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Aerogerador desaba em parque eólico que voltou a operar após liminar da Justiça

Imagem de aerogerador de parque eólico dobrado ao meio e caído em uma área rural, ao lado de uma estrada de terra.

Crédito: Cortesia

Uma torre eólica caiu na noite desta quarta-feira, 12 de março, no município de Caetés, no Agreste de Pernambuco. O caso – que não é o primeiro na localidade – aconteceu por volta das 22h. O aerogerador que desabou é um dos 126 do Complexo Eólico Ventos de São Clemente, que voltou a operar há três semanas sem licença graças a uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).

Nas palavras do agricultor José Salgado da Silva Sobrinho, 42 anos, “foi um estrondo muito forte, foi uma devastação. Uma família contou que o gado se soltou e não voltou”. José vive numa comunidade próxima de Serra de Dentro, onde o aerogerador caiu nesta quarta, chamada Sítio Pau Ferro. “Graças a Deus, não foi aqui na nossa comunidade, porque aqui a maioria das torres fica na estrada que usamos. Estamos cercados de torres na beira do caminho”, diz.

Quando perguntado sobre o medo, ele responde rapidamente: “É uma ansiedade e um pânico passar pelas torres. Já é a segunda que caiu aqui na área”, relembra. José disse que tem dificuldade em puxar da memória quando o outro caso aconteceu – foi no final de 2021, conforme a MZ publicou em reportagem de maio de 2022. “Estamos com a cabeça a mil com o zumbido das torres 24 horas por dia”,justifica.

Em fevereiro, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) havia anunciado que o licenciamento do Complexo Ventos de São Clemente não seria renovado. A decisão foi tomada após dezenas de famílias agricultoras e indígenas Kapinawá ocuparem por dois dias a sede da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), na zona norte do Recife.

Uma das reivindicações dos agricultores e indígenas que ocuparam a Adepe era garantir o aumento da distância mínima entre os aerogeradores e as residências. No ano passado, o governo publicou uma Instrução Normativa em que estabelece uma série de regras para o setor eólico, porém deixou a questão da distância em aberto, para ser analisada caso a caso.

Dias depois da decisão da CPRH, o desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior, do TJPE, concedeu uma liminar à empresa Echoenergia autorizando o funcionamento do parque eólico. Na decisão, o magistrado ignorou os pareceres técnicos do órgão ambiental e aceitou os argumentos de natureza econômica dos advogados da empresa.

Em sua decisão, o desembargador citou o “grave risco de dano financeiro à empresa, que sofre prejuízo diário de R$ 600 mil, além do vencimento antecipado de contratos de financiamento no valor de R$ 500 milhões”. Soares Júnior concordou com o argumento empresarial de que a paralisação integral do complexo poderia gerar o “encerramento definitivo da empresa”.

Primeiro acidente em 2021

No final de 2021, uma das “pás” da torre do Complexo Ventos de Santa Brígida que fica nos fundos do terreno de Roselma de Melo explodiu e caiu.  A proximidade da torre levou pânico à família e aos vizinhos.“No dia que a hélice quebrou, foi muito assustador. Era de manhã cedo, meus filhos estavam dormindo ainda quando, de repente, a gente ouviu a explosão, no lugar que ela caiu destruiu todas as plantas. Isso porque foi só um pedaço da hélice, se tivesse sido a torre toda tinha feito um estrago muito maior”, relatou para a Marco Zero, em maio de 2022. (Ver vídeo abaixo)

São Clemente e Santa Brígida são “complexos irmãos”, ambos foram contruídos pela Casa dos Ventos, que depois vendeu os empreendimentos para empresas diferentes.

Barulho ininterrupto, doenças e prejuízos

Devido ao barulho dos aerogeradores, problemas de saúde como insônia, ansiedade, depressão e perda da audição se tornaram comum entre os agricultores do Sítio Sobradinho, comunidade vizinha ao complexo São Clemente, inaugurado em 2016.

Durante a ocupação do prédio público no Recife, um dos agricultores, Wallison José da Silva, de 31 anos, contou que perdeu parte da audição por causa da proximidade dos aerogeradores de sua casa, em Venturosa. O filho dele, de dez anos 10 anos, está tomando medicação para ansiedade, além de precisar de acompanhamento psicológico.

Segundo Wallison, os efeitos também se fazem sentir nos animais da criação da família: “Os porcos ficam tão estressados com aquele barulho que eles ficam se comendo, se mordendo. Tipo um canibalismo.” No caso das vacas, a produção de leite caiu de dez litros para, em média, seis litros a cada ordenha. As galinhas deixaram de pôr ovos.

Explicações da empresa

Na manhã de quinta-feira (13), a empresa isolou o local, impedindo os moradores de registrarem fotosouvídeos da torre que desmoronou. A Echoenergia também enviou uma nota para os agricultores que arrendam suas terras para a empresa informando que iniciou uma “investigação detalhada” junto à GE, fabricante e responsável pela manutenção dos aerogeradores. Leia abaixo a nota na íntegra:

A imagem é um comunicado oficial da empresa Echoenergia, direcionado à comunidade de moradores. Ela apresenta um texto que informa sobre um incidente ocorrido na noite do dia 12/03, aproximadamente às 22h20. O incidente envolveu um dos aerogeradores instalados no complexo eólico São Clemente, localizado em Caetés, no estado de Pernambuco. Apesar do ocorrido, os danos ficaram restritos a material na área, que é descrita como remota, e o local foi isolado imediatamente por questões de segurança. O comunicado ressalta que a empresa está iniciando uma investigação detalhada junto com a GE, a fabricante e prestadora de serviços de manutenção dos equipamentos, para determinar as causas do ocorrido. A mensagem reafirma o compromisso da Echoenergia com a segurança e o bem-estar de toda a comunidade. Para dúvidas ou maiores informações, a empresa disponibiliza uma Central de Relacionamento com a Comunidade, com o número de telefone (84) 98130-4938, e menciona que a colaboradora Carla Calado está à disposição para atender os moradores. No rodapé do comunicado, aparecem os logotipos da própria Echoenergia e do Grupo Equatorial, reforçando a identidade corporativa.
Crédito: Reprodução
AUTORES
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.

Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com