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Mortes violentas aumentam nos primeiros 10 meses do governo Raquel Lyra

Marco Zero Conteúdo / 16/11/2023
Criança negra, de short e camiseta branca, amarrando balões de ar brancos em cruzes de madeiras fincadas na areia da praia.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Jorge Cavalcanti*

A Assembleia Legislativa realiza audiência pública para debater questões da segurança pública no momento em que a violência volta a crescer em Pernambuco, com desempenho negativo também em dois indicadores importantes: o feminicídio e as mortes decorrentes de intervenção policial. As informações desta reportagem têm como base levantamento da Marco Zero Conteúdo no banco de dados abertos da Secretaria de Defesa Social (SDS). O secretário da pasta, Alessandro Carvalho, confirmou presença à reunião  que será realizada na tarde de quinta-feira (16), no prédio-sede da Alepe.

De janeiro a outubro do ano passado, um total de 2.839 Mortes Violentas Intencionais (MVIs) foram registradas em Pernambuco. De lá para cá, Raquel Lyra (PSDB) foi diplomada pela Justiça Eleitoral, tomou posse no cargo de governadora, nomeou secretários e deu início ao primeiro ano de gestão. A SDS passou por uma troca de comando em meio ao processo de elaboração do plano estadual de segurança pública, batizado de Juntos Pela Segurança, ainda desconhecido da população. 

E a violência letal cresceu no estado de janeiro para cá, na comparação com o mesmo período de 2022, último ano do governo Paulo Câmara pelo PSB: foram anotados 2.994 crimes contra a vida em Pernambuco, de janeiro a outubro desse ano. São, até agora, 155 casos a mais do que o mesmo período de 2022. Diante deste cenário, a pedido do Fórum Popular de Segurança Pública de Pernambuco, que reúne organizações, coletivos e entidades da sociedade civil, a Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular convocou a audiência. O colegiado é presidido por Dani Portela (PSOL), tendo como outros representantes da oposição composta por Rosa Amorim e João Paulo (PT), enquanto o governo tem a defesa de Joel da Harpa (PL) e Pastor Júnior Tércio (PP), entre outros.

Para a coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado, Ana Maria Franca, há dois fatos preocupantes em curso. “Os indicadores de violência estão numa trajetória de crescimento num contexto de promessa de um plano de segurança pública que ainda não foi apresentado à sociedade. Diante dessas dificuldades, inclusive de diálogo com o governo, o Fórum Popular decidiu provocar a Comissão da Assembleia Legislativa”, avaliou.

Estatisticamente, é possível que o governo Raquel Lyra feche o primeiro ano de gestão com redução no número de Mortes Violentas Intencionais, em relação a 2022, porém isso parece improvável. Para isso, é necessário que sejam registrados menos de 432 crimes contra a vida no bimestre novembro e dezembro. Tal projeção seria otimista demais quando o comparativo é feito tanto com os meses de 2022 quanto com os de 2023. O conceito de MVIs é a soma dos indicadores de homicídio, latrocínio, feminicídio, lesão corporal seguida de morte e morte decorrente de intervenção policial. 

Quando é a polícia que mata

Nos dez primeiros meses desse ano, Pernambuco registrou elevação de 20% nos números de casos de mortes decorrentes de intervenção policial, na comparação com  janeiro-outubro de 2022. Os casos ocorridos nesse ano já superam o total de registrados no ano passado (92). Foram, até agora, 95 pessoas que perderam a vida em consequência da ação da polícia, contra 79 no período anterior.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública monitora as mortes decorrentes de intervenção policial desde 2013. A série histórica indica que o número cresce ano a ano. A nomenclatura sugere confronto ou uso legítimo da força letal. Mas nem sempre é assim, como mostram casos acontecidos ao longo desses dez anos corroborados por investigações por parte da Polícia Civil que se transformaram em denúncias ao Ministério Público e à Justiça. 

Em Pernambuco e no Brasil, o perfil das pessoas mortes pela polícia é bem definido: homens negros e jovens, moradores de territórios periféricos. Um relatório que acaba de ser divulgado, elaborado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e a Rede de Observatórios de Segurança, aponta que eram negras todas as pessoas mortas por policiais no Recife nos últimos dois anos (11 em 2022 e 14 em 2021).

O Censo do IBGE 2023 aponta para uma discrepância entre a proporção de negros em Pernambuco e a de pessoas mortas pela polícia. Enquanto 90% das pessoas mortas são negras, 65% da população se identifica desta forma no estado. “Jovens negros, majoritariamente pobres e residentes das periferias seguem sendo alvo preferencial da letalidade policial, incapazes de acessar os direitos civis fundamentais à não-discriminação e à vida”, pontua trecho do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. 

Quando é a mulher quem morre

Na análise do indicador feminicídio, de janeiro a outubro desse ano 65 mulheres foram assassinadas por motivação exclusivamente ligada à condição do gênero. Foram quatro vítimas a mais do que o mesmo período do ano anterior. Ainda há a possibilidade do governo Raquel Lyra fechar o primeiro ano com redução. Mas, para isso, é preciso que a estatística não ultrapasse 72 vítimas, o número de ocorrências desse tipo no ano passado.

Quando o governo apresentou o calendário do Juntos Pela Segurança, no final de julho, no Centro de Convenções, em Olinda, foi divulgado que o combate à violência contra a mulher seria uma das três prioridades da política de segurança pública, ao lado dos crimes contra a vida e os violentos contra o patrimônio. O anúncio agradou a setores da sociedade civil que monitoram a violência e criminalidade no Estado. Mas, até o momento, o governo não detalhou como pretende alcançar o objetivo.

“Eleger o enfrentamento a esse tipo de crime é uma necessidade e também uma inovação. Espero que o governo consiga, de fato, desenvolver. Em relação ao que o plano aponta como ações nessa área, diz pouco ainda. O fortalecimento da rede de assistência às vítimas é importante, mas é só um aspecto”, analisou a pesquisadora Ana Paula Portella à época do anúncio. Ela é autora de Como morre uma mulher?, tese de doutorado premiada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes como a melhor da América Latina em 2016.

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

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