirmado na cidade. A primeira confirmação se deu no dia 13 daquele mês, após a Semana Santa. O primeiro óbito foi confirmado em 25 de abril. O boletim desta quinta-feira aponta 205 casos e 29 óbitos. Desempregado, Luiz Oliveira trabalhava em um grande hotel, que dispensou todos os funcionários por conta da pandemia. Para ele, o aumento de casos é herança dos feriados: Semana Santa e o período junino. “A prefeitura afrouxou o laço para que os turistas fizessem da cidade um refúgio. E nós, que moramos na cidade, pagamos o pato”, diz, em entrevista à Marco Zero.
Ele critica uma medida recente, adotada na semana prévia do São João, que esticou o horário de funcionamento de supermercados de 15h para as 17h. “Aumentaram o tempo de funcionamento para agradar aos turistas. Mas deveria ser o contrário: os turistas têm que se adaptar à cidade. Sei que o turismo é a principal fonte de renda do município, mas não nesse momento. O correto deveria ser diminuir o fluxo de pessoas no município. É uma situação triste, mas não tem o que se fazer”, acredita.
Em nota, a prefeitura confirma que a mudança no horário foi mesmo para atender a maior demanda na cidade. “Considerando a data véspera de feriado, considerando a limitação do numero de pessoas permitidas dentro dos supermercados e o aumento do fluxo da população no comércio”, diz
O prefeito Joaquim Neto minimiza as queixas dos moradores. “Isso aconteceu mais no começo da quarentena. Essa questão já foi muito debatida. Agora as pessoas já entendem a importância para a economia: as pessoas de fora se abastecem na cidade e voltam paras suas casas. Temos muitos serviços com delivery. As pessoas de fora garantem a geração de renda e compras no comércio. E não existem turistas aqui: existem pessoas que são gravataenses e pessoas que estão aqui. Há muito tempo que Gravatá não pertence apenas aos gravataenses, mas a todos”, diz.
Em Gravatá, há 250 condomínios, pelos cálculos da prefeitura. Hoje, quem quiser encontrar uma casa para alugar vai encontrar dificuldade. Com aluguel médio de R$ 3 mil por mês, uma casa de três quartos é artigo disputado. “A procura aumentou em 100%, a cidade está cheia. Só temos disponibilidade de casas agora para outubro, ou se alguém por acaso entregar uma casa antes. O público é uns 80% de pessoas do Recife, que não aguentaram ficar essa quarentena em apartamentos. Tem o perigo dos elevadores, de sempre encontrar pessoas no prédio”, conta o corretor imobiliário Anderson Oliveira, há oito anos trabalhando com aluguel e compra de imóveis na cidade.
Nesses quatro meses de crise sanitária, ele calcula que alugou umas 80 casas. E alugaria mais, se houvesse casas disponíveis. “Mas aluguel não dá dinheiro para corretor. O que dá é venda, e ainda está fraco o movimento. Mas acredito que muita gente por conta dessa pandemia vai passar a valorizar mais ter espaço e vai querer morar em uma casa”, diz ele. O preço médio de uma casa em condomínio em Gravatá gira em torno dos R$ 250 mil.
Mesmo os que pedem que a cidade seja fechada, reconhecem o trabalho preventivo da Prefeitura. Ele é ostensivo: a principal praça no Centro está fechada com grades. Há totens com pias e sabão perto da prefeitura e no mercado público. Há barreiras sanitárias que abordam os carros nas principais vias de acesso à cidade, com questionário e medição de temperatura. São 167 profissionais envolvidos.
A fila da Caixa Econômica, para os saques do auxílio emergencial, tem marcações. E há distribuição de máscaras nas filas e na feira livre – que teve seu horário reduzido. Tirando a semana anterior ao São João, o comércio de serviços essenciais funciona até às 15h, exceto padarias e farmácias. Nas ruas do centro, a reportagem encontrou a grande maioria da população usando máscaras.
A ordem no centro contrasta com o que se vê nas regiões onde há condomínios. Passeios a cavalo, grupos fazendo caminhadas sem máscara e barulho alto de festas são comuns aos fins de semana. Com quase 80 anos, Josefa Silva deixou o Recife com o marido para passar a quarentena em uma casa em condomínio. Queria levar sol, o que era difícil no apartamento em que mora no Recife. “A área de lazer está fechada, mas no São João escutamos barulho de festa”, conta.
A prefeitura afirma que a fiscalização nos condomínios é feita pelas Vigilâncias Sanitária e Ambiental através de barreiras itinerantes. Há também ouvidoria da prefeitura e do Ministério Público de Pernambuco. Mesmo assim, as denúncias são poucas.
Assim como muitos prefeitos do interior, Joaquim Neto é um crítico à quarentena rígida que atinge hoje Caruaru e Bezerros. “Vitória de Santo Antão está cheia de casos e não tem lockdown. Por que?”, questiona, insinuando motivações políticas. Para ele, Gravatá não precisa de medidas mais rígidas. “Estamos com um trabalho muito bom na atenção básica. Fizemos kits e as pessoas com os sintomas leves que podem ser cuidadas em casa têm remédios e acompanhamento”, diz.
Na cidade, há 21 Unidades Básicas de Saúde. Só casos graves são testados, mas a prefeitura está tentando uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz para fazer uma pesquisa sorológica na população.
Único hospital de Gravatá, o Hospital Municipal Doutor Paulo da Veiga Pessoa não tem leitos de UTIs. São 20 leitos de enfermaria disponibilizados para os casos de Covid-19. Casos graves são encaminhados para o Recife. Uma nova ambulância foi comprada para uso exclusivo de casos de Covid-19.
Nas primeiras décadas do século XX, cidades como Gravatá, com clima mais amenos, eram bastante procuradas para tratar doenças pulmonares. “Acreditava-se que o ar mais puro e frio da serra contribuía para recuperar a saúde dos enfermos, principalmente de quem tinha tuberculose. E assim cidades como Gravatá e Garanhuns, por exemplo, tinham hospitais de repouso que recebiam essas pessoas”, conta o historiador e doutorando na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Diomedes Oliveira.
“É curioso, então, ver que décadas depois, em uma pandemia de um vírus que ataca o sistema respiratório, que as pessoas voltem a procurar Gravatá como um refúgio”, diz Diomedes, que também é gravataense.
O historiador lembra que o turismo tal qual como se vê hoje apareceu em Gravatá com a vinda do suíço José Luiz Truan. Ele chegou na cidade no final da década de 1960 e abriu aqui o primeiro restaurante de fondue do Nordeste, o Taverna Suíça, que existe até hoje. Ele também inaugurou o Hotel da Serra, o primeiro da cidade com o conceito de hotel fazenda.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org