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Crédito: Pedro Lopes de França
Na primeira vez em que vi Tereza entendi que as histórias que me contou não caberiam em jornal nenhum. O ano era 1999. Não foi uma entrevista qualquer, não só porque durou quase quatro horas.
Os caminhos profissionais me levaram de volta para perto de sua casa, do seu ateliê e de sua intensidade. Nos últimos 19 anos, Tereza Costa Rego tornou-se uma presença frequente em minha vida. Contar sua história passou a ser minha obsessão.
Primeiro, nutria minha vaidade com aquilo que entendia como privilégio: ser recebido por ela, partilhar garrafas de vinho e horas de conversas. Só depois de muito tempo, percebi que não eram meus supostos méritos ou virtudes que abriram as portas da casa da rua do Amparo, mas sim os méritos e virtudes da anfitriã.
De tão exuberante, a força de sua personalidade talvez ocultasse um traço sempre presente em suas escolhas: a generosidade. Quando se fala em Tereza, as características sempre usadas para descrevê-la são a inquietude, coragem, ousadia e a paixão. Mas ela era, antes de tudo, generosa. Uma mulher que dava mais do que recebia.
Demorei a compreender que ela contava e recontava os mais íntimos detalhes de sua vida por pura generosidade. Fui eu quem a procurei para escrever sobre suas múltiplas vidas. Respondia a tudo que eu insistia em saber apenas para que eu tivesse o que escrever, por saber que aquilo que tinha vivido ajudaria, tanto tempo depois de vivido, a realizar a minha ambição.
Por generosidade, celebrou seu 89º aniversário no espaço cultural de um amigo para que a casa tivesse uma noite de lotação máxima.
E assim, Tereza, mulher em permanente estado de mudança, continuava a se reinventar.
Engana-se quem enxerga política no vermelho tão marcante em sua arte. Vermelho era a cor da inquietude de sua alma, assim como vermelha é a lava vulcânica, rocha em transformação, impossível de ser contida e com o poder de transformar a paisagem tanto ao avançar quanto ao interromper sua jornada.
Com a força de uma erupção, desafiou a família e as tradições da sociedade canavieira de Pernambuco ao não aceitar o papel de fiel esposa do magistrado.
Desafiou a ditadura militar de inúmeras maneiras, na clandestinidade ou não.
Desafiou o companheiro que amava ao não aceitar o papel de militante submissa aos desígnios do partido.
Máxima ousadia, desafiou até mesmo o tempo, ao não aceitar o papel reservado à velhice e continuar sonhando, planejando, fazendo novos amigos e livrando-se de preconceitos.
Agora, sua arte e a história de sua vida desafiam a morte.
Obrigado por tudo, amiga querida, mas obrigado mesmo pelas tantas versões das suas memórias e pelo exemplo de jamais se conformar.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.