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por Manuela d’Ávila* e Eugênia Lima**
A proximidade entre o 1º de maio, Dia das Trabalhadoras e dos Trabalhadores, e o Dia das Mães, comemorado neste ano no dia 11 de maio, é uma oportunidade para refletirmos sobre o descompasso entre a forma como está organizado o mundo do trabalho e o papel social atribuído às mães.
A consolidação da escala de trabalho 6×1 se deu em um momento histórico no qual vigorava a ideia de que o principal papel das mulheres na sociedade era o de cuidadora da família e do lar. Apesar de sabermos que a dedicação exclusiva aos trabalhos domésticos nunca foi uma realidade para as mulheres pobres e negras, que sempre lidaram com a sobrecarga da busca pelo sustento material e o trabalho doméstico, a crescente presença das mulheres no mercado de trabalho, resultado de décadas de luta feminista, escancara a contradição entre o direito ao trabalho e a responsabilização solitária pelo cuidado.
O trabalho de cuidado é essencial à sustentação da vida. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que, se contabilizado, o trabalho relacionado aos afazeres domésticos e cuidado da família acrescentaria 13% ao PIB brasileiro. O mesmo estudo indica ainda que esse trabalho não pago é realizado majoritariamente pelas mulheres, que em média dedicam mais que o dobro de horas por semana a essas atividades do que os homens.
Mesmo em contextos urbanos como o da Região Metropolitana do Recife, a desigualdade é gritante: mulheres chefes de família gastam até 22 horas semanais apenas com tarefas domésticas. Essa sobrecarga retira o direito de nós mulheres ao descanso, ao lazer, à plena participação na vida cultural e política e é um importante obstáculo à construção de nossa autonomia financeira. Apesar das mulheres terem alcançado níveis educacionais mais altos que os homens, ainda somos minoria nos cargos de chefia e ocupamos mais trabalhos em tempo parcial, o que faz com que as mulheres brasileiras tenham um rendimento médio 20% menor do que os homens.
A invisibilidade histórica do cuidado como trabalho é sustentada por uma lógica patriarcal que transfere às mulheres, especialmente às mães, a obrigação exclusiva de sustentar a vida. A superação de tal situação requer medidas amplas e diversas voltadas à valorização do cuidado como direito e responsabilidade coletiva. Meninos e homens precisam ser educados para o exercício do cuidado de si, do outro e do ambiente em que vivem. O setor privado deve se responsabilizar e arcar com os custos da sustentação da vida. O Estado, além de prover políticas públicas que absorvam o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres com, por exemplo, ampliação de vagas em creches, em escolas de tempo integral e serviços de saúde, deve induzir mudanças amplas para a promoção do cuidado como responsabilidade coletiva. No lugar da omissão e do silêncio, é urgente que as políticas públicas reconheçam o cuidado como uma função social que sustenta o conjunto da vida em sociedade.
É nesse sentido que estamos propondo legislações concretas voltadas à promoção de direitos para trabalhadoras e trabalhadores que exercem o cuidado cotidiano. Uma das medidas mais urgentes é a que garante o abono de faltas para quem precisa acompanhar filhos, tutelados ou pessoas sob sua responsabilidade em situações de saúde ou escolares. Elas buscam transformar a contratação pública em instrumento de indução de práticas justas e inclusivas, fortalecendo uma rede de proteção à infância, à família e às cuidadoras e cuidadores.
Atualmente, a CLT assegura ao trabalhador e à trabalhadora o direito de se ausentar do trabalho, sem prejuízo do salário, em duas situações específicas relacionadas aos filhos: para acompanhar crianças de até seis anos em consultas médicas e para participar de reuniões escolares, limitado a um dia por ano. Qualquer pessoa que acompanha minimamente a rotina de uma criança ou adolescente sabe que esta regulamentação é completamente insuficiente. É chocante pensar que a legislação brasileira parte do pressuposto de que sempre haverá uma pessoa sem vínculo empregatício, disponível para levar crianças maiores de seis ao serviço de saúde. Nesse sentido, nossa proposta diz também sobre os direitos de pessoas vulneráveis como crianças, adolescentes e idosos de terem o devido acesso ao cuidado.
Atualmente, mulheres dependem da boa vontade e favores de chefes para exercer o cuidado. E sabemos que relações trabalhistas desregulamentadas são um campo fértil para abusos e assédios.
Essa medida é especialmente benéfica para as mulheres mães, que historicamente carregam o maior peso das responsabilidades domésticas e do cuidado com os filhos, muitas vezes acumulando jornadas duplas ou triplas de trabalho. Políticas públicas que promovem o compartilhamento do cuidado ampliam a participação de mulheres na política e assim, a democracia. Além disso, a rigidez das relações de trabalho e a falta de políticas de apoio à parentalidade contribuem para que muitas sejam prejudicadas em suas carreiras, com menos oportunidades de contratação, crescimento e maior vulnerabilidade à demissão.
Um direito como esse representa um avanço necessário para reduzir a desigualdade de gênero no mundo do trabalho e reconhecer, ainda que minimamente, o valor social do cuidado. Mas ele também representa algo mais profundo: a chance de transformar a cultura patriarcal que ainda estrutura o trabalho e a vida no Brasil.
A luta pelo reconhecimento da maternidade como trabalho não é apenas uma reivindicação por direitos — é uma convocação para reorganizarmos a sociedade em torno do cuidado e da vida. Por isso, não basta denunciar. É hora de agir. É hora de legislar. E de fazer do cuidado uma política de Estado. A maternidade é trabalho. E precisa virar lei.
*É jornalista e doutoranda em políticas públicas pela UFRGS. Foi a vereadora mais jovem de Porto Alegre, deputada federal mais votada do Brasil e deputada estadual mais votada em 2014.
**Vereadora de Olinda, advogada e mestra em desenvolvimento urbano.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.