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Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil
A anunciada implementação das câmeras corporais na Polícia Militar de Pernambuco segue sem data para acontecer. Em 6 de janeiro, a Secretaria de Defesa Social (SDS) firmou um contrato de um ano, por R$ 419,5 mil, com a empresa CHT Telecomunicações para o fornecimento de câmeras, baterias e armazenamento das imagens. Na época, a SDS informou que seriam adquiridas 187 câmeras para um projeto-piloto no 17° Batalhão da PM, que atende Paulista e Abreu e Lima. Só em julho teve início o treinamento dos policiais que vão participar do projeto-piloto.
Pelo menos desde 2018 se discute em Pernambuco a adoção das câmeras corporais. No Brasil, apenas sete estados adotam a medida, sendo apenas três de forma mais ampla. São Paulo já foi considerado um estado exemplo no uso do equipamento: após a adoção das câmeras, reduziu os confrontos em 87% e derrubou em 32,7% os registros de resistência durante as abordagens policiais.
Mas desde que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu, o programa não foi ampliado. Não foi feita a compra de nenhuma nova câmera e também houve redistribuição dos equipamentos dos agentes que atuam no policiamento ostensivo para os que atuam no trânsito. No recente incidente com torcedores do time São Paulo, no qual um torcedor morreu, os policiais militares – do batalhão de choque e da cavalaria – não usavam câmeras.
As câmeras corporais são sempre lembradas em casos em que a polícia mata – inocentes ou suspeitos. De acordo com o mais recente relatório do Fórum Brasileiro de Segurança, o cenário nacional é de 3,2 mortes decorrentes de intervenção policial por 100 mil habitantes. Amapá, Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe, Pará e Goiás são os estados onde a polícia mais mata. Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia e Piauí estão na outra ponta, com taxas menores que 2 mortes causadas pela polícia para cada 100 mil habitantes.
Para a diretora do Instituto Sou da Paz Carolina Ricardo, as câmeras não devem ser lembradas apenas quando eventos de violência ocorrem. E não se trata somente de comprar câmeras e acoplar ao uniforme. Na semana passada, o Instituto Sou da Paz lançou uma nota técnica sobre a implementação das chamadas bodycams, produzida a partir dos aprendizados da experiência da Polícia Militar do estado de São Paulo, que, ao lado de Santa Catarina, foi pioneiro no uso das câmeras. A nota é assinada por Carolina Ricardo e o coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo Robson Cabanas Duque, que foi gerente do projeto de implantação de bodycams na PMESP
“Há passos que são muito importantes de serem seguidos. Não adianta só implantar em caráter piloto em um lugar e depois expandir, não é assim que funciona. Tem que ter uma preocupação em engajar a tropa. Que tipo de formação tem sido feita? Que tipo de sensibilização? Que apresentação de resultados, de vantagens desse equipamento para os policiais? Tem que haver um processo de convencimento em relação à tropa, que é quem vai usar às câmeras”, afirma a diretora do instituto.
A nota técnica cita vários aspectos ligados à infraestrutura, legalidade, convencimento interno, comunicação externa, segurança, compartilhamento seguro de evidências, sistematização hierárquica do sistema, entre outros. “Não são poucos os exemplos de adoção desse sistema pelo mundo onde vários departamentos de polícia tiveram que retroceder e estudar para finalmente obter êxito”, diz a nota.
Por si só, a câmera corporal não garante a diminuição da letalidade da polícia. “A primeira coisa é a pergunta: o que que o governo de Pernambuco quer resolver com a implantação das câmeras? Se for reduzir a violência policial, vai dar errado. Nenhuma medida sozinha consegue fazer isso. Ainda mais as câmeras. Até porque os policiais aprendem muito rápido como podem burlar o sistema. O PM aprende como segurar a arma e tapar a câmera. Se não há o convencimento da tropa, vai dar errado. Se o governo quer fazer um controle de letalidade policial, tem muitas outras medidas a serem feitas antes da colocação da câmera”, diz Carolina.
Mas, se inserido em um esforço de profissionalização e transparência, o uso de câmeras corporais pode dar muitos resultados. “É um mecanismo que profissionaliza a polícia, que dá garantia para os policiais, que os protege de denúncias falsas, que ajuda a polícia a melhorar procedimentos. O policial militar também precisa ter a garantia de que essas imagens não serão usadas para fazer o micro gerenciamento do trabalho dele”, explica Carolina.
A nota do Sou da Paz defende que as câmeras sejam usadas como um equipamento a mais de proteção do policial. “O policial não gosta de ficar 12 horas com um colete que pesa 3 quilos, mas ele usa porque sabe da importância daquilo. O policial precisa ver a câmera da mesma maneira. E a instituição precisa garantir que ele vai ter a privacidade dele protegida. O policial tem um trabalho em que usa a força em nome da sociedade. Então é um papel que exige um monitoramento diferente. Não é agradável, mas o papel dele é diferente de um trabalhador comum e justifica esse monitoramento”, afirma.
Ainda que apenas sete estados tenham adotado a tecnologia até agora e haja interferência política, como no caso de São Paulo, Carolina acredita que a tendência atual é de que o uso das bodycams se expanda. “O governo federal está tentando uma ampliação. Há algumas semanas promoveu um encontro reunindo PMs do Brasil inteiro e estão desenhando uma linha de investimento para poder financiar a implantação das câmeras. Há um interesse. Não deve ser algo obrigatório, mas há um interesse na expansão. E também já se fala em implementar a tecnologia na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Força Nacional….Não podemos falar ainda em que escala, mas o uso de câmeras corporais vai ser expandido no Brasil”, diz.
Desde agosto do ano passado a guarda municipal de Ipojuca, no litoral sul, pode usar armas letais. A medida foi feita em convênio com a Polícia Federal, em um processo que durou cerca de três anos. Os 420 guardas municipais do município andam armados com pistolas .40, mesmo modelo utilizado pela Polícia Militar de Pernambuco.
Já no redesenho para o uso de armas letais, as câmeras corporais estavam previstas. No mês passado, os guardas começaram a ir para as ruas com o equipamento. Todo dia, aproximadamente 50 guardas vão para as ruas – e todos com as câmeras. “A implementação aconteceu para melhorar a imagem da guarda, que estava muito desgastada por conta de excessos de uso da força. Optamos pelo uso das câmeras para diminuir as denúncias contra a guarda municipal e também de desacato dos moradores. Não é apenas as bodycams, mas também outros recursos de inteligência. Temos uma sala de monitoramento online, 24 horas, e 129 câmeras de vídeo monitoramento espalhadas pela cidade”, afirmou à MZ o secretário de Defesa Social do Ipojuca, Osvaldo Morais.
De acordo com Morais, as bodycams já são da quarta geração, as mais atuais, e permitem a transmissão online ao vivo para a sala de monitoramento. Os guardas têm a permissão de desligar as câmeras nos intervalos – para alimentação ou ir ao banheiro, por exemplo. Apenas os guardas que trabalham nas ruas, como no ordenamento do trânsito, usam as câmeras. O investimento foi de R$ 2 milhões.
O convencimento dos guardas, diz o secretário, começou na época da autorização para uso de armas letais. “A maioria aceitou bem, é algo que protege também o guarda de falsas acusações. Estamos usando há um mês apenas, então é muito precoce fazer uma avaliação, mas a receptividade da população tem sido boa. Notamos uma mudança de comportamento tanto da população quando vê que o guarda está usando a câmera, quanto do guarda. Há uma mudança de atitude”, afirma.
O próximo passo agora, diz o secretário, é o uso de outros recursos das câmeras, como a capacidade de ler as placas de carros e enviar para o banco de dados da Polícia Militar, por exemplo, fazendo um cruzamento das informações, o que ajudaria a identificar carros roubados ou procurados. Nas bodycams de quarta geração também há a possibilidade de uso do controverso reconhecimento facial. De acordo com o secretário do Ipojuca, ainda está em processo de convênio com os governos federal e estadual esse cruzamento de banco de dados.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org