Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Desde que os incidentes com tubarões em Pernambuco começaram a ser sistematicamente catalogados, em 1992, já se foram pelo menos 67 ataques no Grande Recife. É consenso, hoje, dizer que as causas são multifatoriais. Vão do desequilíbrio ambiental provocado pelo Complexo de Suape e da falta de saneamento que despeja esgoto no mar até a geologia das praias, com um canal profundo de 6 metros dentro do mar, próximo à faixa de areia. Mas um novo fator deve ser incorporado aos próximos estudos: as mudanças climáticas.
Há uma pergunta em aberto: como o aquecimento das águas dos oceanos pode afetar o comportamento das espécies de tubarão que frequentam o litoral pernambucano?
Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) mostrou que o aumento na temperatura do mar vai mudar o comportamento de peixes de corais, herbívoros. “No trabalho que publicamos vimos, por meio de modelagens preditivas, que alguns peixes irão mudar sua distribuição indo em direção contrária aos trópicos, mas não necessariamente se afastando dos corais, mas indo para corais em áreas fora dos trópicos”, prevê a pesquisadora da UFRN Kelly Yumi Inagaki.
Por ora, ainda não há dados sobre as espécies de tubarões que frequentam Pernambuco. Um estudo do Instituto de Ciências Marinhas da Virgínia, nos Estados Unidos, sugeriu que tubarões-lixa que frequentam a Baía de Chesapeake, o maior estuário — zona de transição entre águas doces e salgadas, que são habitats importantes para muitas espécies de peixes — dos EUA poderão passar por mudanças nas estratégias de busca por comida e refúgio.
Para o doutor em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e integrante da Sociedade Brasileira para o estudo de tubarões e raias (Elasmobranquis), Jonas Rodrigues, é urgente que Pernambuco avalie quais impactos o aquecimento do oceano pode ter nesses animais. E que volte a fazer estudos de monitoramento. “Foram interrompidos há nove anos e são essenciais para entender a dinâmica das espécies, fazer uma avaliação sobre a questão da mudança de correntes, se houve alguma alteração na geologia, o que é mais difícil, e a dinâmica de aquecimento das águas”, diz.
Para o oceanógrafo Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as mudanças climáticas podem ainda não ter influência nos três incidentes recentes, mas podem influenciar ao longo do tempo. “Por exemplo, pelas mudanças das correntes quentes e frias do oceano. Essas correntes têm sofrido alterações e com isso, às vezes, o oceano está mais quente do que deveria. E como as correntes frias que vêm da Antártica e as quentes, que voltam dos trópicos para Antártica, passam pelo Nordeste, podem ser alteradas e, isso sim, fazer com que animais mudem seu deslocamento”, explicou o oceanógrafo.
A mudança climática parece então ser outro problema que vai se somar aos já conhecidos para a incidência de ataques de tubarão no Grande Recife. “Infelizmente, no Atlântico Sul temos um menor monitoramento contínuo dessas correntes marítimas, e por isso precisamos investir em ciência, tecnologia e programas de monitoramento, pois em momentos como esses, que precisamos de respostas da ciência, acabamos por ter uma base de dados que não permite fazer afirmações com segurança”, diz Christofoletti.
Além da alteração das correntes, o aquecimento dos oceanos pode levar à reprodução excessiva de algumas algas e microrganismos, que deixam a água mais turva. “O litoral do Brasil, em geral, já apresenta águas mais turvas que outros litorais como do Caribe e Pacífico devido à alta influência de rios e ressuspensão de areia em áreas rasas”, afirma a pesquisadora Yumi Inagaki, da UFRN.
Desde 2014, as pesquisas das universidades de Pernambuco não são compartilhadas com o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), órgão colegiado, presidido desde a semana passada pela secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, Ana Luiza Ferreira. Mas isso deve mudar, já que o Governo do Estado anunciou R$ 500 mil para estudos de monitoramento de Suape até Olinda, que serão feitos pelo projeto Megamar, que já havia garantido R$1,5 milhão em contrato com o Complexo de Suape.
Os R$ 2 milhões vão para a captura e marcação de tubarões e também para receptores acústicos que podem identificar a aproximação de tubarões. Essas ações servirão para avaliar o comportamento e a dinâmica dos animais na costa pernambucana – e se houve mudanças de 2014 para cá.
Foi pelo monitoramento anterior que foram identificadas mais de 80 espécies de tubarão nas águas de Pernambuco, sendo duas identificadas como as principais responsáveis pelos ataques no Grande Recife: tigre e cabeça chata. Também foi graças à pesquisa que algumas medidas foram tomadas, como a instalação de placas de aviso, treinamentos para resgate de vítimas e a dinâmica das espécies.
Os canais marinhos e as correntes de retorno também foram melhor compreendidas por conta das pesquisas. O estudo do vídeo da morte de uma turista paulista, em 2013, único registro filmado de um ataque de tubarão no Recife, ajudou a identificar a dinâmica das correntes de retorno. “Também são fenômenos marinhos. A pessoa é puxada da área rasa para uma mais profunda, por meio de corredores de água. Na pesquisa na UFRPE vimos que essas correntes influenciaram em 38% do total de casos com incidentes com tubarões”, afirmou Jonas Rodrigues.
Também foi com os estudos da UFRPE que foi possível identificar os meses de junho a setembro como os com mais incidentes com tubarão na costa pernambucana. O que deixa os três ataques em 15 dias entre fevereiro e março como pontos fora da curva.
Medidas de mitigação podem ser realizadas, a médio e longo prazo. A restauração de ambientes de reprodução de tubarões, como os manguezais, a revitalização e limpeza de rios, e o saneamento básico nos esgotos da cidade. Essas medidas não acabariam com os incidentes, mas diminuiriam bastante, dizem os especialistas.
Mas acreditar que essa medidas podem ser implementadas talvez seja utópico demais. “São medidas que, historicamente, o Brasil não faz”, lamenta Jonas Rodrigues.
Para o professor Cláudio Sampaio, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mesmo se essas mitigações fossem feitas não haveria garantia de segurança humana em relação aos tubarões. “Há registros históricos de acidentes na região, que possui, além de águas turvas, um canal profundo e correntes costeiras que facilitam o acesso de grandes tubarões às águas rasas”, explica.
As redes de proteção na praia, antes apontadas como uma solução, hoje são quase um consenso entre pesquisadores de que não resolveria o problema e acabaria criando outros. “Além de causar mais impacto negativo à biodiversidade local, com capturas acidentais de peixes, tartarugas, golfinhos e até baleias, muitos desses animais ameaçados de extinção, não garante a total segurança dos banhistas, pois as redes podem apresentar problemas, como buracos, deixando passar os tubarões, inclusive com registros de acidentes envolvendo banhistas e surfistas. A rede de proteção passa uma falsa impressão de segurança que não pode ser 100% garantida”, diz Cláudio Sampaio.
Ainda tem o gasto, que é muito alto: a para a praia de Boa Viagem chegou a ser orçada em cerca de R$ 1 milhão para uma área de banho de apenas 200 metros quadrados.
Para evitar os incidentes com tubarões, os especialistas acreditam em soluções que envolvem programas de educação ambiental, de pesquisa e monitoramento dos tubarões potencialmente perigosos. “Isso tudo deve estar associado a um programa de comunicação social mais eficiente, que possa levar as informações, especialmente sobre os riscos de acidentes, à legislação sobre sobre as praias interditadas para o banho de mar e a prática do surf. Devemos lembrar que muitas espécies de tubarões estão ameaçadas de extinção, justamente pela degradação dos ambientes marinhos costeiros, poluição e pesca excessiva”, afirma Cláudio Sampaio.
Embora os casos no Grande Recife chamem a atenção, estão muito longes das estatísticas de outros países. O estado norte-americano da Flórida é o recordista mundial em ataques de tubarão, com uma média anual de 22 casos – para se ter ideia, o ano com mais casos em Pernambuco foi 1994, com dez casos, mas a média aqui é de 2,4 incidentes por ano. “Lá há muitas espécies agressivas, como o tubarão branco. Pernambuco não é uma área infestada de tubarões, as espécies envolvidas estão perto da ameaça de extinção. Nossos índices de abundância de tubarão são baixos, o problema é que eles se aproximam da costa e de lugares com muitas pessoas na água”, explica Jonas.
A letalidade dos incidentes em Pernambuco, porém, é bem maior que a média mundial, que é de 12 mortes a cada 100 ataques. Aqui, dos 77 casos (67 no Grande Recife e 10 em Fernando de Noronha), 26 terminaram em morte, ou 35%. É na estrutura de socorro às vítimas dos incidentes que Pernambuco fica a dever, e muito, à realidade da Flórida. “Lá há quadriciclos, aeronaves e embarcações para fazer o atendimento rápido das vítimas de lesão grave. O tempo de socorro é mínimo e há uma infraestrutura de hospitais. Hoje só temos atendimento adequado no Hospital da Restauração”, lamenta o pesquisador da UFRPE.
No caso da turista Bruna Silva Gobbi morta em 2013, aos 18 anos, o atendimento dela foi bastante criticado na época: não houve tentativa de contenção da hemorragia nos primeiros socorros e ela foi levada primeiro para a UPA da Imbiribeira e só depois para o HR. No caso mais recente, a adolescente que perdeu um braço foi retirada das águas por outros frequentadores da praia.
Para Jonas Rodrigues, incidentes com tubarão sempre vão existir no Grande Recife, ainda que possam ser reduzidos. “O fato é saber lidar com isso e ordenar a praia”, acredita.
Uma sugestão que ele indica é fazer um ordenamento das placas nas praias indicando os pontos proibidos e também os que são mais propícios para o banho de mar. “O que a gente propõe é uma graduação das placas. Não pode ser a mesma placa para todo local, que acaba entrando para a paisagem. Em pontos críticos, como na altura da igrejinha de Piedade não deve ter banho de mar em hora alguma. Já em trechos com arrecifes, o banho pode ser indicado na maré baixa, nas piscinas naturais. Isso não geraria um impacto tão pesado no comércio e daria opções de banho de mar para a população”, sugere o pesquisador.
Uma questão importante!
Colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossa página de doação ou, se preferir, usar nosso PIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).
Apoie o jornalismo que está do seu lado.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org