Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Poesia e política não rimam, mas em Pernambuco andam juntas e misturadas

Inácio França / 11/04/2023
Cida Pedrosa dá autógrafo em lançamento do livro Araras Vernelhas, cujo banner de divulgação está do lado esquerdo da foto. Ela é uma mulher branca, de meia idade, de cabelos castanhos avermelhados, vestindo blusa de listas horizontais pretas e brancas, e está sentada à uma mesa com uma caneta na mão e um livro aberto diante dela. Cida sorri e olha para um homem branco, de costas para a imagem, de cabelos ralos e blusa bege e marrom.

Crédito: Roberto Jaffier/Divulgação

“O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política”.

O verso acima faz parte de O Analfabeto político, um dos mais populares poemas de tom explicitamente políticos, atribuído ao alemão Bertolt Brecht. Dramaturgo e poeta, Brecht fez parte de uma geração de artistas da primeira metade do século XX que ajudou a transformar o sentido social e político da arte. Assim como o alemão, dezenas de poetas, romancistas, artistas plásticos e cineastas latino-americanos que fizeram da arte um espaço de engajamento político. Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Chico Buarque de Hollanda, Patrícia Galvão, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari e Graciliano Ramos são exemplos disso, para ficar só com nomes brasileiros.

Da lista acima, o pintor Portinari chegou a ser candidato a deputado federal e a senador, mas se deu mal nas duas vezes.

Em Pernambuco, o contexto do século XXI levou alguns artistas a darem um passo a mais na relação entre a arte e a política: os próprios poetas tornaram-se políticos, conciliando a rotina da atividade partidária com a criação poética, os discursos no palanque com a produção de versos e estrofes. É o caso, por exemplo da vereadora do Recife, Cida Pedrosa (PCdoB). E dos violeiros Sebastião Dias e Rogério Meneses, ambos atualmente sem mandato. Dias foi prefeito de Tabira, no sertão do Pajeú, a 394 quilômetros do Recife, de 2013 a 2020. Meneses foi vereador de Caruaru, onde chegou a presidir a Câmara Municipal da cidade.

Mandato e prêmios literários

Durante a campanha eleitoral de 2020, Cida Pedrosa ganhou o troféu de Livro do Ano do prêmio Jabuti, o mais importante do mercado editorial brasileiro com Solo Para Vialejo, um extenso poema em que conteúdos autobiográficos e a diáspora africana caminham juntos em uma mescla diversas linguagens poéticas. A premiação catapultou o nome de Cida para a primeira prateleira da literatura nacional. Dias depois subiu um degrau na política local ao ser eleita vereadora com 3.697 votos. No mandato, lançou mais dois livros, incluindo Araras Vermehas, que, no final de 2022, rendeu mais um prêmio nacional, o da Associação Paulista dos Críticos de Arte.

Enquanto propõe projetos de lei como o que cria um protocolo de capacitação de funcionários de bares e casas noturnas do Recife para prevenir e combater a violência e a importunação sexual, inspirado no protocolo espanhol que possibilitou a prisão do jogador Daniel Alves, Cida continua a escrever. Ela admite que nem sempre é fácil conciliar as duas coisas.

“É uma loucura a minha vida, não é simples manter atividade com qualidade no parlamento, na política e, ao mesmo tempo, manter-se praticante da literatura. Não consigo escrever no meu cotidiano, no meu dia a dia eu não tenho aquela coisa de todo dia ter uma hora para escrever, eu não consigo porque o cotidiano da política me consome, então escrevo nas férias, feriadões e finais de semana, esses são os espaços que eu tenho para escrita”, explica Cida.

Filiada ao Partido Comunista do Brasil, Cida Pedrosa mantêm a dupla militância desde a juventude. Adolescente, fez parte de um movimento de escritores independentes pernambucanos. Já trabalhando na gestão pública depois de atuar como advogada de movimentos sociais no campo, criou seu próprio método para criar aproveitando as poucas horas disponíveis. É o que ela chama de “projeto”, ou seja, passa meses mergulhada em um único tema que irá resultar em livro.

Foi assim que nasceu sua obra mais política, Araras vermelhas, em que a fusão de linguagens poéticas reconstrói a guerrilha do Araguaia, tentativa do seu partido de derrubar com armas a ditadura militar na primeira metade dos anos 1970. “Tudo que fala da dor dos militantes que sofreram todo tipo de atrocidade me comove profundamente. Esse é um assunto que eu leio desde adolescente, o drama daquelas pessoas me incomoda profundamente. Por isso, quando o PCdoB do Brasil fez 100 anos, em 2022, eu queria muito fazer um poema que contasse um pouco dessa história”, detalha.

Conhecer o assunto parece não ter ajudado muito. “Entrei de férias em 2022 pronta para escrever um livro com a . Deu os dez primeiro dias de férias, nada. Fui para Bodocó [cidade onde nasceu], não deu nada. Fui para a praia, nada. Quando foi no dia 20 eu fui para Gravatá no dia 20 mesmo. E comecei a escrever o Araras Vermelhas. Com 21 dias eu terminei de escrever o poema. Dormi três horas por noite durante esses 21 dias, só o tempo de cochilar um pouco e voltar à ativa”, recorda, detalhando como colocou no papel a, como ela define, “a ideia desse longo poema que humanizasse a face dos guerrilheiros e guerrilheiras”.

Prefeito cantador, cantador prefeito

No universo da poesia popular nordestina, o prestígio de Sebastião Dias é comparável ao de Chico Buarque na Música Popular Brasileira. A comparação não é casual: Dias é conhecido pelos amantes da cantoria e do improviso como “Chico Buarque da viola”. E isso tem a ver com sua capacidade de tratar a aridez da política em estrofes. O cantador, porém, decidiu mergulhar no mundo que o fascinava e candidatou-se a prefeito de Tabira, cidade onde vive, pelo PTB. Venceu com 7.553 votos, pouco menos de 500 votos de diferença para o então prefeito José Edson de Carvalho. Foi reeleito quatro anos em outra disputa apertada.

Ao contrário dos poetas chamados pelos sertanejos “de bancada”, ou seja, aqueles que escrevem para publicar, os cantadores ou violeiros se mantêm ativos participando de cantorias em desafios ou festivais, sempre ao vivo. Sebastião Dias acredita que essa exigência de sua arte não o atrapalhou:

“O cotidiano do poeta cantador não foi atrapalhado, nem o do prefeito cantador. Tivemos a responsabilidade de só cantar nos fins de semanas em que a agenda da cantoria estivesse disponível e a distância fosse compatível para que, nos dias de expediente, não comprometer o cronograma da gestão municipal. Por exemplo: só poderia participar dos congressos e das cantorias de Maceió, Fortaleza, Natal e nas cidades do nordeste com distância equivalente. Mas deu para conciliar sem prejuízo para o cantador e que não prejudicasse a gestão”.

Mesmo sem ter atrapalhado, a gestão pública alterou a rotina do artista. Segundo ele, “houve, vamos dizer, uma restrição sim, pois não gravei mais com frequência, passei a compor menos mas me mantive em evidência graça a Raimundo Fagner, Zé Ramalho, Mastruz com Leite e Catuaba com Amendoim, que me levaram à mídia nacional com alguns trabalhosos de nossa autoria”. Dias se refere às músicas Canção da Floresta, gravada por Fagner e Ramalho, e Conselho ao Filho Adulto, gravada pelas duas bandas mencionadas por ele.

Dias garante que a experiência como administrador e líder político não modificaram o conteúdo de seus versos. “Minha produção poética já estava quase totalmente consolidada através dos meus trabalhos, mas talvez a militância política tenha politizado o cantador Sebastião Dias”, especula.

O petista da viola

Antes de ambos entrarem na política, um dos parceiros mais frequentes de Sebastião Dias nas cantorias era Rogério Meneses. Os dois continuam amigos, mas os compromissos da agenda política e partidária acabou tornando raras as apresentações em dupla, como essa do vídeo acima, em um festival de cantadores realizado em Campina Grande. Em 2008, Meneses chegou à Câmara Municipal de Caruaru com quase 3 mil votos. Foi seu único e intenso mandato pelo PT.

Como novato na casa legislativa, conseguiu ser eleito presidente da Câmara Municipal. Sua atuação no cargo levou o legislativo caruaruense ás manchetes da mídia nacional quando ele devolveu à prefeitura R$ 1 milhão não utilizados. Acostumados a artifícios como gratificações e diárias para se apropriar dos recursos não executados, seus colegas vereadores não gostaram, o que gerou desgaste político. Mesmo assim, ele conta boas histórias da sua experiência como vereador, na qual ele identifica ao menos uma semelhança:

“Na política e na arte somos sempre assediados. Algumas vezes, em cantorias no município de Caruaru, , fosse na zona rural ou urbana, apareciam pessoas da comunidade com queixas ou pedidos para encaminhar junto à prefeitura determinada obra, um conserto em calçamento, no abastecimento d’água ou um problema de saúde. Enfim, foi não foi aparecia que aproveitava a cantoria para reclamar ou apresentar alguma necessidade”, relata o cantador.

Como seu amigo Sebastião Dias, Meneses disse que sempre tentou conciliar as duas atividades porque ele diz ter “a noção da importância das duas tarefas para a sociedade, fosse numa cantoria levando ao povo cultura, informação e alegria ,ou no mandato, levando serviço social de qualidade e com transparência”. Conciliar seus dois interesses foi uma escolha natural, pois “a poesia foi a porta de entrada para a política. Foi com a necessidade de buscar conhecimento para me tornar um repentista de mais conteúdo que desenvolveu o gosto pela leitura das biografias e grandes obras dos grandes políticos”.

Em 1984, Meneses mudou-se de Imaculada, na Paraíba, onde nasceu, para Limoeiro do Norte, no Ceará, onde aproximou-se dos fundadores do PT local e entendeu as diferenças entre esquerda e direita. “Coincidentemente, eles eram ligados à poesia. Comecei a fazer amizade, me aproximar e participar, tanto das cantorias quanto das reuniões de formação do diretório do PT”.

Mesmo afirmando ser um petista “convicto”, ele tenta manter a poesia por perto na hora de debater política. “Na última eleição para presidente, um genro e um filho votaram na direita, mas procurei nunca ter problemas familiares por essa razão. A poesia é ‘Essência’, não tem a ver com esse aspecto áspero da política”.

Uma questão importante!

Colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossa página de doação ou, se preferir, usar nosso PIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).

Apoie o jornalismo que está do seu lado

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.