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Cirandas da Borborema: o que prefeitos podem fazer para incentivar jovens a permanecerem no campo

Jeniffer Oliveira / 26/09/2024
A imagem mostra um ambiente interno com uma grande moldura de janela montada na parede. No topo da moldura, há um texto em português que diz “O que vejo da minha janela”. Dentro dessa moldura, há duas pessoas - à esquerda, uma menina vestindo uma camisa de uniforme escolar, e à direita, uma mulher adulta usando óculos, avental estampado e uma peruca branca para aparentar ser mais velha. Ambas estão segurando folhas de papel, como se estivessem lendo um texto. A parede ao redor da moldura está decorada com trabalhos artísticos de crianças e recortes coloridos de papel, incluindo letras do alfabeto. Abaixo da moldura, há uma prateleira com vários pequenos objetos e mais materiais de arte espalhados. O teto do ambiente tem vigas de madeira, e há um relógio na parede que marca aproximadamente dez minutos após as dez horas.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A Marco Zero voltou ao semiárido nordestino. Desta vez, nossas equipes de repórteres foram à Paraíba e ao Rio Grande Norte conhecer iniciativas postas em práticas por parcerias entre o poder público municipal e organizações sociais que estão melhorando as condições de vida na região. Às vésperas das eleições municipais, essas experiências são exemplos de como prefeituras podem adotar projetos que nascem na esfera não governamental e ampliar tanto seus resultados quanto seu impacto na vida das pessoas.

Esperança (PB) – Com olhos e ouvidos atentos, as crianças da Escola Municipal Antônio Adelino dos Santos, na comunidade do Carrasco, zona rural de Esperança, município do agreste paraibano, esperavam com curiosidade para saber o que havia “do outro lado da janela”. Este foi o tema escolhido para ser trabalhado com as crianças filhas de agricultores e agricultoras no projeto Cirandas da Borborema.

De forma lúdica e afetiva, o projeto inclui um processo de escuta e provoca reflexões sobre o território, a agricultura familiar e a agroecologia em 18 escolas das redes de ensino de 11 dos 13 municípios do Polo da Borborema, uma articulação de 13 sindicatos de trabalhadores rurais da região da serra da Borborema. Ao menos duas mil crianças de 50 comunidades estão integradas à iniciativa.

O Cirandas acontece há 22 anos a partir das parcerias realizadas entre a AS-PTA, organização não governamental que desenvolveu a metodologia, as comunidades, os sindicatos que compõem o Polo e as prefeituras dos municípios. É a principal estratégia em curso na região para fortalecer o pertencimento e aquilo que é chamado de sucessão rural, ou seja, a transferência para as novas gerações da responsabilidade sobre os sítios e pequenas fazendas das famílias.

“Nós precisamos escutar essas crianças, valorizá-las no lugar onde elas moram, as suas identidade, o saber que elas carregam. A agroecologia, esse contexto todo da agricultura familiar, é um grande instrumento de aprendizagem, a todo momento as crianças estão aprendendo”, afirma Maria Denise Pereira, coordenadora do núcleo de infância e educação da AS-PTA.

De maneira geral, as atividades das Cirandas ocorrem nas escolas, mas há casos em que são os salões de reunião das associações comunitárias que recebem as crianças. Quando envolve os adolescentes, que já estão no Ensino Médio em escolas estaduais, a Ciranda pode acontecer até mesmo na casa de algum deles.

De acordo com Maria Denise, o maior ou menor grau de envolvimento das prefeituras ao programa está vinculado ao relacionamento das gestões municipais com o respectivo sindicato rural. No caso de Esperança, a gestão do prefeito Nobson Almeida (PP) incorporou à Ciranda as atividades regulares da rede, dedicando uma semana letiva inteira dedicada ao tema escolhido.

“Vovó Amorosa”

Cada criança tem uma percepção diferente sobre a comunidade em que vive e se sente confortável em compartilhar com a Vovó Amorosa, principal personagem das Cirandas. Nessa partilha, Maria Cecília Duarte, de 10 anos, chamou a atenção pela consciência socioambiental ao responder o que desejaria ver do outro lado da janela mágica: um mundo sem poluição.

Filha de agricultores, sua mãe é Marizelda Duarte da Silva, uma das principais lideranças na luta que as mulheres da Borborema travam contra os abusos e desmatamento praticado pelas empresas de energia eólica. A menina demonstra ter clareza da importância de valorizar a sua comunidade para viver com dignidade, tema presente na comunidade onde vive. “Eu acho que tem que preservar e saber o que estão preservando, sentindo assim, como é bom você preservar onde você mora. Porque se você preservar onde você mora, você vai descobrir que pode continuar naquele lugar”, ressalta a menina.

O ambiente na imagem é uma sala de aula. As paredes estão decoradas com desenhos e obras de arte coloridas, incluindo representações de animais, paisagens e vários designs abstratos. A parte inferior das paredes é azul, enquanto a parte superior é branca, com vários desenhos infantis fixados. Há cadeiras vermelhas visíveis no primeiro plano, sugerindo uma área de assentos para alunos ou participantes. Na sala de aula estão duas pessoas. Uma mulher adulta jovem, parda, de cabelos pretos compridos, usando óculos, blusa preta e relógio dourado no pulso esquerdo. À sua frente, encostada em seu corpo está uma menina branca, de cabelos pretos lisos, usando blusa de uniforme escolar branca com mangas azuis e gola vermelha.

A professora Luzia vê as Cirandas como fundamentais para a formação da filha Luíza

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A articulação para realizar as Cirandas também procura integrar os pais às atividades para que eles também possam enxergar a potência e os encantos da comunidade. “Eu fico muito encantada e emocionada também, porque eu acho que é algo único. Não são todas as escolas, eu acredito, que têm esse privilégio de ter todo esse acompanhamento, todos esses dias dinâmicos. Isso aqui é uma aula para eles, é uma aula lúdica e eu sou apaixonada pelo lúdico”, afirma Luzia de Cássia, professora e mãe de Luíza, de cinco anos.

“É uma forma de mostrar para minha filha o quão especial é o lugar que a gente mora. Então é uma forma dela ver o quão lindo é. E não só ela, mas nós como os pais aprendemos também, aqui na escola eu acabei aprendendo a importância de não desmatar, da plantação e tudo mais”,reforça. A professora veio de São Paulo acompanhada dos pais para morar no Sítio Carrasco há 10 anos. Casou-se, construiu família, trabalha na comunidade em que mora e não pensa em sair do lugar.

O papel das prefeituras

Nas primeiras edições das Cirandas, as atividades aconteciam em associações, casas de lideranças comunitárias, embaixo de árvores, onde fosse possível. Mas o entusiasmo das crianças e o envolvimento das professoras e professores fortaleceram as Cirandas a ponto da AS-PTA apostar nas parcerias com os sindicatos e as prefeituras.

Em Esperança, duas das 17 escolas rurais recebem o projeto. Estas instituições já costumam trabalhar a partir do conceito de educação contextualizada à realidade rural, portanto o projeto reforça a dinâmica já existente. De acordo com a equipe da organização não governamental, a parceria ressaltou como as gestões municipais podem ajudar a fortalecer o pertencimento de seus estudantes nos territórios em que vivem, contrariando a lógica enraizada de que eles precisam sair da comunidade para se desenvolverem.

“As escolas rurais, além de trabalhar a valorização do lugar onde as crianças vivem, incorporam outros projetos que ressaltam a riqueza natural do território, valorizando o contexto de vivência das famílias dentro de uma dinâmica, inclusiva e inovadora, com práticas educativas que utilizam material concreto de acordo com a comunidade”, afirma Veridiana da Costa Duarte, coordenadora das escolas do campo do município.

Para que o trabalho seja desenvolvido, ocorre uma série de reflexões a partir do que já está previsto para ser trabalhado pelas instituições municipais. As discussões e o planejamento acontecem primeiro no âmbito do território, afunilando depois para o que será executado em cada município, envolvendo profissionais da educação, representantes das comunidades, dos sindicatos e a própria equipe da AS-PTA. Desse debate sai a definição das atividades, das abordagens e das temáticas que vão ser trabalhadas no ano, divididas em dois semestres.

“Com as crianças a gente faz toda a questão das experiências, elabora as atividades com eles para que eles possam desenvolver essas atividades e se apropriarem do tema, para que, no dia da Ciranda, eles possam fazer as apresentações”, afirma Jéssica da Silva, professora do ensino fundamental. “Nessa parceria a gente consegue fazer um trabalho que esteja de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é o documento que rege a educação, mas que também traga as vivências deles para dentro da sala de aula”, reforça.

Amigo da agricultura familiar

O projeto também possui um sistema de vínculo solidário, em parceria com a organização internacional ActionAid, que acompanha o desenvolvimento das crianças assistidas pelas Cirandas e apresenta o contato com o Amigo da Agricultura Familiar, como é chamado o doador, através de cartas e desenhos. São quase mil crianças acompanhadas na parceria, que vai da infância até a juventude. Esta é uma maneira de apresentar a efetividade do projeto, como as crianças estão bem e têm se percebido nesse processo de formação e valorização dos filhos e filhas do campo.

Infância inspirada, juventude ativa

Um dos articuladores do núcleo de educação da AS-PTA é Matheus Silva, jovem de 25 anos que foi cirandeiro – expressão usada para as crianças que participam do projeto – e hoje é considerado uma jovem liderança da comunidade e do sindicato do município. Matheus é uma das pessoas que visita os adolescentes para compreender como estão suas dinâmicas no território, os ajudando a olhar para a comunidade de uma maneira diferente, focando na perspectiva de viverem por meio da agricultura familiar.

Quando as crianças saem da escola do campo, avançando nos anos escolares, e vão para a cidade, o trabalho passa a ser desenvolvido de forma diferente. Se, quando pequenos, se encantam com as atividades lúdicas, ao chegar na adolescência tendem a olhar para o mundo com outros desejos. Desta forma o acompanhamento passa a ser feito pelo núcleo de Juventudes da organização.

A imagem mostra uma sala de aula com várias crianças e alguns adultos. As crianças estão usando uniformes combinando, com camisas brancas e calças ou saias azul-marinho. Elas estão sentadas em cadeiras vermelhas dispostas em fileiras, com as mãos levantadas, como se estivessem respondendo a uma pergunta ou se voluntariando para uma atividade. No primeiro plano, uma criança está de pé com os braços levantados. Um adulto está ajoelhado no chão em frente a essa criança, fazendo um sinal de paz com a mão. Outros adultos estão ao fundo da sala, alguns também com as mãos levantadas. As paredes estão decoradas com pôsteres educativos coloridos e trabalhos artísticos.

Matheus (à esq.) participou do projeto quando criança, agora faz parte da coordenação

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

“Hoje eu sou considerado um jovem referência para o território através da Ciranda. Começou lá aquele despertar que a equipe tanto fala. Eu ia cirandar na comunidade de Água Seca, um pouco mais acima da minha. Foi lá que surgiu aquele despertar, que eu me vi como agricultor mesmo. Vi que só eu poderia fazer diferente, eu não poderia deixar para o próximo. Eu tinha que mudar, falar e ser a voz ativa”, relembra Matheus.

Mas este despertar não ocorre apenas para as crianças, foi em uma das atividades que Edson Johnny, de 28 anos, atualmente dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares de Esperança, se encantou pelo trabalho de articulação do território. À época, era estudante de Pedagogia e estagiário em uma escola do campo, mas foi só se participar das reuniões de planejamento das Cirandas para encontrar seu espaço na luta pela defesa da agricultura familiar e agroecologia.

“A partir daí, eu passo por todo um processo de formação para entender o que é o movimento, o que é o sindicato, o que é a luta, para que eu possa, junto, atuar nas comunidades e, na condição de jovem, discutir com agricultores, de chegar em uma comunidade e reunir, articular, de mobilizar os agricultores. Tudo isso é motivo de muito orgulho”, enfatiza Johnny.

Hoje, além da atuação sindical, o jovem é estudante de Agronomia, compondo também a comissão executiva do Movimento de Juventudes do Polo da Borborema, além de fazer parte da rede de juventudes da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).

A imagem mostra uma cena interna onde uma pessoa, de costas para a câmera, está falando para um grupo de pessoas sentadas. A pessoa está em pé em frente a uma estrutura de madeira que se assemelha a uma porta, pintada de laranja, que emoldura a visão para a audiência. A sala tem paredes brancas decoradas com vários pôsteres e desenhos coloridos. As pessoas sentadas estão voltadas para a pessoa em pé, sugerindo que estão atentas, possivelmente participando de uma palestra ou apresentação.

Dia da apresentação do projeto é marcante na vida das escolas da Borborema

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A equipe de reportagem visitou os territórios a partir do convite da Rede ATER NE e AS-PTA, que executam o Projeto Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do Semiárido brasileiro. A iniciativa também é desenvolvida na Alemanha pela agência de cooperação internacional Pão para o Mundo (Brot fur de Welt, nome em alemão). A ação tem financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão).

AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.