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Movimento Negro quer abrir os arquivos das igrejas evangélicas sobre a escravidão no Brasil

Campanha mira arquivos das igrejas Presbiteriana, Batista, Luterana, Metodista e Anglicana

Maria Carolina Santos / 17/05/2024
A imagem retrata um grupo de pessoas, a maioria negras, posando para uma foto em uma praça urbana. Ao fundo, há prédios coloridos com detalhes arquitetônicos clássicos e varandas. No centro, destaca-se uma estátua sobre um pedestal, e árvores verdes estão espalhadas pela área. O céu está claro e azul, sugerindo que é um dia ensolarado.

Crédito: Instagram @mnebrasil

O papel das igrejas protestantes durante a época da escravidão no Brasil ainda é um campo de pesquisa pouco explorado. Para o Movimento Negro Evangélico, entidade presente em dez estados brasileiros, isso acontece porque há poucas informações e dados sobre a extensão da participação dessas igrejas. Agora, uma campanha feita pelo Movimento quer mudar isso, solicitando que as cinco maiores igrejas protestantes que tinham presença no Brasil durante o século 19 abram seus arquivos para pesquisadores e pesquisadoras.

A campanha Escravidão: E a igreja com isso? mira nos arquivos da Igreja Presbiteriana do Brasil, da Convenção Batista Brasileira, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, da Igreja Metodista do Brasil e da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Apesar da dominação da Igreja Católica, todas essas cinco denominações evangélicas já tinham representações no Brasil antes de 1888, quando a escravidão foi extinta por lei no país.

“Entendemos que o processo de reparação começa com o acesso à memória. Então, precisamos, primeiro, garantir o acesso à memória para que a gente consiga levantar as informações, para, a partir disso, falar sobre justiça e reparação”, afirma o coordenador do Movimento Negro Evangélico em Pernambuco, Jackson Augusto.

Durante o período de escravidão no Brasil o estabelecimento dessas igrejas no país era em sua maioria por meio de missões. O Movimento já teve acesso, pontuais, a alguns documentos de algumas igrejas protestantes. São, por exemplo, diários de religiosos em que ficam expostas as relações com escravocratas, desde missionários que ficaram hospedados em casas de engenho até igrejas que compraram pessoas escravizadas.

Porém, a extensão dos benefícios da escravidão para essas igrejas ainda é desonhecido. “Há registros de integrantes da Igreja Luterana, no sul do Brasil, que tinham mais de mil escravizados. Essas igrejas recebiam parte do lucro do trabalho desses escravizados? As igrejas se beneficiaram com a escravidão? Temos algumas hipóteses. Uma desconfiança que temos é em relação às instituições em si, principalmente as instituições educacionais dessas igrejas. Se não fosse a estrutura escravocrata, essas instituições teriam conseguido se estabelecer aqui no Brasil?”, questiona Augusto.

A campanha quer que as próprias denominações protestantes façam internamente essa busca pela documentação e que, com o acesso liberado, pesquisadoras e pesquisadores possam se debruçar sobre a época. “Já sabemos que algumas igrejas ainda têm sim documentação daquela época. É necessário um mapeamento para que haja uma transparência maior sobre a atuação dessas igrejas na escravidão”, afirma o coordenador.

A imagem parece ter sido tirada de dentro de uma sala, olhando para fora através de uma grande janela com um padrão geométrico intrincado. O padrão consiste em inúmeras quadrículas com diferentes desenhos, lembrando uma treliça ou tela decorativa. Dentro da sala, há figuras borradas de pessoas e objetos, sugerindo movimento ou uma velocidade do obturador baixa usada na fotografia. Também é possível ver roupas penduradas em araras no lado direito da imagem, indicando que este pode ser um ambiente de loja ou mercado. Plantas suspensas podem ser vistas perto do topo da imagem, adicionando um toque de vegetação ao ambiente interno. A vista externa está obscurecida pela janela padronizada e pelas figuras borradas, tornando difícil discernir o que está além. A combinação de elementos interiores e vista externa obscurecida cria um efeito visual interessante que brinca com transparência e movimento.

MNE quer pedido de desculpas das igrejas protestantes brasileiras

Crédito: Lucas Vieira/MNE Pernambuco

Em Pernambuco, ele cita como exemplo o envolvimento com a escravidão do norte-americano Charles Davis Daniel, um dos fundadores da Primeira Igreja Batista do Recife, aberta em 1886, dois anos antes da Lei Áurea. O livro Racismo na História Batista Brasileira: Uma memória inconveniente do legado missionário detalha a atuação de Daniel em grupos segregacionistas dos Estados Unidos, como a Ku Klux Klan do Texas, e o pensamento racista em relação aos mexicanos. Não se sabe se existe, contudo, documentos sobre as ações e escritos de C.D. Daniel no Recife, por exemplo.

A partir da abertura desses arquivos, o Movimento Negro Evangélico vai estabelecer parcerias com universidades, algumas ligadas às próprias igrejas, para catalogar o material e definir linhas de pesquisas sobre esses documentos. Por ora, a campanha busca a participação voluntária das igrejas, por meio de um manifesto, que pode ser assinado neste link. Mas não descarta judicializar o pedido.

Além da abertura dos arquivos, o Movimento Negro Evangélico cobra também um pedido formal de perdão das cinco igrejas pelo envolvimento com a escravidão. “A Igreja Católica, grande aliada da escravidão no Brasil, já fez esse pedido, por meio do Vaticano. A Igreja Anglicana também já fez um pedido de perdão, mas algo geral, da sede da Inglaterra, e queremos algo específico, no contexto do Brasil”, afirma Jackson Augusto.

Outra ação da campanha é uma semana nacional de discussão sobre igreja, memória e escravidão, que vai ocorrer entre os dias 28 e 30 de junho, em várias igrejas e instituições do país.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org