Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

“O pobre e o negro precisam saber quem são seus inimigos”, afirma Jessé Souza na Flup

Maria Carolina Santos / 12/09/2025
A foto mostra um evento cultural em um palco. Três pessoas estão sentadas em cadeiras de auditório no centro, participando de uma conversa: à esquerda, uma mulher de vestido claro; no meio, um homem de camisa branca; e à direita, um homem de roupa escura. Eles estão diante de um fundo vermelho com logotipos e o nome do evento escrito em destaque: “Flup – A Festa Literária das Periferias”. À direita do palco, um intérprete de Libras em pé traduz a fala dos participantes. Em frente ao palco, várias pessoas do público assistem sentadas em cadeiras de plástico brancas.

Crédito: Juliana Amara/FlupPE/Divulgação

Até este domingo (15) o vão de entrada do Compaz do Alto Santa Terezinha recebe a Festa Literária das Periferias de Pernambuco, a Flup-PE. A noite de abertura, na quarta-feira (10), contou com uma instigante conversa entre o sociólogo Jessé Souza e a escritora Bianca Santana sobre a juventude negra e seus desafios, com mediação da educadora Jéssica Santos. Para uma plateia cheia, Jessé e Bianca falaram sobre como a esquerda precisa se comunicar com esse numeroso e importante público – e que, em tempos de capitalismo selvagem, sonhar e imaginar outros mundos é imprescindível.

Em uma de suas falas, Jessé argumentou que a esquerda brasileira falhou em transmitir suas ideias de forma eficaz, focando apenas em políticas econômicas sem conseguir conectar-se verdadeiramente com as massas. O sociólogo citou uma pesquisa que coordenou em 2010 com pessoas das periferias que haviam ascendido social e economicamente pelos programas dos governos de esquerda. Ao serem questionadas a quem atribuíam sua melhoria de vida, a maioria atribui a convicções religiosas, sem reconhecer as ações governamentais.

Para mudar essa realidade, Jessé Souza aponta que o caminho é a informação. “O pobre e o negro precisam saber quem são seus inimigos”, afirmou. “Você tem que reconstruir uma interpretação que faça com que o jovem negro saiba quem é o inimigo dele. O inimigo dele tem nome, está na Faria Lima. É esse pessoal que vai comprar o Congresso, que tem a imprensa, que vai dominar o Banco Central, que vai montar o sistema de juros”, continuou.

O sociólogo, que é um dos idealizadores do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), acredita que é necessário um esforço conjunto para reconstruir a interpretação do mundo dos brasileiros, de forma crítica e bem informada. “Não temos um DNA que vai definir como é que vai ser o nosso comportamento. Nós somos seres humanos. Isso significa que as ideias são o que é mais importante no mundo. Se você muda a interpretação que você tem de você e do mundo na sua cabeça, você já mudou. Uma população que é oprimida, reduzida à miséria, precisa ser esclarecida. E a maior parte das pessoas que estão com a mão na massa da política sequer percebem isso como uma necessidade”, criticou.

“Sem tocar na questão da hegemonia das ideias, não vamos conseguir mudar o Brasil. Há muita gente que acha que isso é uma questão acadêmica. Não, isso é um assunto prático. Se você não tem informação plural para formar sua própria opinião, você vai ser manipulado, você vai ser feito de imbecil”, pontuou. “Temos no país, já há algum tempo, coisas boas que são feitas pela imprensa alternativa. Mas não chega na periferia, não chega no interior. É consumido pela classe média, basicamente. Eu acho que faltam políticas públicas para informar a população”, disse.

Imaginar novos mundos

Para Bianca Santana, a disputa de narrativa, de que o Jessé Souza fala, passa também pela produção de literatura, arte, cultura e mídia. “Passa por a gente disputar no imaginário coletivo qual é a verdade, qual é a nossa história e o que a gente deseja”, disse.

Bianca falou sobre a importânica de pessoas pretas produzirem literatura e descreveu o conceito da escrevivência, proposto pela escritora Conceição Evaristo. “A escrevivência surge como um ato de apropriação da pena, em que as mulheres negras passam a contar suas próprias histórias e as histórias do Brasil a partir de suas próprias experiências vividas e dos seus corpos, escrevendo em primeira pessoa, falando de si mesmas, desafiando as narrativas dominantes”, detalhou.

A foto mostra um momento de debate em um palco. Em primeiro plano, à esquerda, está Bianca Santana, uma mulher negra de pele parda e cabelo crespo curto, usando um vestido ou túnica branca. Ela segura um microfone próximo à boca e fala para o público, com expressão séria e concentrada. Ao lado dela, um pouco mais ao fundo, há outra pessoa, também vestida de branco, sentada em uma poltrona e observando atentamente. O fundo do palco é vermelho, com a sigla “Flup” e a frase “A Festa Literária das Periferias” em destaque, além de um painel amarelo com outros elementos gráficos.

A escritora Bianca Santana falou sobre a importância de ler para imaginar novos caminhos

Crédito: Juliana Amara/FlupPE/Divulgação

A escritora afirmou que hoje as pessoas negras produzem literatura de todo tipo, para todo gosto. “E, ainda assim, a gente precisa demais. Porque quando eu leio essa literatura – que pode ser sobre um lugar perto da gente, ou sobre o futuro, ou uma redenção do passado, até de um lugar muito diferente do meu – isso me abre possibilidades novas de existência. Eu posso imaginar, por exemplo, para mim, para a minha família, para o meu coletivo, o que eu não tinha imaginado ainda. Eu posso inventar possibilidades que eu não teria condições de inventar se eu não tivesse lido”, afirmou.

Além das mesas com discussões, a Flup-PE conta com uma feira de livros e barraquinhas com comidas vegetarianas. Um dos destaques do festival é a presença do premiado escritor Itamar Vieira Júnior, nesta sexta-feira, às 19h. O Compaz do Alto Santa Terezinha fica na avenida Aníbal Benévolo, s/nº. Não é necessário reservar ingresso, é só chegar por lá.

Confira a programação completa da festa, que nesta primeira edição em Pernambuco homenageia o poeta Solano Trindade:

SEXTA-FEIRA (12 de setembro)

15h
– Lançamento de autores independentes: Samuel Santos (Maria Preta), Luciene Nascimento (Tudo nela é de se amar) e Marcondes FH (Rosa Menininho)

17h – Mesa 1: A força e a resistência do sagrado em Pernambuco

● Palestrantes: Pai Ivo, Mãe Beth de Oxum

● Mediação: Pai Lívio

18h30 – Mesa 2 : A arte como vetor, movimento e inspiração

● Palestrantes: Salgado Maranhão, Isaar

● Mediação: Luciana Queiroz

20h – Mesa 3: A quem a arte incomoda? E a quem deve servir?

● Palestrantes: Itamar Vieira Jr, Vitor da Trindade

● Mediação: Lenne Ferreira

21h30 – Lançamento de Livros de Itamar Vieira e Vitor da Trindade

SÁBADO (13 de setembro)

14h – Lançamento de Livros de autores independentes: Eron Villar (editor de O Carnaval de Capiba), Vera Lúcia e Wedna Galindo (Espanador não limpa poeira) e Fátima Soares (Ossos)

15h – Mesa 1: Sonhos vivos: o poder da cultura na construção social

● Palestrantes: Jeff Alan, Andala Quituche

● Mediação: Thayane Fernandes

16h30 – Mesa 2: O futuro é agora e feminino. E a literatura também

● Palestrantes: Marilene Felinto, Lorena Ribeiro

● Mediação: Bell Puã

18h30 – Mesa 3: Pioneiras, sim! Sozinhas, não!

● Palestrantes: Sônia Guimarães, Robeyoncé Lima

● Mediação: Renata Araújo

18h – Lançamento de livros com Thayane Fernandes, Lorena Ribeiro, Marilene Felinto

20h30 – “Se eu fosse Malcolm” – apresentação teatral de Eron Villar e DJ Vibrasil

DOMINGO (14 de setembro)

14h – Lançamento de livros de autores independentes: João Gomes (Revezamento Secreto), Célia Martins (Ara-Y), Maria Cristina Tavares (As aventuras de Bayo em Terras Africanas) e Robson Teles (Ave, Guriatã)

15h – Mesa 1: Acessos e permanências: nosso lugar é todo lugar

● Palestrantes: Luciany Aparecida, Amanda Lyra

● Mediação: Érico Andrade

16h30 – Lançamento de livros

● Érico Andrade e Luciany Aparecida

17h – Mesa 2: Entre sons e sensações: palavra é música e música é poesia

● Palestrantes: Ellen Oléria, Lucas dos Prazeres

● Mediação: Marta Souza

19h – Encerramento com apresentação artística de Lucas dos Prazeres e participação da cantora Ellen Oléria

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org