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Estudo aponta o tamanho do abismo de raça e de gênero na educação básica

Maria Carolina Santos / 30/10/2024
A imagem mostra um grupo de jovens, negros e brancos, sentados em cadeiras de plástico preto, vistas de costas. As cadeiras estão dispostas em fileiras, e as pessoas parecem estar assistindo a uma apresentação ou palestra. Há uma pessoa em pé na frente, um pouco desfocada, possivelmente falando ou apresentando algo. Ao fundo, há um projetor com uma tela branca. A sala parece ser um ambiente educacional ou de conferência, com várias pessoas prestando atenção ao que está sendo apresentado.

Crédito: Observatório da Branquitude/Acervo

As desigualdades de gênero e de raça na educação brasileira estão expostas no novo boletim do Observatório da Branquitude, intitulado Desempenho escolar, raça e gênero: o que contam os dados do Saeb 2023. O estudo analisa as médias obtidas por estudantes do 9º ano nas provas de Língua Portuguesa e Matemática do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2023. Há disparidades significativas no desempenho escolar de alunos e alunas brancos e negros em todos os 26 estados brasileiros e no Distrito Federal.

A pesquisa cruzou as variáveis de raça/cor e gênero dos microdados disponibilizados publicamente pelo Ministério da Educação e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O Saeb acontece a cada dois anos e serve como base para o monitoramento da qualidade da educação em escolas públicas e privadas, além de ser útil para a formulação de políticas públicas.

Os dados analisados no boletim revelam que meninas brancas são o grupo com o melhor desempenho no teste de Língua Portuguesa. As meninas negras obtiveram a segunda maior média na disciplina, exceto nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, em que os meninos brancos obtiveram uma média maior do que as das meninas negras.

Ainda em Português, os meninos negros ficam com a pontuação mais baixa em relação aos demais grupos estudados em todas as regiões, acima apenas da média geral de cada estado. A exceção foi o Distrito Federal, onde meninos negros ficaram abaixo da média distrital.

Confira aqui todos os gráficos com os desempenhos por raça/cor e gênero por região

Já na Matemática, há uma mudança de gênero, mas não de raça/cor. Os meninos brancos assumem a dianteira com as melhores médias em quase todo o país – a única exceção é em Alagoas, onde meninos negros conseguiram a maior pontuação. No geral, meninos brancos se sobressaem aos meninos negros, às meninas brancas e às meninas negras, nesta sequência. Já o segundo melhor desempenho em Matemática é dos meninos negros, seguidos por meninas brancas e meninas negras. Somente em Roraima e Tocantins meninas brancas tiveram o segundo maior desempenho, seguidas de meninos negros e meninas negras.    

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O Observatório da Branquitude é uma iniciativa da sociedade civil criada em 2022 com o objetivo de produzir conhecimento e promover ações estratégicas com foco na branquitude e suas estruturas de poder. Com uma equipe composta integralmente por pessoas negras, a organização foi a primeira no Brasil a ter como tema central a análise da identidade racial branca e suas implicações na sociedade.

Pesquisadora do Observatório da Branquitude, Nayara Melo ressalta a importância de se considerar a interseccionalidade entre raça e gênero na análise dos resultados. “É importante observar que tanto o gênero quanto a raça configuram variáveis de peso na distribuição destas médias”, afirma. “Matemática, por exemplo, que se enquadra dentro das ciências duras, é uma disciplina que, historicamente, foi mais enfatizada para o sexo masculino. Percebemos pouco incentivo na inserção de mulheres dentro das ciências duras. Por outro lado, o português, por ter aspectos do que estaria mais associado a uma “sensibilidade”, é mais enfatizado para o sexo feminino”, acrescenta.

“Com esse estudo não estamos querendo avaliar a capacidade do estudante, mas observar que existem condicionantes externos e internos que podem atravessar a trajetória de aprendizagem dos estudantes. Observamos que estudantes negros terminam sendo mais afetados na sua trajetória educacional. É um processo e resultados que já são demonstrados em outras pesquisas, de outros níveis”, afirma Nayara.

Os dados no Nordeste e de Pernambuco

Em matemática, meninos brancos tiveram as melhores médias no Nordeste, assim como no Brasil. Meninos negros ficaram na segunda posição em oito de seus nove estados. À exceção foi Alagoas, onde pela primeira e única vez nesta análise, meninos negros lideraram o ranking com uma pequena diferença para os brancos, de 251.5 sobre 250.2, respectivamente.

Em português, o Nordeste também segue o Brasil, com meninas brancas à frente, seguida de meninas negras, meninos brancos e meninos negros. Tanto em matemática como em língua portuguesa, Pernambuco segue a mesma ordem prevalente no Nordeste e no Brasil.

O gráfico mostra a média das notas de Matemática no SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) por raça/cor e gênero na Região Nordeste do Brasil. As barras representam diferentes estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e são segmentadas em meninos negros, meninas negras, meninas brancas, meninos brancos e a média geral. Os valores das médias variam entre aproximadamente 217,5 e 266,1. As cores das barras ajudam a diferenciar cada grupo e a média geral.
Crédito: Observatório da Branquitude

Políticas públicas específicas

O boletim do Observatório da Branquitude não é o único a apontar desigualdades no ensino brasileiro. Análises do Saeb feitas por instituições como a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) mostram que adistância no aprendizado entre negros e brancos se acentuou no período de 2007 a 2019. “Quando observamos que essas disparidades de notas são reiteradas em diferentes estudos em relação tanto ao gênero quanto à raça é porque temos grupos que precisam que o Estado esteja mais presente”, afirma Nayara. “Ao observar que temos grupos que são mais atingidos, que carecem de mais apoio institucional do que outros, é necessário que esses grupos também tenham acesso a políticas específicas para eles”.

A pesquisadora afirma que o Governo Federal está se movimentando para colocar em prática políticas públicas que diminuam essas desigualdades. Ela cita como bom exemplo a recriação pelo governo Lula da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), extinta no governo Bolsonaro.

Recentemente, o Ministério da Educação (MEC) lançou a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq), elogiada por especialistas, e que tem como objetivo implementar ações e programas educacionais voltados para a população quilombola.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org