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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Nenhuma das quatro candidaturas mais bem colocadas nas pesquisas de opinião na corrida eleitoral pela Prefeitura do Recife incluiu, no programa de governo encaminhado ao TSE, propostas para o atendimento de migrantes e refugiados. O assunto, considerado urgente em todo o mundo, há dois anos também se tornou pauta recorrente na capital pernambucana, onde vive uma crescente população de estrangeiros, em especial venezuelanos, fugidos das crises política, econômica e social do país vizinho.
A ausência do tema entre as prioridades dos aspirantes ao governo municipal – os programas dos outros seis candidatos majoritários também não abordam o assunto – contrasta com a realidade visível no cenário da cidade. Não é difícil encontrar, nas principais avenidas do Recife, adultos e crianças segurando cartazes improvisados com palavras em espanhol pedindo dinheiro ou comida. A morte, no último dia 31, de uma menina venezuelana da tribo indígena warao, revelada pela Marco Zero Conteúdo, expôs ainda mais a situação de vulnerabilidade desse grupo que vive amontoado em imóveis sem infraestrutura adequada.
“É extremamente grave um tema como este não ser sequer citado nas propostas de governo dos candidatos à Prefeitura do Recife. Isso mostra infelizmente que eles e elas estão desconectados da realidade, pois nunca houve tantos deslocamentos de pessoas na história da humanidade. Não ter essa consciência é fechar os olhos para a realidade”, afirma a coordenadora do Programa de Migração e Refúgio da Cáritas Brasileira Nordeste 2, Luciana Florêncio.
A Cáritas é um organismo da Igreja Católica que trabalha na garantia dos direitos humanos dos migrantes e refugiados, e está desde o início participando das ações de proteção aos estrangeiros, em parceria com os governos federal, estadual e municipal. “Nós ajudamos os refugiados a terem acesso aos serviços como saúde e educação, a uma documentação e aos programas sociais brasileiros. O que eles contam, na verdade, é com a estrutura de ação social que já existe na cidade, não há uma política própria para eles”, diz Luciana.
Até meados do ano passado, a Cáritas havia atendido 140 pessoas que chegaram ao Recife por meio do programa Acolhida, do Governo Federal. O número exato de refugiados vivendo atualmente na cidade, no entanto, é desconhecido.
De acordo com Roberto Saraiva, integrante da coordenação nacional do Serviço Pastoral do Migrante (SPM), vem ocorrendo um fluxo grande de venezuelanos que chegam ao Brasil de maneira espontânea, ou seja, sem passar por programas de integração. Saraiva estima que, no Recife, essa população, excluindo as demais nacionalidades, esteja em torno de 2 mil pessoas, a maioria índios waraos.
“Esse debate ficou mais evidente em 2018 quando os candidatos a governadores negligenciaram a pauta da migração, mas aí veio a questão dos venezuelanos e eles foram pegos de surpresa. O que temos hoje é um atendimento precário e, no caso dos waraos, se soma o fato de que não há, no âmbito local, políticas públicas indigenistas”, destaca Saraiva.
O SPM e a Cáritas se juntaram com pelo menos mais sete entidades da sociedade civil e criaram, este ano, o comitê interinstitucional de promoção dos direitos das pessoas em situação de migração, refúgio e apátrida em Pernambuco (Comigrar). O grupo, que conta com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco (OAB-PE), Ministério Público Estadual e universidades, defende a criação de leis e estruturas próprias no executivo municipal para atender aos migrantes e refugiados.
“A migração é um tema que vai cair no colo do novo prefeito ou da prefeita. Ter uma política de assistência social não dá conta da realidade. Os estrangeiros demandam um cuidado específico, pois são de culturas diferentes, por isso é preciso pensar a médio prazo uma legislação municipal que crie políticas públicas específicas para essa população”, pontua Saraiva.
“É muito fácil nessa fase de pedir votos até dizer que vai implantar uma secretaria para migrantes e refugiados, de fato, a complexidade do tema merece uma estrutura completa como essa, mas se mudar o governo tudo pode ir por água abaixo. O que precisamos, e o Comigrar quer contribuir, é de uma política estrutural que ponha fim à violação de direitos dessa população”, afirma Luciana Florêncio.
Procuradas pela reportagem sobre a ausência dos migrantes e refugiados nas propostas de governo, as candidatas à Prefeitura do Recife Marília Arraes (PT) e a delegada Patrícia Domingos (Podemos) minimizaram a questão. As concorrentes alegaram que os planos disponibilizados por suas chapas, no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apresentam eixos gerais e estão abertos à contribuição da sociedade. João Campos (PSB) e Mendonça Filho (DEM) não quiseram responder.
A delegada Patrícia Domingos informou, por meio de nota, que visitou uma das casas onde moram venezuelanos no Recife. Segundo a candidata, “a situação de abandono é revoltante”. “Visitei dezenas de comunidades pobres na cidade e poucas vezes me deparei com uma situação tão lamentável como a que vivem esses imigrantes. Precisamos ter um olhar de carinho para atender quem vem para o Recife. Tratar com dignidade todos os moradores, nascidos aqui ou não”, disse.
Para a candidata do Podemos, a primeira medida, caso seja eleita, deve ser a requalificação dos abrigos e a abertura da gestão para entidades da sociedade civil organizada que já trabalham com a inserção dessa população. “Vamos implementar projetos propostos por representações estrangeiras e consulados. Essas parcerias também serão fundamentais no processo de qualificar essas pessoas, inseri-las no mercado, dar oportunidade para que elas possam ter um meio de vida na nossa cidade”, afirma.
Marília Arraes, também por meio de sua assessoria, disse que o tema da migração vem sendo debatido ao longo dos últimos sete meses e nas reuniões para construção do seu plano de governo. “Não só dos venezuelanos, mas também de povos africanos, com grupos que já atuam na assistência a estrangeiros, com especialistas, equipes multidisciplinares e entidades com know-how no tema. Há muitas peculiaridades que precisam ser observadas e respeitadas para que a acolhida e a assistência sejam feitas de forma correta, respeitando a cultura desses grupos e, também, todos os aspectos legais”, afirma.
A petista complementou informando que pretende, se eleita, construir uma Política Municipal de Promoção dos Direitos dos Migrantes e Refugiados no município do Recife, a partir do projeto de lei 198/2020 do vereador Ivan Moraes (Psol). “Ações ou projetos isolados não terão a força necessária para atingir o objetivo de forma permanente, que é o de dar apoio, acolhimento e assistência a estas pessoas. Hoje, por exemplo, a Prefeitura do Recife promove ações pontuais junto à comunidade venezuelana, mas onde está o resultado? Não há porque acaba se pulverizando”, declara.
Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com