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Michel Silva, Célia Tupinambá, Rosane Borges e Midiã Noeli debateram a importância da mídia independente na construção de narrativas contra-hegemônicas à produção de conteúdos da mídia corporativa. Crédito: Fernanda Mena
Para propor uma nova democracia onde o antirracismo e a justiça social são pensados através de uma comunicação mais diversa e inclusiva, é preciso tirar a vista do hegemônico para lançar um olhar mais atento às territorialidades e seus modos de produzir informação. Esta foi a discussão que norteou os debates do segundo dia do Festival FALA de Comunicação, Culturas e Jornalismo de Causa.
Com participações de Michel Silva, comunicador e idealizador do Fala Roça, Midiã Noelle, jornalista e mestra em cultura, e Célia Tupinambá, professora e líder indígena da aldeia Serra do Padeiro, e mediação de Rosane Borges, doutora em ciência da comunicação, a primeira mesa de debates tratou sobre os atuais desafios da comunicação independente na democracia brasileira.
Fortalecendo as questões apresentadas no primeiro momento, a segunda mesa teve como tema principal as “novas resistências para velhas violações”. A discussão foi realizada por comunicadores que produzem informações e conteúdos com foco em pautas identitárias. Participaram da mesa Guilherme Soares, fundador do Guia Negro, Denise Mota, jornalista e colunista da Folha de São Paulo e do NoToquen Nada, e Claudia Wanano, integrante da Rede Wayuri, com mediação de Valéria Lima, jornalista do Mídia Étnica.
O jornalismo produzido por iniciativas e coletivos independentes não está interessado apenas em construir uma nova narrativa sobre as vivências de seus territórios para as pessoas de fora, ele também tem um compromisso de compartilhar uma nova história com uma parcela da população que foi e segue sendo marginalizada e desumanizada através de estereótipos de uma mídia hegemônica. Isto ficou evidente e foi bastante defendido durante os debates que aconteceram no segundo dia do festival FALA!
“O que sai na mídia? Sai que o indígena é culpado, se ele morreu, ele é o culpado por ter morrido. O indígena está defendendo seu território? Ele é culpado. Então, existe uma manipulação da mídia na nossa região acusando a gente de várias coisas que nós não fizemos e graças a esses novos espaços(de comunicação) a gente tem como falar para o outro que a história não é essa, existe outra história”, destacou Célia Tupinambá.
Célia iniciou sua fala na mesa de debates de forma bastante contundente chamando atenção para o apagamento da história e da memória dos povos indígenas ao afirmar que “Salvador antes de ser capital, antes de ser quilombo, é aldeia e é aldeia Tupinambá”.
A comunicadora da Rede Wayuri, Claudia Wanano, fortaleceu o debate sobre a importância da comunicação independente para os povos indígenas ao afirmar que: “Para a gente poder multiplicar essas informações de tudo que está acontecendo atualmente em relação aos povos indígenas, o cenário atual que a gente vem enfrentando nesse governo, então, é (necessária) uma comunicação para alertar e provocar para que a gente possa levar essas informações aos nossos parentes”.
A presença das mulheres indígenas no evento marcou a necessidade de garantir uma maior participação dos povos originários no debate sobre a construção de uma nova comunicação capaz de reconfigurar a democracia.
“Existe uma democracia e ela diz que o território onde eu nasci e me criei não é meu. E para que esse território seja meu a única saída é retomar, então, eu falo desse lugar de retomada e isso é para todos os povos indígenas do Brasil. Hoje, dentro dos nossos territórios, somos violados e não é de agora, nem de 2016, 2018, é de sempre”, enfatizou Célia Tupinambá.
Em suas falas no festival, tanto Célia quanto Claudia falaram sobre a importância de ter indígenas na comunicação para contar suas próprias histórias longe do olhar higienista da mídia tradicional e hegemônica.
“Quando a gente tem essas pessoas nos representando, pra gente é fantástico e assim agente vai construindo ferramentas para dar formações e esclarecimentos para a nova geração que está vindo”, disse Célia. “Eu acho que vindo da gente já é uma forma verdadeira de se falar e de compartilhar essas informações para as pessoas saberem realmente como vivem os povos indígenas”, concluiu Claudia.
Outra questão presente nos debates do segundo dia do FALA! foi o atual contexto do jornalismo e da comunicação no Brasil. Michel Silva, idealizador do Fala Roça, falou sobre o “jornalismo de favela” desenvolvido por sua iniciativa e os desafios enfrentados na produção de informações sobre e para a periferia.
“Quando você consegue pegar uma luneta para olhar de forma mais ampla para quem está fazendo comunicação nos territórios você percebe que é muito mais difícil porque os jornalistas que hoje trabalham em favelas e periferias no Brasil não conseguem operar nas suas localidades por conta do cerceamento da liberdade de expressão. Hoje, trabalhar com jornalismo de territórios é extremamente perigoso porque você não tem nenhuma garantia da sua vida, você mora naquele território”, disse Michel.
Sobre a democracia, o comunicador afirmou: “A gente vive uma falsa democracia. […] Por conta da constante negação de direitos e no contexto do jornalismo comunitário de favelas no Rio de Janeiro, onde a gente vivencia um estado que é dominado pelas milícias e pelo crime organizado, quem trabalha hoje com jornalismo no Rio de Janeiro já trabalha sob a autocensura e, por isso, não é possível experimentar a democracia”.
Pensando justamente em reconfigurar a democracia de maneira que ela passe a garantir os direitos humanos fundamentais e onde os comunicadores possam trabalhar com liberdade e segurança, a jornalista Denise Mota defendeu uma mudança na comunicação.
“O jornalismo não tem que dar voz a ninguém. [..] O jornalismo tem que trazer as vozes que já produzem em seus territórios para o centro do debate porque elas são legítimas e a gente (jornalistas) não precisa fazer mais nada, a realidade já é suficiente”, afirmou Denise.
Foi pensando nessa mudança no modo de fazer comunicação que o festival FALA! foi criado. As mesas de debate do segundo dia do evento evidenciaram a urgência de garantir e promover o jornalismo de causa e, além disso, construir meios políticos, jurídicos e sociais para que os projetos que pensam e vivenciam o território de forma sensível tenham uma maior relevância para a população.
Afinal, como afirmou Denise Mota: “as grandes redações estão perdidas porque perderam a narrativa”. Essa narrativa agora está sendo construída e viabilizada em primeira pessoa, por quem convive e conhece os territórios de perto.
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.