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Cobranças indevidas e atrasos: as queixas de quem usa a Integração Temporal no Grande Recife

Marco Zero Conteúdo / 27/06/2023
Fotografia de dois ônibus azuis passando em velocidade, na ponte Duarte Coelho, centro do Recife, sob céu nublado, com prédios da avenida Guararapes ao fundo.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Artur Serrano*

Desde que a integração temporal começou a funcionar no primeiro Terminal Integrado (TI) a operar nesse modelo, o de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, ainda em 2017, vários problemas têm sido relatados por parte dos passageiros, principalmente quando algum terminal incorporado ao sistema. As queixas mais comuns, mesmo após anos de funcionamento, são o tempo insuficiente das duas horas, mas também a cobrança irregulares de uma nova passagem.

Para quem não tem o costume ou a necessidade de usar ônibus, é preciso conhecer a integração temporal. Trata-se de um período de tempo – duas horas – em que o usuário não precisa pagar uma segunda passagem quando embarca em um novo ônibus. Esse sistema funciona apenas com o uso do cartão VEM (Comum, Trabalhador, Estudante ou Livre Acesso), nos modais ônibus-metrô, metrô-ônibus ou ônibus-ônibus, a depender do terminal e das linhas. Antes, os passageiros não precisavam utilizar o VEM nos TIs e entravam nos ônibus pelas portas de trás e do meio.

Sobre as queixas mais comuns, os exemplos vêm de duas mulheres. A estudante universitária Elisabeth Neves, 22 anos, leva em média quatro horas para sair da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde estuda, e voltar para casa, em Itapuama, no Cabo de Santo Agostinho. Por isso, o limite de duas horas não é suficiente. A estilista Rhávila Vieira, de 24 anos, já teve uma segunda passagem cobrada indevidamente no TI Igarassu, ainda dentro do limite de duas horas.]

Porque 2 horas é pouco tempo

Um relatório global feito em 2022 pela empresa israelense de mobilidade Moovit analisou o transporte público de grandes metrópoles do mundo. O estudo une estatísticas do transporte público dessas cidades a uma pesquisa de opinião com os seus usuários. De acordo com o relatório, o Recife é a cidade brasileira com o segundo maior tempo de viagem no transporte público, com uma média de 64 minutos (incluindo caminhadas, espera e tempo de deslocamento), ficando atrás apenas do Rio de Janeiro, com 67 minutos. No entanto, as viagens no Recife são mais curtas, com um percurso médio de 8,22 quilômetros, enquanto na capital fluminense o trajeto médio é de 11,42 quilômetros. 

É uma grande disparidade entre as distâncias para apenas três minutos de diferença.

De acordo com o coordenador regional no Nordeste da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), César Cavalcanti, o Rio de Janeiro tem a vantagem de ter mais corredores e faixas exclusivas para ônibus do que o Recife.

O relatório também analisa a proporção de viagens longas, em termos de distância, que são aquelas com mais de 12 quilômetros. Nesse aspecto, 18,6% das viagens de ônibus no Recife são consideradas longas, ficando atrás apenas de Porto Alegre, que tem 19,77%. E, mesmo que a capital gaúcha tenha mais viagens com mais de 12 quilômetros do que a capital pernambucana e esteja quase empatada com o Recife no percurso médio (com 8,18 quilômetros), em Porto Alegre os passageiros ficam bem menos tempo em deslocamento, com média de 47 minutos. 

Em relação às viagens que duram duas horas ou mais, o Recife continua na segunda posição com 8,87%, mais uma vez atrás do Rio de Janeiro, que tem 11,73%. As viagens entre uma e duas horas representam 32,21% no Recife (quase um terço do total), colocando a capital pernambucana em terceiro lugar, atrás de São Paulo (33,86%) e Rio de Janeiro (32,72%).

No Recife, além do tempo da viagem em si, os passageiros dependem da sincronia de horários entre as linhas de ônibus e/ou metrô.

Em seu trajeto do estágio, na Prefeitura do Recife, para sua casa, em Itapuama, a universitária Elisabeth Neves pega um ônibus até o Cais de Santa Rita, no centro do Recife, e outro de lá até o TI Cabo, gastando aproximadamente uma hora e meia 1h30. Caso perca o ônibus seguinte da linha 129-Paiva/TI Cabo), por algum atraso no primeiro deslocamento, ela precisa esperar por mais de uma hora pelo próximo veículo e acaba tendo que pagar uma nova passagem. “Agora, por exemplo, eu acabei de fazer esse trajeto e levou mais de 1h30, o que me fez perder o ônibus de 14h20min do Paiva. Agora só sai outro ônibus do Paiva às 16h”, afirma.

Segundo a Coordenadora de Vigilância e Avaliação da Vital Strategies no Recife, Amanda Maria da Conceição, a demora dos transportes públicos se deve aos engarrafamentos, causados pela relação entre a capacidade viária (o quanto de veículos uma via consegue suportar) e a demanda de veículos (o quanto de automóveis de fato transitam pela via). Ela acrescenta ainda que a estrutura da cidade do Recife estimula deslocamentos concentrados nas horas de pico em direção aos mesmos destinos, em outros horários, os deslocamentos registram tempos muito menores.

A Vital Strategies é uma organização não-governamental global de saúde que, através da iniciativa Bloomberg para a Segurança Global no Trânsito, trabalha para reduzir mortes no trânsito e promover uma mobilidade segura.

A insuficiência de ônibus para a demanda é outro problema que aflige os passageiros. A estudante Rafaella Alves, 21 anos, usuária do TI Joana Bezerra, relata que a baixa quantidade de ônibus gera enormes filas: “muitas vezes é necessário esperar dois ou três ônibus passarem para você conseguir entrar em um”, explica. A mesma reclamação pode ser ouvida no TI CDU, principalmente por quem utiliza a linha 2920 – TI Rio Doce/TI CDU.

Isso se confirma no relatório da Moovit, que indica que 23,76% dos usuários do transporte público em Recife pedem por mais ônibus ou menor tempo de espera, sendo este o maior desejo dos recifenses, de acordo com a pesquisa. Outros desejos mencionados pelos usuários na pesquisa são passagens mais baratas (em segundo lugar, com 23,13%) e horários confiáveis (em terceiro lugar, com 14,15%), dentre outros.

Amanda Conceição também garante que o problema da demora pode ser resolvido através da priorização do transporte público, como o uso de faixas exclusivas para ônibus. A aproximação dos percursos mais frequentes é outro caminho apontado, junto com o estímulo à mobilidade sustentável e ao uso de meios de locomoção não poluentes, como bicicletas e caminhadas.

César Cavalcanti, da ANTP, acrescenta que uma possível solução para a velocidade do transporte público no Recife seria o aumento da frota, o que diminuiria o tempo de deslocamento e a superlotação dos coletivos. Ele também defende que a organização do transporte público deve ser aliada a uma política habitacional, para que os passageiros morem em localidades razoavelmente próximas a seus locais de trabalho.

O Grande Recife Consórcio de Transporte foi procurado sobre a possibilidade de aumento do período de duas horas, mas, até a finalização desta reportagem, não houve resposta.

Cobranças indevidas

Mesmo quando o deslocamento entre o estágio e a sua casa demora menos que o tempo habitual, Elisabeth Neves tem frequentemente uma passagem cobrada de maneira indevida no TI Cabo. Segundo ela, isso acontece sempre que ela pega ônibus de anéis diferentes. A estudante já tentou entrar em contato com a Urbana-PE (o sindicato das empresas de ônibus) através do número informado pelo próprio WhatsApp da entidade, mas não foi atendida.

Aconteceu também com a estilista Rhávila Vieira. Ao sair do trabalho, no bairro de Campo Grande, até sua casa, em Igarassu, ela pegou um ônibus em direção ao TI Igarassu. Lá, embarcou no 1968 – TI Igarassu/Ilha de Itamaracá e uma segunda passagem foi cobrada, mesmo estando dentro do limite das duas horas. Rhávila se informou com alguns fiscais, que lhe deram um número de telefone para fazer a reclamação. No atendimento, foi informada de que o valor não poderia ser ressarcido.

O Grande Recife reforça que, em caso de cobrança dupla, o passageiro deve procurar a Urbana-PE pelo telefone 3125-7858. Na reclamação, devem ser informados dia e horário do ocorrido, juntamente com os números do cartão VEM e do CPF. O órgão ainda acrescenta: “Em caso de dúvidas, sugestões e reclamações, o usuário pode entrar em contato com a Central de Atendimento ao Cliente do Consórcio, das 7h às 19h, no número 0800 081 0158, apenas para chamadas de telefone fixo, ou pelo WhatsApp (9.9488.3999), das 5h30 às 21h30, para mensagens de texto, áudio, fotos ou vídeos, exclusivo para reclamações.” A assessoria do Grande Recife foi procurada sobre os casos Elisabeth Neves e Rhávila Vieira, mas, até o término da edição desta reportagem, não houve resposta.

Maioria dos Terminais Integrados operam a Integração Temporal. Crédito: Divulgação/Grande Recife Consórcio

Só com o cartão VEM

Apesar dos problemas relatados, o sistema de integração temporal é útil e ajuda os passageiros, por evitar que os usuários paguem mais de uma passagem em um único trajeto (ida ou volta). No entanto, é necessária a utilização do cartão VEM, o que pode acabar atrapalhando alguns passageiros que não usam o transporte público com frequência. Segundo o Grande Recife, o uso do cartão é indispensável, pois, sem ele, não é possível registrar a hora e nem a linha em que o passageiro embarcou para que seja computada a integração.

César Cavalcanti afirma que existem outras alternativas ao uso do cartão VEM para a realização da integração temporal. Na cidade de Sorocaba, no interior de São Paulo, os passageiros podem pagar suas passagens pelo aplicativo Cittamobi,  que funciona, inclusive, na integração temporal. Em Curitiba, é possível pagar as passagens de ônibus com cartões de crédito ou débito, apesar dessa opção não funcionar com a integração temporal da capital paranaense. Mas, tanto o sistema quanto o próprio banco registram a data e a hora da transação. 

É possível conseguir um cartão VEM gratuitamente nos terminais de ônibus, ou através de solicitação no site VEM Posto Virtual (https://vempostovirtual.vemgranderecife.com.br/institucional), mediante cadastro, com retirada do cartão no Posto do VEM (Rua das Ninfas, 278, Boa Vista). O telefone para mais informações é 3125-7858. O cartão também pode ser retirado, ao custo de R$4,00, em máquinas de autoatendimento instaladas no Posto do VEM, nos terminais e em alguns locais da cidade, como os Shoppings Recife e RioMar. Em todos os casos, é necessário apresentar documento oficial com foto, que contenha CPF e o nome da mãe. O usuário recebe o cartão imediatamente, que não tem data de validade.

Quais TIs operam a integração temporal?

Ao todo, 21 dos 26 terminais integrados da Região Metropolitana do Recife funcionam com o sistema em todas as linhas. São eles: Aeroporto, Jaboatão, Cajueiro Seco, Tancredo Neves, CDU, Cabo, Caxangá, Rio Doce, Camaragibe, Abreu e Lima, Igarassu, Afogados, Xambá, TIP, Prazeres, Cosme e Damião, Getúlio Vargas, Santa Luzia, Recife, Largo da Paz e Cavaleiro.

Os outros cinco terminais operam com o sistema de forma parcial. Em julho de 2022, o TI PE-15 passou a operar com o sistema de integração temporal nas linhas 1100 – TI PE-15/PCR/PARADOR, 1913 – TI PE-15/ TI Joana Bezerra e 1963 – TI PE-15/TI Igarassu/Sítio Histórico. Outras linhas do terminal já funcionavam com o sistema: 1923 – Cidade Tabajara/TI PE-15, 1940 – TI PE-15/Circular e 1986 – TI Rio Doce/TI PE-15.

Em dezembro de 2022, o TI Joana Bezerra recebeu a integração temporal nos sentidos ônibus-metrô e ônibus-ônibus, mas apenas nas linhas 021 – TI Joana Bezerra/Shopping Rio Mar, 2043 – TI CDU/TI Joana Bezerra/Parador, 1913 – TI PE-15/TI Joana Bezerra e 104 – Circular/Imip.

O TI Macaxeira (que já fazia integração temporal nas linhas 901 – TI Abreu e Lima/TI Macaxeira, 902 – Mirueira/Macaxeira, 948 – Arthur Lundgren II/Macaxeira, 601 – Bola na Rede/Macaxeira e 604 – Alto Burity/Macaxeira) passou a funcionar com o sistema, no dia 25 de março, nas linhas 1964 – TI Igarassu/TI Macaxeira e 1906 – TI Pelópidas/TI Macaxeira.

O TI Barro passou a operar com o sistema de integração temporal no dia 17 de junho, apenas nos sentidos ônibus-ônibus e metrô-ônibus, nas linhas 103 – UR 11/Barro, 108 – Barro/Ceasa, 128 – UR 3/Barro (Milagres) e 209 – Coqueiral/Barro.

No TI Pelópidas, três linhas passaram a operar com o sistema de integração temporal no último sábado (24). São elas: 1934 – Arthur Lundgren I/TI Pelópidas, 1935 – Paratibe/TI Pelópidas e 1941 – Arthur Lundgren II/TI Pelópidas. Desde o início de junho, as linhas 1931 – Jardim Paulista Baixo/TI Pelópidas, 1932 – Jardim Paulista Alto/TI Pelópidas e 1943 – Mirueira/TI Pelópidas já funcionavam com o sistema.

Em Joana Bezerra, nas demais linhas e no sentido metrô-ônibus, assim como nas demais linhas dos terminais da PE-15, da Macaxeira, do Barro e de Pelópidas, o embarque continua sendo feito pelas portas traseira ou do meio. No TI Barro, no sentido ônibus-metrô, o embarque acontece sem a necessidade de validação do cartão VEM nas catracas.

*Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Esta reportagem foi produzida como atividade acadêmica da disciplina Técnica de Entrevista e Reportagem 1, sob supervisão da professora Paula Reis.

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