Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Passarela da São Paulo Fashion Week receberá artesanato das marisqueiras do Quilombo Catucá

Giovanna Carneiro / 12/05/2023

O encontro entre o axé da estilista baiana Isaac Silva e a vocação das marisqueiras artesãs da comunidade quilombola Povoação São Lourenço, em Goiana, resultou em uma coleção de roupas e acessórios que será exibida na próxima edição do São Paulo Fashion Week (SPFW 2023), o maior evento de moda do Brasil.

A parceria é resultado do Entrelinhas, um projeto realizado pelo Instituto C&A que tem o objetivo de promover uma conexão entre marcas de moda para estabelecer processos colaborativos no setor. A idealização e execução da coleção aconteceu em 2022 e, agora, as peças serão expostas no desfile do festival de moda, que acontecerá entre os dias 25 e 28 de maio.

“Estamos muito felizes. Sempre admiramos o trabalho de Isaac e poder realizar algo junto com ela é a realização de um sonho. Poder levar peças da nossa coleção para a São Paulo Fashion Week é ainda mais emocionante”, declarou Cecília Gouveia, artesã e marisqueira responsável pelo coletivo de moda Quilombolas de São Lourenço.

Crédito: Reprodução / Instagram Instituto C&A

As peças desenvolvidas por Isaac Silva, – estilista da marca homônima que tem como lema a frase “Acredite no seu Axé” e que já vestiu diversas artistas do Brasil, como Elza Soares e Linn da Quebrada – , em parceria com as Quilombolas de São Lourenço, têm como elementos principais as redes confeccionadas manualmente pelas artesãs e os mariscos, matéria-prima do trabalho das quilombolas. A coleção de roupas e acessórios foi inspirada na ancestralidade das mulheres negras e quilombolas do Nordeste do Brasil.

Eu conheci o trabalho da Isaac em 2019, quando ela apresentou o desfile ‘Acredite no seu Axé’ e eu achei incrível cada peça e principalmente a diversidade das pessoas no palco, com o protagonismo de pessoas negras. Quando recebemos o convite do Instituto C&A para fazer a colaboração eu nem acreditei, explodi de felicidade”, disse Cecília Gouveia.

Em 2022, Isaac Silva visitou a Povoação São Lourenço, comunidade remanescente do Quilombo Catucá, no município de Goiana, e pôde conhecer de perto o trabalho das artesãs. Uma visita que emocionou tanto as quilombolas quanto o estilista.

Em entrevista ao site do Instituto C&A, Isaac Silva também comentou sobre o encontro com as Quilombolas de São Lourenço. “Acredito muito na força da ancestralidade, algo que tento trazer em todas as minhas criações, e essa parceria ocorre de forma muito alinhada com meus ideais, com o que eu almejo para o mundo da moda: diversidade e autenticidade. Tivemos muitas trocas importantes nos últimos meses e acredito no potencial de nossa força juntas”, afirmou a estilista.

Além das peças do projeto colaborativo, que serão expostas pelo Instituto C&A, os acessórios das Quilombolas de São Lourenço irão compor o desfile próprio de Isaac Silva.

A história das Quilombolas de São Lourenço

A pesca é a principal atividade econômica da Povoação São Lourenço. Culturalmente, os homens trabalham com a pesca no mar, com embarcações, e as mulheres trabalham catando marisco na área costeira das marés. Uma tradição quilombola que perdura até os dias de hoje na comunidade.

Atualmente, porém, além da pesca, um grupo de mulheres complementa a renda através do trabalho em confecção de acessórios e roupas, produzidos com a mesma matéria-prima de suas atividades pesqueiras: redes e mariscos.

A aptidão das marisqueiras para a moda e o artesanato foi descoberta em 2009, quando o estilista pernambucano Ticiano Arraes, junto com um grupo de designers, ofertou um curso profissionalizante para as mulheres da comunidade.

Crédito: Reprodução / Instagram Instituto C&A

“Todas as mulheres que participaram da capacitação traziam para o curso algum conhecimento que elas já tinham. Algumas sabiam fazer crochê, outras faziam amarrações, e muitas delas conheciam bem os diferentes tipos de conchas e suas especificidades. Foi então que Ticiano começou a ver um potencial no nosso trabalho”, relembrou a artesã Cecília Gouveia.

Durante o curso profissionalizante, as mulheres confeccionaram diversas peças que foram expostas e vendidas. “No dia que a gente expôs as peças pela primeira vez, nós vendemos um salário mínimo em algumas horas e isso nos surpreendeu, ver que nosso trabalho era realmente rentável e que as pessoas gostavam do que estava sendo feito”, contou Gouveia.

Desde então, as Quilombolas de São Lourenço não pararam mais de produzir e comercializar suas peças. Atualmente, as mulheres se organizam como um coletivo e contam com uma sede na Povoação São Lourenço.

A última coleção própria desenvolvida pelas artesãs se chama “Marisqueiras” e é uma homenagem e também um resgate histórico de suas raízes, afirma Cecília: “A gente resolveu homenagear todas as mulheres que são e foram exemplos de criatividade, de luta, de maternidade, e de empoderamento feminino dentro da nossa comunidade. O propósito era mostrar para as mulheres que a gente sente um orgulho danado delas”.

Ao todo, são 40 peças, entre colares e bolsas, e cada uma delas recebe o nome de uma mulher da comunidade remanescente do quilombo Catucá. As conchas de mariscos utilizadas na confecção são catadas pelas próprias artesãs. Toda a coleção está disponível no Instagram das Quilombolas de São Lourenço.

O reconhecimento contrasta com o trabalho ainda pouco remunerado

Atualmente, apenas quatro mulheres trabalham de forma fixa no coletivo, mas, dependendo do volume de demanda das encomendas, outras artesãs participam do processo de confecção das peças.

Crédito: Reprodução / Instagram Instituto C&A

“Algumas tiveram que migrar para o trabalho formal, para o doméstico, para outras coisas, e foram ficando poucas porque, infelizmente, o dinheiro que chega muitas vezes não é suficiente para sustentar as famílias. A nossa intenção é que esse grupo cresça, mas a gente precisa de uma demanda maior para que esse grupo se sustente 100%”, lamentou Cecília Gouveia.

A chegada até o São Paulo Fashion Week é mais um grande passo para as artesãs, que já protagonizaram outras passarelas. Em 2015, o coletivo foi responsável por realizar em Olinda a abertura da Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte) com o primeiro desfile de acessórios do evento.

“Para nós foi um divisor de águas porque foi a partir desse desfile que nós ganhamos visibilidade e passamos a receber convites para participar de outras feiras pelo Brasil”, relembrou a diretora das Quilombolas de São Lourenço.

Todas as peças confeccionadas pelas artesãs estão disponíveis para compra no Instagram do coletivo. As artesãs também aceitam encomendas, que podem ser realizadas através do contato pelo Whatsapp, também disponível no Instagram.

Uma questão importante!

Colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossapágina de doaçãoou, se preferir, usar nossoPIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).

Apoie o jornalismo que está do seu lado

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.