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Oficiais teriam convocado praças para caçada à família do suspeito de ter matado dois PMs
Crédito: Priscilla Buhr/AMCS
por Jorge Cavalcanti*
Um fato chamou a atenção na decisão judicial que transformou em réus 12 policiais militares de Pernambuco por suspeita de envolvimento na Chacina de Camaragibe, no Grande Recife: a possível participação de dois tenentes-coronéis no planejamento da caçada ao homem suspeito de ter matado dois policiais militares e seus familiares. Na denúncia aceita pela 1ª Vara Criminal de Camaragibe, nesta quinta-feira, 7 de março, o Ministério Público estadual aponta o que acredita ser o detalhamento da dinâmica dos fatos.
Passam a ser réus os tenentes-coronéis Fábio Rufino e Marcos Túlio. O primeiro era o comandante do 20º Batalhão de Polícia Militar, onde estava lotada a dupla assassinada: o soldado Eduardo Roque e o cabo Rodolfo José da Silva. O segundo ocupava lugar de destaque na inteligência da PM. Rufino foi afastado do posto de comando em dezembro do ano passado, por decisão judicial. O tenente-coronel João Marcelo o substituiu.
Rufino foi transferido pelo comando da segurança pública do Estado para o comando de outro batalhão, conforme publicou o jornalista Raphael Guerra, do JC.
Até o momento, mesmo na condição de réu, Rufino segue na chefia do 12° BPM, no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife. A decisão judicial tinha poderes apenas para afastá-lo do comando do 20º.
Após o tiroteio em que os dois PMs acabaram mortos, na noite de 14 de setembro de 2023, de acordo com a denúncia aceita pela Justiça, o tenente-coronel Marcos Túlio convocou o tenente Thiago Aureliano para uma reunião com a presença de Rufino.
O encontro teria acontecido nas imediações do antigo prédio da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, localizada na avenida General Newton Cavalcanti, onde também está situada a sede do 20º Batalhão. A reunião teria contado com a presença de outros policiais. Alguns estavam de serviço, outros estavam de folga. Mesmo assim, foram acionados.
“Tendo estes sido propositalmente orientados e autorizados a comparecerem ao local em veículos sem placas, viaturas descaracterizadas, com vestimentas à paisana, utilizando balaclavas, fortemente armados, com armas ‘cabrito’ (não oficiais), para realizarem a missão de caçada”, detalha um trecho da denúncia aceita pela Justiça.
Na ocasião, teriam sido compartilhadas informações a respeito do homem suspeito de ter matado os dois PMs e também de seus familiares. O homem é identificado como Alex da Silva Barbosa, 33 anos. Ele foi baleado e morreu no dia seguinte no hospital. Com as equipes já nas ruas, coube aos dois tenentes-coronéis monitorar as ações. A ponte entre eles e os policiais que estavam nas buscas era feita por meio do tenente Thiago Aureliano.
À época, o caso ganhou repercussão nacional por conta do vídeo de Ágata Ayanne da Silva, 30 anos, irmã de Alex. Ela registrou a própria execução. As imagens viralizaram e forçaram um pronunciamento público da governadora Raquel Lyra (PSDB) e do secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, então recém-empossado no cargo.
A investigação realizada por uma equipe de promotores também identificou indícios de que os tenentes-coronéis agiram de modo a não deixar rastro. Um dos cuidados tomados foi o apagamento de mensagens trocadas com outros policiais. As investigações se valeram da quebra de sigilo telefônico e telemático. Foi possível resgatar as mensagens apagadas.
“Nesse contexto, os denunciados tinham ciência do que estava acontecendo e do que estava por acontecer, possuindo informações de que havia pessoas sendo mortas por subalternos. Poderiam e tiveram oportunidade para, exercendo a voz de comando que detinham, sustar ou até mesmo desestimular a ‘caçada’ que se desenrolava”, diz outro trecho da denúncia aceita pela 1ª Vara Criminal de Camaragibe.
O Ministério Público montou uma espécie de força-tarefa para apurar o caso, diante da gravidade do episódio. Participam do trabalho promotores dos Grupos de Atuação Conjunta Especial (Gace), de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a 1ª Promotoria Criminal de Camaragibe.
Até o momento, a governadora Raquel Lyra (PSDB) não se pronunciou publicamente sobre a decisão judicial desta quinta (7), que transformou em réus 12 policiais militares. Na primeira, e até agora única vez que falou em público sobre o caso, Raquel foi sucinta. “A polícia está investigando como são: crimes bárbaros”, disse. A declaração foi dada em comunicado à imprensa na tarde de 15 de setembro de 2023, no Palácio do Campo das Princesas.
Por nota à imprensa, a Secretaria de Defesa Social disse, nesta sexta (8), que não comenta decisão judicial. Informou apenas que os quatro praças que não foram presos preventivamente foram agora afastados das atividades de rua. Cinco PMs continuarão detidos de forma preventiva por força da decisão judicial que aceitou a denúncia do MPPE.
A Chacina de Camaragibe é a maior registrada nos últimos cinco anos em Pernambuco. Ao todo, nove pessoas morreram: dois policiais, seis pessoas de uma mesma família, e, posteriormente, uma jovem vizinha de parentes de Alex Barbosa que estava grávida.
Além dos três oficiais citados na reportagem, foram denunciados e transformados em réus nove praças. São eles: soldado Paulo Ferreira Dias, soldado Leilane Barbosa Albuquerque, soldado Emanuel Rocha Júnior, soldado Diego Galdino, cabo Fábio Oliveira, cabo Dorival Alves Cabral Filho, cabo Janecleia Barbosa da Silva, sargento Eduardo de Araújo e sargento César Augusto.
*Jornalista com 20 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.