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Menos de 1,5% das candidaturas de policiais são por partidos de esquerda

Maria Carolina Santos / 06/09/2022
Em primeiro plano, homem de costas sentado, com ombros e parte alta das costas aparecendo, com o nome policiais antifascismo em letras brancas na camisa vermelho bordô. Ele olha para uma mesa de debatedores, à frente de um painel onde se lê  congresso nacional de policiais antifascistas.

Crédito: @ninjafotografia

Uma análise do Fórum de Segurança Pública, a partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostrou que o número de candidaturas de policiais nas eleições do Brasil cresceu 28,5% em relação às eleições de 2018. Agora em 2022 serão, pelo menos, 1.888 candidatos das forças de segurança pública e defesa. Em 2018, foram 1.469 candidaturas.

No total de candidaturas de cada estado, a média nacional é de 6,6% de participação de policiais. Amazonas, Distrito Federal e Rondônia ficam acima desse patamar com, respectivamente, 11%, 10,9% e 10,1% do total das candidaturas. Palco de um motim da Polícia Militar no ano passado, o Ceará surpreende com um percentual de 4,4%, sendo o estado com a menor participação de policiais nestas eleições.

Pernambuco também fica abaixo da média nacional: do total de candidaturas, 5,3% são de policiais. Em números absolutos, são 59 candidatos e candidatas.

Na análise do Fórum, das 1.888 candidaturas, pelos menos 192 candidatos se declararam policiais civis ou federais e 824 policiais militares. Neste último caso, houve um crescimento de 10,9% em relação a 2018. A lista traz ainda militares reformados (244 candidaturas), bombeiros militares (119), membros das forças armadas (60) e outras ocupações (449). O levantamento foi feito a partir das ocupações e dos nomes de urna dos candidatos.

Salta aos olhos o espectro político das candidaturas: 68,5% é de direita contra apenas 1,4% de esquerda. No meio, há só 3,8% no centro-esquerda e 26,3% no centro-direita.

Em 2018, 89,9% dos profissionais de segurança concorreram a cargos públicos por agremiações à direita do espectro político. Agora em 2022, 94,9% das candidaturas de policiais e demais profissionais da área são por partidos de centro direita e de direita.

O PL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro concorre à reeleição, é o partido com maior número de policiais candidatos, com 232 nomes. Na sequência, o PTB lançou 142 policiais candidatos, seguido do Republicanos e do União Brasil, ambos com 135. PL e Republicanos formam, junto com o PP, a coligação que dá sustentação ao projeto de reeleição do atual presidente. O PTB, por sua vez, é presidido por Roberto Jefferson, e radicalizou o discurso de extrema-direita.

No documento, o Forúm resgata uma análise da edição de 2020 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para afirmar que o crescimento do fenômeno dos policiais na política partidária tem múltiploas motivos. “Mas também precisa ser lido pela construção de uma narrativa que tem conseguido resumir a política à guerra contra o mal, na qual os policiais são vistos como os guerreiros que irão repor a ordem, a moral e os bons costumes. E, de forma adicional, guerreiros injustiçados e desvalorizados pelos “governos de esquerda”, diz a análise.

Ainda que Bolsonaro não tenha estabelecido uma política pública de segurança coordenada e articulada, a análise afirma que, ao ser o primeiro presidente da República que, desde 1988, assumiu o tema como sua responsabilidade, “ele capturou a agenda para o seu projeto e, paradoxalmente, enfraqueceu as lideranças tradicionais”.

Isso porque, com mais policiais estimulados a participar das eleições, há o risco de que os votos sejam diluídos e acabe provocando uma redução no número de policiais eleitos. “E, mesmo que consigam crescer ou ao menos manter a bancada atual, o perfil das candidaturas desses profissionais indica que a pauta de direitos dos trabalhadores da segurança pública será obscurecida pela agenda regressiva de costumes e direitos que deve ser colocada em prática em uma eventual segunda gestão de Jair Bolsonaro”, diz o texto.

E os policiais antifascismo?

Em março de 2018, um grupo de policiais de alguns estados do Brasil lançou o “Manifesto dos Policiais Antifascismo”. Era a embalagem para lançar um movimento contrário à ascensão do bolsonarismo. A intenção era levar mais consciência de classe para os policiais, colocar os direitos humanos em pauta e aproximar o discurso das esquerdas do ambiente policial. Hoje, são poucos mais de 400 policiais antifascismo, que têm uma reunião por mês.

Em anonimato, um policial que faz parte do movimento em Pernambuco diz que é muito difícil conseguir que os policiais adotem as pautas ou entrem no grupo. “Somos a minoria, infelizmente. Há uma resistência à esquerda nas forças de segurança, não precisa nem ter a vivência diária que tenho para dizer isso, estou apenas ratificando um senso comum”, diz. “Quem conseguiu capturar boa parte dos sentimentos dos profissionais da segurança foi o bolsonarismo. Não é de hoje: quem comandou a ditadura foram os militares, tem toda uma doutrina que ainda persiste”, diz o militar.

Áureo Cisneiros. Crédito: Sinpol/PE

Também solicitando não divulgar o nome dele nesta reportagem, outro policial do grupo diz que as mudanças, se vierem, vão levar tempo. “A mobilização dos policiais antifascistas é um sinal de resistência, apenas. É incapaz de sensibilizar o policial, que perdeu sua capacidade de se reconhecer como classe trabalhadora explorada. A única coisa que pode melhorar é a eleição de políticos progressistas e a mudança na grade curricular de formação dos policiais, sobretudo no campo de direitos humanos”, diz.

Os pedidos de anonimato são por conta da perseguição enfrentada pelo ex-comissário da polícia civil Áureo Cisneiros, a voz mais conhecida do grupo em Pernambuco e ex-presidente do sindicato da categoria. Ele passou por 21 processos administrativos e foi demitido da Polícia Civil em janeiro do ano passado. “O PSB aqui em Pernambuco se comporta como um partido de direita, que persegue sindicalistas”, disse um policial do grupo.

Na época da demissão, a Secretaria de Defesa Social emitiu nota afirmando que parecer da Procuradoria Geral do Estado reforçou que o processo administrativo que fundamentou a demissão foi “instaurado e conduzido de acordo com as prescrições legais e constitucionais, tendo sido garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório”. E que, desde 2015, 310 profissionais da segurança pública de Pernambuco foram demitidos ou excluídos do serviço público.

Por conta dessa demissão, o Ministério Público Eleitoral solicitou a impugnação da candidatura de Áureo a deputado estadual. Ele é candidato pelo PSOL e o único representante dos policiais antifascismo em Pernambuco nestas eleições. Também ex-presidente do Sinpol, Rafael Cavalcanti saiu do movimento e é candidato a estadual pelo União Brasil, partido de direita, resultante da união entre o PSL e o DEM, e que foi base de apoio nos quase quatro anos do governo Bolsonaro.

Áureo Cisneiros segue em campanha normalmente. “Minha candidatura, judicialmente, não está impugnada. Foi pelo MPF o pedido de impugnação, mas a justiça até agora não julgou”, afirmou para a Marco Zero. “Nossa defesa ao judiciário eleitoral foi justamente informando que a demissão foi por perseguição, juntamos (no processo) a judicialização da minha demissão, colocando todos os processos administrativos, por atividade sindical, em que fui condenado. Mostrando o abuso de autoridade cometido pelo governo. Eu fui o segundo sindicalista a ser demitido em Pernambuco por atividade sindical. O primeiro foi Paulo Rubem, do sindicato dos professores. Com um agravante: Paulo Rubem foi no regime militar e eu no país regido pelo Estado Democrático de Direito”, reclama.

A esquerda e as forças de segurança

Na análise da pesquisa sobre as candidaturas de policiais, o Forúm Brasileiro de Segurança afirma que, em 2020, o que chamou a atenção em relação às esquerdas é que, “ao invés de se reaproximarem do universo policial e realizarem um trabalho de base e formação política que pudesse rivalizar com a narrativa de centro-direita e direita, partidos de esquerda buscaram lançar alguns candidatos policiais a prefeito e vice-prefeito que gozam de prestígio social em suas cidades, como Rio de Janeiro e/ou Bahia, para fazerem contraponto ao discurso conservador sem, no entanto, construírem um discurso alternativo sobre ordem e segurança.”

A crítica segue afirmando que “na lógica partidária, (…) insiste-se em modelos que tangenciam os problemas estruturais, e não avançam em propostas capazes de oferecer alternativas que provoquem ressonância entre os profissionais da área”, diz o documento ,que afirma que ainda é cedo para avaliar as propostas para 2022, mas que “há o reconhecimento de que é preciso falar de reestruturação das carreiras policiais e de se pensar a segurança pública como direito fundamental”.

Policiais se identificam com o discurso da extrema-direita. Crédito: Webysther/Wikimedia Commons

Para um dos policiais antifascismo ouvidos pela Marco Zero, os partidos de esquerda ainda não aprenderam a falar com os policiais. “Tem que adotar um discurso que mexa com a condição do policial no dia a dia. Por exemplo, quando você chega e diz que a polícia tem que acabar, isso é um choque. O policial pensa que estão querendo tirar o ganha pão dele. É preciso se fazer entender, adequar o discurso para quem está ali. A questão da segurança pública também torna os policiais vítimas. A esquerda até agora não está conseguindo fazer essa comunicação. Quem está conseguindo é Bolsonaro”, critica.

Áureo Cisneiros diz que, desde a redemocratização, a esquerda não pensou em um projeto de segurança pública que incluísse o diálogo com os profissionais de segurança pública. “Talvez esse seja um dos motivos de termos essa classe tão conservadora. Temos a mesma estrutura e quase a mesma formação da época da ditadura. Embora tenhamos tido um governo progressista por 13 anos (do PT, no poder central) não conseguimos debater com profundidade a segurança pública nem reestruturá-la”, diz.

Para Cisneiros, os resquícios da ditadura militar ainda reverberam nas forças de segurança do Brasil. “Existe também uma ideia à esquerda de que policial é bandido por natureza. Do outro lado, a direita construiu discurso muito mais sedutor, que é a do policial herói. Rejeitamos os dois: policial nem é bandido nem herói, policial é trabalhador. Abominamos que a direita coloca “heróis” porque isso é trágico, porque diz que o policial tem que dar a vida muitas vezes por algo que não sabe o que é, trabalhando em condições desumanas e sem valorização”, diz, acrescentando que “a lição pra esquerda é fazer um debate de segurança pública com a profundidade que merece o tema na sociedade brasileira e incluir os trabalhadores da segurança pública nesse debate. Já que essa área continua ser central no debate eleitoral esse ano”.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org