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Crédito: Andrea Rego Barros/PCR
Há mais de um ano, as Unidades de Saúde da Família (USF) do Recife não recebem com regularidade espéculos vaginais para a realização de exames ginecológicos preventivos. Médicos e agentes de saúde de várias unidades confirmaram aquilo que um perfil de médicos residentes havia denunciado no instagram. De acordo com os administradores da conta @mfc.sesau.recife, criado pelos residentes para compartilhar sua rotina e experiências na Medicina de Família, a falta de espéculos nas USFs do Recife vem colocando em risco a prevenção do câncer e a saúde tanto de mulheres quanto de homens trans.
Os espéculos são instrumentos básicos, necessários para exames ginecológicos, inserção de Dispositivo Intrauterino (DIU) e, principalmente, para a realização do teste diagnóstico de Papanicolau, fundamental na prevenção do câncer de colo de útero. Por ser de baixa complexidade, o exame pode ser realizado em postos ou unidades de saúde da rede pública, mas a falta do instrumento está impedindo que isso aconteça.
Na USF Diógenes Ferreira Cavalcanti, em Nova Descoberta, por exemplo, as duas equipes que compõem o atendimento da unidade receberam apenas 24 espéculos, 12 para cada equipe – para serem usados durante um mês. Como o instrumento é descartável, isso significa que apenas 24 mulheres das comunidades do Alto da Brasileira e do Reservatório, atendidas na unidade, poderão ser examinadas ao longo do mês. Sete mil pessoas vivem nas duas comunidades.
Quem dá a informação é o médico preceptor Rubens Cavalcanti, de 35 anos, que atua no posto de saúde de Nova Descoberta. “ A coordenação de saúde da mulher nos enviou essa quantidade e, pelo baixo número de espéculos disponíveis, informou que a distribuição seria feita assim, mensalmente. Com essa quantidade que temos, decidimos usá-los para exames citopatológicos, não sendo utilizados para exames clínicos. Estamos fazendo o absurdo de encaminhar as pessoas para ginecologia, o que é uma pena. Na Atenção Primária à Saúde, a gente pode resolver cerca de 85% dos problemas de saúde da população num primeiro atendimento, ainda nas unidades básicas”.
O perfil dos médicos residentes classificou como “escárnio” a cota de 12 espéculos por mês. “Recife já foi conhecida por atingir boas metas de realização de exame preventivo. Mas essa realidade mudou. Fornecer material para realizar apenas 3 exames por semana coloca as equipes de saúde da família na desesperadora situação de ter que escolher qual pessoa vai fazer o exame e qual não vai (…) é o mesmo que escolher quem pode morrer”.
Os residentes têm razões para se preocupar. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) em 2020, a estimativa de novos casos no Brasil atualmente é de 16.590. A detecção precoce do câncer de colo de útero é de extrema importância para evitar a sua incidência e mortalidade. Os testes realizados nas Unidades de Saúde da Família estão dentro de uma fase pré-clínica, que através do exame preventivo Papanicolau, identificam lesões que antecedem o desenvolvimento do câncer, que, quando diagnosticado na na sua fase inicial, tem chances de cura de 100%.
O problema não está restrito à Nova Descoberta.
Na USF Professor Olinto de Oliveira, no Caxangá, não há espéculos para a realização de exames ginecológicos preventivos. Já na Upinha Vila Arraes, na Várzea, foram entregues nas últimas semanas 12 espéculos para divisão entre três equipes de Saúde da Família que realizam o exame preventivo na unidade. O atendimento é realizado para quem chegar primeiro.
A agente e integrante do conselho gestor da USF Professor Olinto de Oliveira, Maria Betânia da Silva, 54, informou que não há espéculos na unidade mesmo depois das denúncias feitas no instagram, pela equipe de residentes. Segundo ela, as pessoas que vão até lá para fazer algum exame que precise do uso do espéculo, voltam para casa sem atendimento. “Na unidade onde eu trabalho não tem espéculos, nós não recebemos nenhum, mesmo depois das denúncias que têm sido feitas nos últimos dias. E a quantidade que outras unidades estão recebendo agora é irrisória. São pouquíssimos espéculos para serem divididos entre duas ou três equipes”.
O médico Bruno Pessoa, 33, faz parte de um grupo de preceptores de residência médica da Secretaria de Saúde do Recife. Especialista em Medicina de Família e Comunidade, ele confirma a falta de espéculos e outros materiais fundamentais para o atendimento da população na unidade onde trabalha, a USF Cosme e Damião, na Várzea. “A prefeitura está com uma política implícita de desincentivo à Atenção Primária. Há pelo menos um ano, o fornecimento de espéculos está suspenso na unidade onde atuo”.
Coincidentemente, após a denúncia ter sido feita, 15 espéculos foram entregues na Unidade Cosme e Damião. A respeito disso, Bruno Pessoa comenta que o número é insuficiente para a demanda de exames que precisa atender. “Os 15 espéculos que chegaram não dão conta de um dia de oferta de exame de prevenção de colo uterino. Os espéculos são a ponta do iceberg. Falta tudo, é uma política de desinvestimento”.
A Secretaria de Saúde do Recife afirmou ter entregue, há pelo menos 20 dias, os espéculos nas Unidades de Saúde do município, mas, até o fechamento desta matéria, não informou a quantidade distribuída e nem a frequência das entregas.
As Unidades de Saúde da Família compõem a rede da Estratégia Saúde da Família, que, de acordo com Ministério da Saúde, é responsável pela “reorganização da atenção básica no país, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS)”. Cada equipe que atua nas unidades é composta por, no minimo, um médico ou médica, enfermeira/o, técnica/o ou auxiliar de enfermagem e agentes comunitários vinculados às respectivas comunidades. Essas equipes prestam o primeiro atendimento à população, sendo a porta de entrada para atendimentos mais complexos, oferecidos pelo SUS.