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Emoção das crianças e revolta da comunidade com hipótese da Polícia marcam ato em Barreiros

Inácio França / 18/02/2022
Protesto em Barreiros contra assassinato de Jonatas

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Lágrimas e soluços tomaram conta das dezenas de crianças e de algumas mães com filhos no colo que, perfiladas no gramado do campo de futebol do Engenho Roncadorzinho, mal conseguiam balbuciar os versos do hino religioso escolhido para homenagear Jonatas de Oliveira dos Santos.

A tristeza e o medo estavam estampados no rosto dos colegas de Jonatas e também no das mulheres que o viam jogar bola nos quintais da comunidade até ele ser executado na noite de quinta-feira, 10 de fevereiro, aos nove anos. O menino foi assassinado por sete homens encapuzados que invadiram sua casa e também balearam no ombro seu pai, Geovane da Silva Santos, uma das lideranças da comunidade que luta pela posse da terra contra a massa falida da Usina Santo André e da empresa Agropecuária Javari.

Aos poucos, em meio ao choro, as crianças conseguiram retomar a canção. Então, quem desabou foi Maria do Carmo Ferreira. Professora do menino desde a educação infantil na Escola Municipal José de Lima César, ela não teve condições de dar continuidade à cerimônia que havia preparado desde o início da semana.

Cícera Nunes, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), assumiu o microfone e encerrou a apresentação adicionando mais emoção: “Eu lembro que, dia desses, era Jonatas que estava ali na escola segurando um cartaz com a frase ‘Meu futuro está na terra’.” A partir daí, o medo cedeu lugar à indignação.

Protesto em Barreiros contra assassinato de Jonatas. Na foto fachada da casa onde a criança foi executada

Casa onde Jonatas foi assasinado ao tentar se esconder debaixo da cama. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Lulu, moradora do engenho que pediu para não usarmos sua foto nem seu nome completo, não se conformava com a narrativa apresentada pela polícia na véspera: “Tenho 38 anos, moro aqui há 38 anos, conheço Geovane e a família dele há 38 anos. É uma pessoa de quem não se pode dizer isso aqui de defeito, de problema, nada, pra virem [a polícia] dizer que foi por causa de drogas”. Mãe de seis crianças, Lulu sentiu a morte de Jonatas “como se fosse de um filho”.

Ao seu lado, Edna Félix da Silva, levava a filha caçula de três anos no colo. “Aconteceu com ele, mas do jeito que foi, podia ter sido com qualquer um. Podia ter sido com minha menina, podia ter sido com outro filho meu. Estou com muito medo, qualquer barulho fora de casa, a gente corre para fechar a porta”.

Tio de Jonatas, o agricultor Carlos José de Oliveira também duvida da versão da polícia pernambucana. “Que história é essa que os bandidos se vingaram porque queriam comprar terra de quem não tem terra nenhuma? A gente aqui tá brigando pra ter um terrenozinho, Geovane também”, questionou o irmão de Marlene, mãe do garoto assassinado.

Geovane e a esposa não participaram do ato. Por questões de segurança, o casal e a filha Eva estão em outro endereço e a casa onde a família vive está fechada. O líder camponês só aceitou receber alguns parlamentares com a presença de Cícera Nunes.

Governo altera versão de delegados

Com a autoridade de quem preside a comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa (PT) expressou claramente aquilo que, até ali, estava apenas insinuado nas falas de representantes das organizações sociais. “Isso é coisa de quem pensou antes, de quem planejou, de quem quer intimidar as famílias, de quem quer gerar pânico, de quem quer que a comunidade pare de resistir. O que está por trás dessa morte é a luta pela terra, é o conflito agrário”, assegurou o senador.

Pouco depois, Costa classificou como “conversa mole” a história contada pelo delegado Marcelo Queiroz, titular de Homicídios de Palmares, de que um grupo que traficava maconha e crack na região tentou comprar o terreno onde vive a família do menino para criar cavalos. Com a recusa de Geovane Santos, o líder da suposta quadrilha, um homem que já estaria preso no dia do crime, de dentro da cadeia deu a ordem de matar o líder camponês. De acordo com os policiais, Jonatas foi morto por engano. Três dos matadores teriam sido detidos, incluindo um adolescente.

Protesto em Barreiros contra assassinato de Jonatas

Emoção das crianças misturou-se à indignação da comunidade. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Menos enfático, o deputado federal Carlos Veras (PT), presidente da comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, afirmou que é preciso buscar uma solução para os problemas agrários da Zona da Mata. Para ele, a solução está nas mãos do Governo do Estado. “O governo é credor das massas falidas das usinas, tem milhões a receber. Como os agricultores também são credores, o estado de Pernambuco precisa entrar conosco nas ações judiciais contra essas empresas”.

No final da tarde, Humberto Costa e Carlos Veras juntaram-se às integrantes das Juntas codeputadas (PSOL), que presidem a comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, e a representantes da Fetape e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em uma reunião com o governador Paulo Câmara e o secretário de Defesa Social, Humberto Freire, no Palácio do Campo das Princesas.

Minutos após o fim da reunião, Carol Vergolino, das Juntas, revelou que o secretário de Defesa Social corrigiu a narrativa apresentada pelos delegados e oficiais da PM na véspera. O secretário Freire teria dito que as investigações continuam, que a entrevista coletiva da véspera foi convocada apenas para apresentar as linhas de investigações em curso e que Geovane Santos é vítima da tentativa de homicídio e não estaria envolvido em qualquer guerra entre traficantes, como ficou insinuado nas palavras do diretor integrado do Interior 1 da Polícia Civil, Jean Rockfeller, que afirmou ter “uma perspectiva muito forte da disputa pelo tráfico de entorpecentes na região como sendo o motivo que gerou a morte dessa criança”, afirmou.

A equipe de reportagem da Marco Zero que participou da coletiva percebeu que, durante toda a entrevista, a cada vez que o termo “conflito agrário” era mencionado, Rockfeller afastava essa hipótese.

A codeputada do PSOL contou também que o governador criou um grupo de trabalho formado pelas organizações do campo (CPT e Fetape), parlamento, o Instituto de Terras e Reforma Agrária (Iterpe), secretaria de Justiça e Direitos Humanos, de Defesa Social e de Planejamento, além de Ministério Público e Defensoria Pública. A primeira reunião será na próxima quarta-feira, dia 23 de fevereiro.

Humberto Costa afirmou que o grupo de trabalho faz parte da busca por uma solução mais permanente para os conflitos da região. “A reunião acabou sendo positiva, pois a sociedade civil finalmente pôde se fazer ouvir e colocar suas posições. E o governo pode relatar como as investigações estão acontecendo”.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.