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Gil do Vigor, Lula e Jacina Santana, mãe de Gil. Crédito: Ricardo Stuckert
Por Jackson Augusto*
O Nordeste mais uma vez tem sido atacado pela ala mais conservadora deste país, por se firmar como um colégio eleitoral sólido de enfrentamento aos ares fascistas a que a extrema-direita tem nos levado. É curiosa a tentativa de nos ludibriar, mas também é nítido o avanço do bolsonarismo na nossa região, mas aqui, eu queria falar de Pernambuco. Historicamente, as alas mais radicais da direita não ganham força no estado, principalmente quando pensamos nos votos para o Poder Executivo, porém, não é o que estamos vendo nas eleições de 2022. O primeiro turno elegeu uma bancada federal e estadual bastante preocupante.
Apesar do nome de Marília Arraes não ser um consenso entre os movimentos sociais, sindicais e populares, ela se firmou como a única opção explícita contra o fascismo que tem avançado no contexto nacional. Como falar de um Pernambuco melhor, não sendo contra mais quatro anos de um governo que sistematicamente projeta políticas de morte contra o povo, que arma a população e diz que nesse país não existe fome? Pernambuco é uma ilha? É bom lembrar que estamos na esquina da história, não se trata somente de uma eleição em que vamos escolher os melhores programas de governo, que sim deveriam ser o centro de nossa discussão, mas essas eleições estão discutindo marco civilizatório e projeto de país. Qual Brasil queremos? Qual Pernambuco queremos diante de um governo Lula ou de mais quatro anos de governo Bolsonaro? Essa é a grande pergunta que está colocada nesses dias.
Por isso me espanta algumas posições de homens brancos pernambucanos que se dizem de centro, ou até de centro-esquerda. Tivemos hoje uma posição oficial do deputado federal eleito pela federação PSOL/REDE, Túlio Gadelha, que já vinha se posicionando a favor de Raquel Lyra nas suas redes sociais e decide ir contra o seu partido e a federação que faz parte, pois eles já tinham posicionado apoio crítico a Marília Arraes.
Isso significa que Túlio, mais uma vez se coloca contrário a posições construídas coletivamente nas instâncias partidárias. A pergunta que fica para o deputado é: se ele não tem compromisso com as decisões coletivas do seu partido, qual o compromisso de Túlio? É bom lembrar que o programa de governo de Raquel Lyra em 70 páginas não aborda em nenhum momento a palavra racismo, e quando vamos falar do termo negro, ele só aparece uma vez. Quando se fala que tem programa de governo, eu pergunto: para quem é esse programa? Mais de 60% da população pernambucana é negra, segundo o IBGE, então qual o motivo de Raquel Lyra não abordar esse eixo tão fundamental para o avanço das desigualdades em Pernambuco? Esse apoio acrítico, que vai de encontro a toda uma estrutura coletiva, tem cheiro de pacto da branquitude, de interesses que não são tão coletivos assim.
Tivemos a posição de outro homem branco pernambucano que não é da política, mas que resolveu se posicionar sobre o contexto nacional com a seguinte frase: “Sou nordestino e não aceito a volta do PT”. Essa afirmação foi feita pelo influencer Anderson Dias, que relatou que passava por uma situação de insegurança alimentar, que o PT tinha uma política de “pão e circo” e que, por esse motivo, vai votar no atual presidente. Anderson esqueceu de dizer que apesar de, sim, continuar existindo situação de pobreza e miséria no Brasil, nos governos do PT, políticas públicas foram criadas retirando mais de 35 milhões de pessoas da miséria, tínhamos um índice de desemprego que chegou a menos de 4% com um poder de compra altíssimo.
A experiência individual dele não pode ser desprezada, isso significa que esse país ainda precisa avançar, mas o fato é que ele parou, ele retrocedeu, se antes esses números estavam caindo, hoje temos mais pessoas e famílias passando fome, Anderson.
No final do seu post, ele exalta a meritocracia dizendo, diretamente da Europa: “Assim como fui o salvador da minha vida, eu lutei, trabalhei, plantei tudo o que tô colhendo hoje”. Pelo visto, o Nordeste de Anderson não é o mesmo que o meu, pela sua declaração, somos pobres, porque queremos, só basta plantar que colheremos, se o Nordeste é a região mais desigual desse país, em que a fome impera, é porque nosso povo não plantou para colher. Essa visão dele é típica de um homem branco que não viu que, apesar sim do seu esforço, o privilégio racial anda com ele todos os dias, que a palavra da falsa meritocracia, que o faz romantizar toda a miséria que tem acontecido nessa região com o governo Bolsonaro, é a verdade de um mundo inexistente.
Por isso fico com o Gil do Vigor, que respondeu com um comentário do post, da seguinte forma: “Eu venho da periferia, pobre, com pai dependente de drogas e uma mãe solo, mas ainda assim, mesmo com tantas dificuldades, o caminho se tornou possível por conta de tais políticas (do governo do Lula).”
Homens brancos, que escolhem seus interesses pessoais, que ignoram a necessidade de andar em coletividade, esse é o cenário que vimos nessa semana em Pernambuco. Uma direita discreta, mas que tá avançando.
É importante dizer que a deputada federal mais votada desse estado, Clarissa Tércio, é uma bolsonarista – que foi para a porta de um hospital gritar que uma menina de 10 anos, vítima de estupro, era uma assassina – e ela está no mesmo palanque de Raquel Lyra. O fundamentalismo religioso e o projeto nacionalista que impera no Nordeste, com certeza, é liderado pela família Tércio. É preciso de atenção nesse momento. Analisar nossas decisões a longo prazo, para quem iremos entregar toda uma máquina pública? Ouso dizer que, sim, a candidatura de Raquel reúne uma força interessante para a direita pernambucana, que é unir os interesses de uma oligarquia branca mais de centro, com a força das bases da extrema-direita que estão crescendo no estado.
O futuro não somente de Pernambuco está em jogo, mas também da nossa história de resistência e luta.
* Jackson Augusto é pernambucano, estudante de jornalismo, articulador Nacional do PerifaConnection e do Instituto Vladimir Herzog. Já foi colunista no The Intercept Brasil, atualmente integra a coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico, Coalizão Negra Por Direitos e é conselheiro do Fogo Cruzado Brasil.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.