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Conteúdo verificado: Tuíte diz que a autonomia aprovada para o Banco Central significa que “diretores indicados pelo mercado financeiro vão decidir o destino da economia”.
Ao contrário do que sugere um tuíte verificado pelo Comprova, o projeto de autonomia do Banco Central, recentemente aprovado no Congresso Nacional, não prevê indicação de diretores do BC pelo mercado financeiro. O próprio autor do tuíte, o ex-candidato à Prefeitura de São Paulo em 2020, pelo PSOL, e coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST), Guilherme Boulos, afirmou ao Comprova que ela é uma interpretação e que não deve ser entendida literalmente. Essa verificação foi feita atendendo a solicitação de leitores.
Especialistas ouvidos pelo Comprova explicaram que a diretoria do Banco Central – órgão responsável pela emissão de moeda, definição da taxa de juros e fiscalização do sistema financeiro no país – vai continuar sendo indicada pelo presidente da República, mas, agora, terá que passar pelo crivo do Senado, e só poderá ser removida do cargo com a anuência do Legislativo. Isso, segundo o economista Hélio Berni, da faculdade IBMEC de Belo Horizonte, significa que o órgão terá mais espaço para implementar políticas mais duradouras.
Além disso, o professor Flávio Constantino, do Departamento de Economia da PUC Minas, lembra que a possibilidade de pressão do mercado financeiro sobre o Banco Central já existia, independentemente da aprovação do projeto de autonomia. “Se o sistema financeiro cobrar do presidente da República, e se o presidente da República ceder a essas pressões, aí corremos o risco, sim, do Banco Central fazer políticas voltadas para o mercado, que vão beneficiar instituições financeiras, por exemplo”, pondera.
Contatado pelo Comprova, Guilherme Boulos disse que a postagem tem caráter de análise política, e não é literal. “É uma análise dessa relação já existente das nomeações no banco com os interesses do mercado, com as vontades do mercado, ela só vai se aprofundar, porque você vai reduzir os mecanismos de controle democrático”, afirmou.
Procuramos Guilherme Boulos, e pedimos uma explicação mais detalhada sobre o que ele quis dizer com o tuíte.
Para entender melhor o funcionamento do Banco Central e como funciona o projeto de autonomia, entrevistamos o professor Flávio Constantino, do Departamento de Economia da PUC Minas, e o professor Hélio Berni, do IBMEC-BH.
Também buscamos informações nos sites oficiais da Câmara e do Senado, sobre a tramitação do texto aprovado pelos parlamentares, e consultamos matérias publicadas em diversos veículos de imprensa sobre a iniciativa e a relação dela com o governo Bolsonaro.
O PL 19/2019, de autoria do Senador Plínio Valério (PSDB-AM) foi aprovado na Câmara dos Deputados, em segundo turno, neste mês de fevereiro. Até a publicação desta verificação, o texto aguardava apenas a sanção presidencial para entrar em vigor.
A principal mudança prevista no texto é na forma de indicação dos diretores e da presidência do Banco Central – que passa a ocorrer a partir do terceiro ano de mandato do presidente da República. Os nomes devem passar por uma sabatina no Senado, e tem um período fixo no comando do BC, de quatro anos. Atualmente, o cargo é de livre nomeação do chefe do executivo. O presidente do banco já precisa ser aprovado pelo Senado, mas pode ser escolhido pelo governo federal em qualquer ponto do mandato, e também pode ser demitido sem restrições.
O professor Flávio Constantino, do Departamento de Economia da PUC Minas, ouvido pelo Comprova, explica que o Banco Central tem como atribuições cuidar da moeda, da taxa de juros e da supervisão do mercado financeiro. As políticas decididas pelo órgão, segundo o professor, precisam levar em consideração a possibilidade de aumento da inflação ou de criação de uma recessão econômica, caso sejam equivocadas, e ainda lidam com as expectativas e pressões do governo – que controla o Ministério da Economia (ou Fazenda, em gestões anteriores) – e da sociedade.
A ideia de ampliar a autonomia do Banco Central existe no Brasil desde os anos 1970, e se respalda, entre seus apoiadores, em experiências adotadas em outros países. Segundo Flávio Constantino, nações como Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia e Alemanha realmente conseguiram, por exemplo, reduzir a inflação no longo prazo, com a adoção dos modelos de independência. Isso não significa, porém, que o mesmo resultado será alcançado no Brasil, já que toda a conjuntura econômica é relevante. “Esses países não tinham uma preocupação, como temos no Brasil, de um quadro de forte desigualdade – a diferença de quem é mais rico no Brasil supera mais de vinte vezes [em renda] quem é mais pobre, enquanto nesses países isso não passa de oito, nove vezes – então é um quadro social diferente do que nós temos no nosso país”, explica.
Segundo o autor do post, Guilherme Boulos (PSOL), o post tem caráter de análise política das consequências da autonomia do Banco Central. “Na prática, hoje, os diretores do Banco Central já são indicados pelo mercado financeiro, obviamente não é indicação formal, não vai existir nunca lei como atribuição para o mercado financeiro indicar os diretores. Então, não dá pra ler com literalidade aí”, explica.
O ex-candidato avalia que na atual conjuntura da autarquia já há uma ‘tradição dos presidentes serem indicados numa porta giratória pelo financeiro e de boa parte da diretoria também’, usando como exemplo o atual presidente Roberto Campos Neto, que teve passagem pelo Banco Santander.
A intenção de ampliar a independência do Banco Central foi manifestada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) logo no primeiro ano de mandato à frente do Executivo, e o governo chegou a enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional sobre o tema.
Recentemente, o presidente disse que o projeto – que faz parte da pauta liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes – era importante, mas que iria analisar o texto final, acordado entre os congressistas durante a tramitação, e que poderia vetar parte do conteúdo aprovado.
O autor do tuíte verificado, Guilherme Boulos, é integrante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e foi candidato, pela legenda, à prefeitura de São Paulo, nas eleições de 2020. Boulos também é o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST).
No dia 15 de fevereiro, Boulos reiterou as críticas ao projeto de autonomia do BC em um artigo publicado na Folha de S. Paulo.
Durante a campanha política, no ano passado, ele foi alvo de boatos que diziam que ele obrigaria moradores de São Paulo a receber moradores de rua em casa e que ele sairia do país, se não fosse eleito. Os dois conteúdos foram checados pelo Comprova, e classificados como falsos.
Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus que têm grande alcance nas redes sociais. A postagem de Guilherme Boulos alcançou 14 mil curtidas e 2.119 compartilhamentos até o fechamento desta checagem, e a verificação do conteúdo foi sugerida por leitores ao Comprova.
Apesar de ser uma análise política, não é possível avaliá-la como informação precisa, e alguns leitores entenderam o tuíte de forma literal.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.