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Crédito: Acervo Humana Brasil
por Adriana Amâncio*
Se nas áreas rurais do semiárido as cisternas livram as populações da escassez hídrica há, pelo menos duas décadas, nos territórios indígenas do cerrado, onde há abundância hídrica, elas estão se tornando fundamentais por outra razão, pois evitam o consumo de água contaminada com agrotóxicos. Com quase metade de sua extensão ocupada pela pecuária e por cultivos de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar, o cerrado recebe por ano 600 milhões de litros de agrotóxicos, como detalham os autores do artigo Ecocídio dos Cerrados. Grande parte destas substâncias contaminam as águas fluviais e subterrâneas. É aí que as cisternas entram, evitando o consumo humano dessa água.
O território indígena Guarani Kaiowá, no cerrado do Mato Grosso do Sul, atesta a eficiência dessa tecnologia. Documentos de implementação do projeto, apontam redução de doenças de veiculação hídrica, melhoria na qualidade de vida de idosos, ampliação da segurança alimentar e emancipação das mulheres.
Assim, o reservatório, que já é conhecido como “caixa d’água do Sertão”, também caiu no gosto dos indígenas que abordam técnicos dizendo “eu quero aquela caixa d’água aqui na comunidade”. Segundo antropólogos que participaram da implementação da cisterna, na cultura indígena, a água corrente é que tem valor, água parada, não. Por isso, quando um indígena solicita a implementação de uma cisterna, é sinal de que ele reconheceu a importância da tecnologia para a saúde.
No território Guarani Kaiwoá, em 2019, foram implementadas 632 tecnologias do tipo telhadão, com capacidade para armazenar 25 mil litros de água, captada por um telhado que mede 8×10 metros. As famílias beneficiadas vivem nas comunidades Paraguaçu e Arroio Corá, no município de Paranhos, Pielito Kuê, em Guatemi, Iraquá, em Bela Vista, e Aldeia Cerrito, no município de Eldorado. Na região, chove 1.700 mm ao ano, o dobro da região semiárida, o que garante a cisterna abastecida o ano todo.
O coordenador de projetos da Humana Brasil, organização responsável por implementar as cisternas com recursos do Ministério da Cidadania, Idvandro Nery, avalia que foram alcançados resultados muito além da saúde. “Em primeiro lugar, o acesso à água potável com melhoria da qualidade de vida, combatendo doenças evitáveis que atingem a infância, especialmente, inclusão das mulheres, principais responsáveis por conduzir o projeto, com acesso à documentação, e indiretamente a melhoria na segurança alimentar”, pontua.
A professora indígena Jacy Caris Duarte, que mora na aldeia Paraguaçu, no município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul, comemora a chegada da cisterna por possibilitar o acesso à água potável. “A nossa comunidade foi beneficiada com 180 cisternas. Essa cisterna veio em boa hora, principalmente porque a gente não tem água encanada. Com a cisterna, podemos aproveitar a água da chuva, né! Estamos muito felizes e agradecidos por receber esse projeto de cisterna”, avalia.
Logo após a instalação das cisternas, os moradores da aldeia mostraram desconfiança em relação à qualidade da água. Para solucionar o problema, revela o relatório de conclusão do projeto, foi realizado um teste de potabilidade pela Vigilância Sanitária, que encaminhou as amostras de águas coletadas das cisternas, para o Laboratório Central de Saúde Pública de Campo Grande. De acordo com o documento acessado pela nossa reportagem, “o resultado da amostra deu água potável, isenta de agentes patogênicos”. Só após a divulgação do resultado, as famílias indígenas passaram então a consumir a água.
Ivandro afirma que a implementação de cisternas em aldeias indígenas demanda adequações à cultura local. “Os indígenas não têm o hábito de usar torneira. Muitas vezes, nós chegamos na aldeia e tinha uma mulher lavando roupa com a torneira da cisterna aberta, há um tempão”, recorda. Todas as etapas de implementação do projeto são mediadas por antropólogos, que ajudam na comunicação verbal e não verbal. Os cursos de Gestão de Recursos Hídricos (GRH), que capacitam os indígenas em relação ao uso da cisterna, são mais curtos, pois, nas aldeias, não existe o hábito de se ficar horas sentados.
Em relação às mulheres, prossegue Ivandro, a abordagem é feita com cuidado. Muitas delas, além de quase nunca se ausentarem do lar, não possuem documentação. “Não foi fácil essa sensibilização. Já houve momentos de estarmos em um curso de GRH e um indígena entrar com um facão, reclamando que a mulher não fez o almoço. Nós contornamos a situação e tudo terminou bem.”, recorda Ivandro.
Nas aldeias, os telhados são de palha, por isso, os telhadões são construídos à parte da casa, exclusivamente para a captação de água. Além disso, na contrapartida do trabalho, não dá para contar com a participação dos indígenas na construção de alvenaria, pois eles não têm habilidades com cimento. Eles ajudam na construção dos telhadões, cortando e montando as estruturas de madeira.
Entre as comunidades rurais do semiárido e as aldeias indígenas, há muita semelhança, avalia Idvandro. De acordo com ele, “as aldeias indígenas encontradas pelas equipes do projeto, em 2018, se assemelha à região semiárida dos anos 2000, antes do Programa Cisterna”. Por outro lado, prossegue ele, “satisfação nos olhos das mulheres indígenas com a tecnologia é o mesma das mulheres do semiárido quando veem que tem água adequada ao consumo humano perto de casa”, conclui.
*Adriana Amâncio é jornalista freelancer, com 12 anos de atuação na cobertura de pautas nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e gênero.
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