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Crédito: Sura/Brandões
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), em parceria com as organizações não governamentais AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e a ActionAid Brasil, realizou, no dia 19 de agosto, uma audiência pública sobre os danos socioambientais causados pela instalação de usinas de energias renováveis na Paraíba. A sessão, que aconteceu no município de Cuité, contou com a participação de agricultores e agricultoras, pesquisadores, engenheiros, representantes da Câmara Municipal e da sociedade civil.
Na ocasião, a pesquisa “Indicadores de Pressão, Estado, Impactos e Resposta (Peir) nos Assentamentos dos Brandões: uma abordagem integradora, participativa e sustentável para análise e conhecimento da realidade local”, realizada pela Universidade de Campina Grande com apoio da CPT, foi apresentada ao público. O levantamento apontou quais seriam os impactos causados pela instalação de torres eólicas na extensão do assentamento de Brandões, localizado no município de Cuité, na Paraíba, e próximo a Japi, no Rio Grande do Norte.
“Desde 2010 que a Comissão Pastoral da Terra vem escutando os agricultores e agricultoras de todo o Nordeste, e sempre que o parque [eólico] chega é uma maravilha porque nós estamos falando de desenvolvimento, mas depois que ele chega a escuta vira outra, começam alguns outros problemas que a gente vem detectando com o tempo”, afirmou Vanúbia Martins, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra, na fala de abertura da audiência pública.
O estudo realizado na Universidade Federal de Campina Grande, pensado a partir da especulação sobre uma possível instalação de um empreendimento de energia eólica no assentamento Brandões, foi coordenado pelos professores Ricélia Maria Marinho e Luís Gustavo de Lima, do Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar.
A pesquisa contou com um estudo de campo, com visitas as comunidades dos Brandões, e um levantamento de dados sobre o solo e a vegetação do território, realizado com o auxílio de ferramentas de monitoramento, como o MapBiomas. Para fornecer as informações relevantes e necessárias sobre o impacto que um empreendimento de energia eólica traria para a região, o estudo conectou as quatros dimensões da sustentabilidade: social, ambiental, econômica e política institucional.
“Precisamos conversar mais sobre o tema antes que os empreendimentos cheguem aos lugares porque as pessoas têm que saber realmente quais são as consequências disso para que elas possam ter a certeza”, defendeu a professora Ricélia Marinho.
De acordo com a pesquisa apresentada, 47% das pessoas são contrárias à instalação do parque eólico, 38% têm dúvida sobre o assunto e apenas 15% são favoráveis. Durante a sua fala na audiência pública, Ricélia enfatizou a insegurança relatada por muitos agricultores e agricultoras que se veem pressionados em aceitar a instalação das torres eólicas em suas propriedades sem saber quais são as consequências que o empreendimento pode causar. “Teve gente que perguntou se era obrigado a assinar os contratos”, disse a pesquisadora.
O advogado Claudionor Vital, que acompanha casos de camponeses que assinaram contratos com empresas eólicas, reforçou os riscos que a falta de conhecimento por parte dos agricultores pode trazer, principalmente no que diz respeito aos contratos propostos pelas empresas.
“Que estratégias essas empresas têm buscado? Firmar contratos de arrendamento ou contratos de cessão de uso da terra com os agricultores e agricultoras. […] A propriedade da terra lhe dá dois direitos que são fundamentais: o direito de usar e o direito de usufruir dos benefícios que aquela terra pode lhe oferecer. Quando o trabalhador ou trabalhadora firma um contrato cedendo sua terra para que as empresas explorem os ventos naquele solo esses direitos de uso e de fruição da renda da terra automaticamente é transferido para a empresa. […] Ou seja, isso reduz a autonomia do trabalhador e da trabalhadora sobre o uso da sua própria terra, eles passam a depender da autorização da empresa para usar as terras”, afirmou Claudionor.
Além da perda da autonomia sobre as suas terras, outra consequência negativa que os parques eólicos podem trazer para os trabalhadores rurais, e que foi bastante destacada durante a audiência pública, é a incidência da Síndrome da Turbina Eólica, que refere-se aos problemas de saúde causados pelo ruído dos aerogeradores. Entre os distúrbios causados pela síndrome, estão: tontura, náuseas, dores de cabeça, perda de audição, problemas de concentração e aprendizagem e perturbação do sono.
O agricultor e morador de Brandões, Everaldo Cadiano, ressaltou a importância da pesquisa para os moradores do assentamento, que agora podem contestar com embasamento os contratos apresentados pelas empresas de energia eólica. “Do que adianta ter uma renda a mais e não ser dono, não poder mandar? […] Nós somos contra a energia renovável? Não. Nós somos contra o jeito que está sendo implantado”, disse Everaldo. O agricultor relembrou ainda a dificuldade que os agricultores e agricultoras enfrentaram para conseguir comprar as suas terras: “foram 19 anos pagando ao banco e agora nós vamos perder?”.
O estudo realizado no assentamento dos Brandões analisou também o uso do solo e a transformação da paisagem no território, condições de transporte e produção, e modos de vida da comunidade.
O bioma predominante em Brandões, na divisa dos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, é a Caatinga. Por isso, a pesquisa da UFCG buscou demonstrar as consequências que o desmatamento do local para a instalação dos equipamentos do parque eólico pode trazer para a vegetação nativa.
Utilizando imagens de satélite dos últimos anos, o levantamento constatou que as atividades agropecuárias desenvolvidas pelas famílias do assentamento não exercem nenhum grande impacto na mudança da paisagem da região.
“Quando a gente vê a análise por período, a gente nota que não tem transformação da paisagem, as comunidades que lá utilizam para criação de animais e para a produção de alimentos, ao mesmo passo que produz a própria caatinga se regenera, então, a gente não vê grandes impactos, impactos profundos de alteração da paisagem”, destacou o pesquisador Luís Gustavo de Lima.
Em contrapartida, o pesquisador utilizou o exemplo do Seridó, no Rio Grande do Norte, onde está instalado um parque eólico, para demonstrar como a implantação do empreendimento impactou no desmatamento da Caatinga e na mudança de paisagem.
“É fundamental a energia solar e é fundamental a energia eólica, mas de que forma? Para quê e para quem? É esse o debate que tem que gerar em torno e esse debate só pode ser feito se a gente tiver uma gestão desde o território e suas comunidades”, defendeu Luís Gustavo após a apresentação das imagens.
De acordo com os pesquisadores, a legislação ambiental exige que as empresas façam o reflorestamento equivalente da área que foi desmatada para a construção do empreendimento, o problema é que, usualmente, esse reflorestamento não ocorre na mesma região nem no mesmo bioma onde houve o desflorestamento, o que coloca em risco a vegetação nativa da Caatinga.
O engenheiro Anchieta Assis, do Comitê de Energias Renováveis para o Semiárido, reforçou a importância de realizar estudos aprofundados de impacto no meio ambiente antes da instalação dos parques de energias renováveis e questionou a rapidez com que os empreendimentos despontaram no Brasil. “Tudo está interligado como se fôssemos um, a floresta, o solo, a água, tudo está interligado. Então, não é só uma questão econômica, é a nossa existência, é a existência das futuras gerações, é a existência dos demais seres que estão em jogo”, afirmou Assis.
Todos os oradores presentes na audiência pública fizeram questão de afirmar que não são contrários ao desenvolvimento de sistemas de energias renováveis, mas não estão de acordo com a maneira que esses sistemas estão sendo instalados no Brasil, principalmente na região Nordeste.
“Existem diferentes tipos de energias renováveis. Esse que está se apresentando aqui no estado da Paraíba, dessa forma tão rápida, é o centralizado, mas existe o modelo distribuído, que vai sim conseguir trazer emprego, renda e mobilizar sem alterar tanto o modo de vida das pessoas nem o modo de produzir”, afirmou Ricélia Marinho.
Esta reportagem foi produzida com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.