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Quando a direita se divide, vale tudo

Inácio França / 30/09/2020

Crédito: Tiago Calazans

Afirmar que a esquerda jamais se une e tem dificuldades para superar as mais ínfimas divergências é um lugar comum repetido por analistas políticos e pelos próprios militantes nos momentos que se seguem a uma derrota. A campanha eleitoral de 2020 no Recife indica que o mesmo raciocínio também pode ser aplicado para descrever o comportamento da direita e, mais ainda, da extrema-direita.

As trocas de acusações entre candidatos estavam inflamadas antes mesmo do início da campanha, quando os palanques se formavam. Nos grupos de Whatsapp e comunidades de Facebook, o vocabulário utilizado pelos militantes e eleitores é tão ou mais duro quanto os xingamentos direcionados aos petistas, comunistas e a qualquer um que se identifica com as pautas consideradas progressistas.

Entre os principais candidatos de direita, há ataques para todos os lados. O conteúdo porém é um só: tentar desqualificar o oponente questionando sua lealdade ou proximidade com o presidente Jair Bolsonaro, o que parece ser a principal característica a definir quem é merecedor dos votos conservadores. Ou dos 47,5% dos recifenses que votaram nele nas eleições de 2018.

  • Por ser filiado ao DEM, Mendonça Filho é acusado de ser aliado de Rodrigo Maia e do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
  •  O evangélico Marco Aurélio (PRTB) tem de aguentar seu passado como ex-vice-líder de governo de Geraldo Julio na Câmara Municipal ser trazido à tona.
  • Alberto Feitosa (PSC), que integrou a Frente Popular até 2018, vê suas fotos ao lado de Paulo Câmara, Luciana Santos e Humberto Costa circulando nas redes sociais.
  • O apoio do partido Cidadania, do ex-comunista Roberto Freire, é usado para desqualificar a delegada Patrícia Domingos (Podemos), também associada ao ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro, hoje considerado inimigo pelos bolsonaristas.
  • Até Charbel Maroun (Novo) e Carlos Andrade Lima (PSL), que mal pontuam nas pesquisas, não escapam dos ataques. O primeiro, porque a direção nacional do partido ter punido um candidato em São Paulo que elogiou o presidente da República. O segundo, por ser candidato de Bivar. Daí, ser tido como traidor de Bolsonaro.

Direita? Que direita?

Ao ser questionado sobre o clima de hostilidade e disputa de eleitorado entre os candidatos, o coronel Alberto Feitosa não perdeu tempo: “Quem são os candidatos de direita? A delegada? É de centro, ou até mesmo centro-esquerda. Ela está com o partido que tinha a palavra socialista no nome. Mendoncinha? Centro. Melhor dizendo, centrão. Homem de confiança de Michel Temer. Marco Aurélio eu admito ser de direita, mas é hipócrita”. Segundo Feitosa, o candidato do PRTB seria “hipócrita” por ter sido um dos principais defensores da gestão de Geraldo Julio na Câmara.

Adversários lembram que, até 2018, Alberto Feitosa vestia camisa vermelha

A assessoria de Marco Aurélio não respondeu às tentativas de contato, porém nas entrevistas que concede não economiza veneno. Em uma rádio recifense, portou-se como metralhadora giratória.

Primeiro, o alvo foi Mendonça Filho: “A picaretagem não tem limites. Pode apostar que gente como Mendonça Filho ainda vai ter a cara de pau de aparecer nas eleições de 2020 dizendo estar ao lado de meu pai para ter o voto conservador. O povo não é otário. Quem escreveu foi Eduardo Bolsonaro. Tá lá no Twitter dele é só procurar”. Depois, Feitosa: “Agradeceu o emprego como presidente da Infraero. Foi nomeado por Lula a pedido de Humberto Costa”.

Candidato de direita mais bem situado nas pesquisas, Mendonça tem chances reais de chegar ao segundo turno e, por isso, evita críticas a possíveis aliados no futuro. Por meio de sua assessoria, avisou que não tinha interesse em participar desta reportagem. A condição de ser um dos favoritos, porém, o transformou em alvo preferencial dos demais direitistas.

Na terça-feira (29), por exemplo, a campanha da delegada Patrícia Domingos distribuiu um meme bem humorado nivelando Mendonça Filho a João Campos e Marília Arraes como políticos que ganharam “mandato da família” e arrumaram “emprego por indicação”.

AntiPT e antiBolsonaro

Apoio de Daniel Coelho e Roberto Freire colocou Patrícia na mira dos bolsonaristas (Crédito: Thiago Calazans)

A delegada Patrícia Domingos tenta se apresentar ao eleitorado de direita se aproximando do figurino da operação Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro. Alcançar os eleitores do bolsonarismo raiz ficou mais difícil depois das declarações do presidente do partido Cidadania, ao qual seu candidato a vice-prefeito, Leo Salazar, e seu coordenador de campanha, Daniel Coelho, são filiados. O ex-deputado federal Roberto Freire afirmou com todas as letras que a delegada “derrotaria o bolsonarismo e os vários lulismos” em Pernambuco.

Em entrevista para a Marco Zero, Patrícia disse que, mesmo após a fala de Freire, não se sente atacada nas redes e parece estar mais preocupada em buscar um eleitorado que vá além da bolha bolsonarista: “Sou candidata para melhorar a vida do povo do Recife. Não penso se o eleitor é A ou B. Não tenho essa preocupação em classificar as pessoas, mas é natural que o nosso eleitor se classifique como mais à direita. Meu projeto é para a cidade do Recife e todos os seus moradores. É para os mais de 70% dos recifenses que querem mudança”.

Mesmo afirmando não sentir os ataques, minimiza a declaração do aliado. “Nosso vice, Leo Salazar, é do Cidadania. O coordenador da nossa campanha é Daniel Coelho, deputado federal do Cidadania, que abriu mão de sua candidatura para nos apoiar. O que observo, sem grande preocupação, é uma necessidade estranha de atrelar a campanha com esse ou aquele, como se a história e o trabalho pessoal de cada um não fosse suficiente para se apresentar aos eleitores. Não me incomoda.”

A violência verbal da militância

Nos grupos de zap e comunidades de Facebook, o tom dos eleitores e militantes é ainda mais áspero. Em grupo, em que dezenas de empresários “conservadores” convivem com candidatos a vereador bolsonaristas, ficou claro que, após a formação das chapas, os integrantes se dividiram entre as candidaturas. 

Entre eles, a fala de Roberto Freire não passou desapercebida. “Com certeza a cara da delegada não enganou, na sabatina já demonstrou que não apoia Bolsonaro. Ela é muito escorregadia, não passa verdade”, afirmou um homem que costuma postar material de campanha de Alberto Feitosa. Sob um link do perfil de Feitosa postado por ele, um simpatizante da campanha de Mendonça rebateu com uma foto do candidato do PSC em campanha junto às cúpulas do PSB, PT e PCdoB, e a provocação: “Eu posso estar enganado, mas vejo Feitosa como um oportunista, do tipo Joice”.

Outro homem nem esperou para rebater, dizendo que “Patrícia é uma liberal política, com a aliança de Daniel que é esquerdista ficou complicado. Agora o PSDB no Recife está com Mendonça, o PSDB não quer derrotar o Bolsonarismo também não?”.

Em relação ao candidato Charbel Maroun, do partido Novo, um dos empresários do grupo arriscou essa definição: “Ele é do time do Soros, FHC, bancando pelo Itaú.” A rejeição ao partido Novo, aliás, tornou-se uma unanimidade nesse grupo, merecendo diariamente comentários de diferentes pessoas, mas com conteúdo semelhante: “Impressionante como esse aí me enganou direitinho viu” ou“Só quem não quer não percebeu ainda que o NOVO é uma farsa. Mais um PSDB e DEM da vida”, além de “O Novo está sendo o reduto dos progressistas. Conservador está sendo direta ou indiretamente expulso”.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.