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COP30 na Amazônia pode aquecer debate sobre papel do Brasil na transição energética
por Daniel Nardin, do site Amazônia Vox
Escolhida como um dos três temas das sessões técnicas que vão pautar as discussões dos chefes de Estado na Cúpula do Clima, nesta quinta e sexta-feira (7), a transição energética também será um dos pontos centrais da 30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP30), de 10 a 21 de novembro, em Belém.
Ao tratar do tema há duas semanas, na Indonésia, Lula fez uma conexão óbvia, embora evitada, no debate sobre transição energética: a dependência da mineração para a produção de equipamentos e materiais utilizados em fontes renováveis, como a eólica e a solar.
“Não pretendemos reproduzir a condição de meros exportadores de commodities. Queremos agregar valor em nosso território, com responsabilidade ambiental e respeito às comunidades locais”, afirmou emseu discurso.
Lula praticamente repetiu otom que usou na aberturada Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos, em setembro. “A corrida por minerais críticos, essenciais para a transição energética, não pode reproduzir a lógica predatória que marcou os últimos séculos”, disse.
O tema terá ainda mais sentido quando for abordado pelo presidente brasileiro na capital do Pará. O estado divide com Minas Gerais a maior produção mineral do país, somando 76% dofaturamento desse setorem 2024, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Crédito: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR
Em território paraense, os números de exportação mineral são expressivos: o setor representa 84% de toda a exportação do estado, totalizando 22,9 bilhões de dólares (sendo US$19,3 bilhões apenas em produtos minerais), tendo as empresas Vale, Hydro e MRN como líderes do setor no estado.
De acordo com dados daBalança Comercial do Paráde 2024, elaborada pela Federação das Indústrias do Estado (Fiepa), o minério de ferro lidera as exportações, seguido pelo minério de cobre, alumina e alumínio.
É um setor que possui peso econômico, mas ainda voltado para a exportação de commodities e com baixa agregação de valor. Um cenário que, segundo o discurso de Lula e da equipe governamental, precisa ser superado, sobretudo com minérios mais estratégicos e essenciais para a transição energética, como terras raras e silício, entre outros.
Para a especialista em energia renovável e membro da Rede Amazônidas pelo Clima (RAC), Thaynara Leal, a contradição estrutural que o país enfrenta está posta com os impactos socioambientais da exploração mineral nas comunidades para atender à demanda crescente da transição energética.
“Não é possível falar em desenvolvimento de novas tecnologias de energia renovável sem considerar a mineração, já que muitas delas dependem diretamente desses recursos. Em vários países da América Latina, já existem debates sobre o lítio, por exemplo, seus impactos, a necessidade de transferência de tecnologia e os modelos de governança. Essa discussão se estende também a outros minerais e ao potencial, tanto positivo quanto negativo, associado à sua exploração”, alerta.
Thaynara também defende um debate mais aberto e transparente sobre o tema. “É preciso refletir sobre as consequências dos impactos, tanto no presente quanto no futuro. Trata-se de uma discussão complexa e desafiadora, mas que precisa ser enfrentada, e que deve incluir também os países que utilizam minerais brasileiros, em busca de uma exploração e desenvolvimento mais equilibrado”, alerta.
Em Brasília, o tema também tem avançado no Congresso Nacional. O Projeto deLei PL 2780 de 2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), teve regime de urgência aprovado na Câmara dos Deputados e está pronto para votação no plenário.
O cenário mencionado por Lula na Indonésia e nos Estados Unidos pode ser observado a apenas cerca de 50 quilômetros em linha reta do Parque da Cidade, em Belém. No Porto de Vila do Conde, em Barcarena, a cor dos telhados de casas e comércios vem mudando nos últimos anos, acompanhando uma tendência observada em todo o país. O vermelho ou cinza fosco das telhas cada vez mais dá lugar ao azul-escuro espelhado dos painéis solares.
Em Marabá, no sudeste paraense e distante cerca de 500 quilômetros de Belém, o cenário é o mesmo. A diferença é o fundo da paisagem. Enquanto em Barcarena é possível ver os navios cruzando as águas do Rio Pará para exportar produtos do setor mineral, em Marabá são os trilhos e vagões de trem que carregam minério de ferro e cortam a cidade.
Crédito: Sérgio Barros/Amazônia Vox
Ambas imagens retratam a posição atual do país, que exporta minério e importa tecnologia há décadas. Agora, assim como o restante do mundo, compra painéis solares, baterias e veículos elétricos fabricados em boa parte pela China.
Os números comprovam a franca expansão da energia solar no Brasil. Em 2024, o país alcançou um novo marco histórico, registrando um acréscimo de 10,9 gigawatts (GW) na matriz de geração elétrica.
Foi o maior crescimento já registrado desde 1997, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Conforme divulgado pelarevista Exame, com dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o país figurou como quarto maior mercado de energia solar no mundo, ficando apenas atrás da China, Estados Unidos e Índia.
De acordo comdadosda Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Pará está na 11ª posição entre as 27 Unidades da Federação com maior capacidade instalada. Entre os municípios, a capital Belém tem maior destaque e aparece na oitava posição, à frente de São Paulo.
Vale destacar que o aumento de instalações de energia com placas solares em residências e comércios ocorre mais por razões econômicas do que pela consciência climática. Em um dos muitos paradoxos da Amazônia, osparaenses pagam a tarifa de energia mais cara do país, mesmo sediando em seu território duas das maiores hidrelétricas do país: Tucuruí, que entrou em operação na década de 1980, e Belo Monte, que iniciou a operação em 2019. Ambos empreendimentos também marcados por impactos socioambientais nas comunidades próximas.
Por preço mais acessível ou por compromissos climáticos, o fato é que a demanda por equipamentos de energia renovável é crescente e não é novidade. Foi mencionada em um dos textos aprovados na COP 28, em Dubai (Emirados Árabes Unidos), a meta detriplicar a capacidade mundial instalada de energia renovável para 11 mil GW até 2030como uma das frentes do esforço global para reduzir emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Crédito: Amazônia Vox
Em 2024, umrelatório divulgadopelo Painel do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Minerais Críticos para a Transição Energética destacou o esforço global para expandir a produção dos chamados minerais críticos, classificados como aqueles que são “simplesmente necessários para construir, produzir, distribuir e armazenar energia renovável”. A lista inclui, entre outros, o cobre, alumínio, cobalto, níquel, lítio, grafite e elementos de terras raras (ETRs).
No início de outubro, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), publicou o relatórioFinanciando o suprimento responsável de minerais da transição energética para o desenvolvimento sustentável, que reforçou um alerta ao setor.
O documento enfatiza que, embora o aumento na produção de minerais críticos seja essencial para o cumprimento das metas climáticas, o crescimento da mineração sem controle ou regras rígidas levará a danos socioambientais consideráveis, como perda de biodiversidade, contaminação de solo e água e o aumento de casos de violação de direitos humanos.
“Se esse crescimento na mineração for implementado de acordo com as práticas convencionais atuais, resultará em danos sociais e ambientais consideráveis, afetando negativamente as comunidades locais e o meio ambiente onde as minas estão localizadas”, diz o documento.
O relatório ressalta ainda que atender à demanda por esses minerais até 2030 exigirá investimentos de até 450 bilhões de dólares em sua produção. No entanto, o financiamento dessa extração deve ser reformulado para promover uma produção ambiental e socialmente responsável, além de garantir a distribuição equitativa dos benefícios financeiros, econômicos e sociais”, diz o relatório do Pnuma.
Para Herbert Garcia Viana, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em tecnologia mineral pela Universidade Federal do Pará (UFPA), o mercado global e os fluxos comerciais e industriais dos minérios críticos para a transição energética revelam também as desigualdades na distribuição de poder ao longo das cadeias de valor. Esse é um dos temas discutidos no livroDireito Minerário e Transição Energética – Minérios Críticos, Regulação e Soberania, publicado este ano.
Em entrevista com à reportagem do Amazônia Vox, ele contextualiza o termo minerais críticos, que não se refere a um tipo de minério e sim um grupo de elementos que são utilizados na economia. Em outras palavras, se tornam essenciais ou críticos no sentido de necessários ou indispensáveis pela demanda. “O minério é crítico de acordo com a época, ou seja, sempre foi um instrumento de poder monetário”, resume.
O professor, que também já atuou no setor de mineração no Pará, comenta as fases que ajudam a compreender melhor a dinâmica atual. “O Brasil sempre esteve nesse papel de fornecedor. Primeiro com o ouro. Depois, o minério de ferro e o manganês passaram a ser críticos, pois era o contexto da segunda revolução industrial, em que os países estavam se industrializando e criando sua infraestrutura”, disse.
Viana destaca que a chamada “tradição mineral” nos países do Sul Global é, na verdade, uma imposição. “Essa tradição é uma imposição. Ou seja, não querem que a gente nunca saia disso, de ser o fornecedor da commodity. Os países industrializados e desenvolvidos são aqueles em que dominam tecnologia e querem o fornecimento da matéria prima para beneficiar e vender”, explica.
O pesquisador destaca que as revoluções industriais, lideradas pelos países desenvolvidos, foram determinantes para a configuração da geopolítica da mineração – como quando vem a eletrônica, quando passa a ser necessário germânio e o silício, por exemplo.Agora, segundo ele, está aberto um novo momento, com o movimento da transição energética, que busca sair das matrizes fósseis para as matrizes renováveis. “E aí surge a necessidade de minérios como o lítio, as terras raras, o cobalto, entre tantos outros”, explica.
Para que esse cenário mude, é preciso construir um plano de ação. Com um mercado consumidor interno consolidado, uma neutralidade positiva geopoliticamente, uma indústria mineral de ponta, universidades e profissionais com experiência, para Viana, aqui sim, cabe a palavra tradição, neste caso de conhecimento. A questão, novamente, é ter um plano.
O professor exemplifica com o atual cenário da China, que lidera nesse setor, resultado de um processo de décadas. “O principal fator é o plano. A China estabeleceu um plano e seguiu, foi racional. Esse é o problema, a gente (Brasil) não tem um plano ainda”, lamenta.
Para Viana, o Brasil tem condições de liderar a transição energética, mas que requer um plano mais audacioso, com investimento e tempo. Com sua base em matriz renovável, diferente dos países desenvolvidos, poder de questionar e liderança, existe potencial, mas não é suficiente. “O cenário muda, então o Brasil tem que construir um plano e definir qual o Brasil que a gente quer na transição energética e o papel da indústria, da sociedade, do governo”, comenta.
Atenta aos debates sobre o tema nos espaços de negociação climática, Thaynara Leal, da RAC, destaca a importância de promover inovações tecnológicas que reduzam a dependência tanto da mineração quanto das cadeias produtivas dominadas pela China. Para ela, é preciso buscar alternativas que conciliem desenvolvimento e preservação ambiental.
“Não é possível afirmar que a mineração seja sustentável. Querendo ou não, ela impacta a biodiversidade, as pessoas e o solo. Mesmo com esforços de recuperação, o ambiente nunca volta a ser o que era”, observa.
Crédito: Acervo pessoal
Para avançar diante do cenário atual, o caminho seria investir mais em inovação e pesquisa. “O país poderia desenvolver alternativas próprias, como as chamadas organic photovoltaic cells, células solares que combinam substratos orgânicos em camadas finas de plástico”, sugere.
A tecnologia é apontada como promissora, embora ainda em pequena escala e com potencial de geração limitado. Seja essa ou outra solução, para a esspecialista, o importante é que o Brasil defina uma estratégia clara, com políticas, investimento e pesquisa consistentes.
Thaynara reconhece que, até que o país desenvolva novas soluções, a dependência da mineração será inevitável. No entanto, acredita ser fundamental estruturar cadeias de uso e reuso de equipamentos fotovoltaicos e investir em tecnologias de reciclagem dos demais componentes eletrônicos.
Na Europa, já existem iniciativas voltadas para esse objetivo, como o programa PV Cycle. No Brasil, diversas organizações e associações, como a Absolar, têm criado grupos de trabalho para estudar o reuso e a reciclagem desses sistemas, embora esse movimento ainda seja inicial.
“Talvez o caminho não seja buscar uma solução completa, mas investir em tecnologias de reciclagem, como o país já faz com o alumínio, aproveitando esse potencial também para o setor de energias renováveis”, propõe.
Nesse sentido, o improviso precisa ser deixado de lado. A especialista também aponta o caminho para um planejamento robusto voltado à educação, pesquisa e tecnologia. Levando em conta o forte sistema universitário e polo industrial relevante, é preciso avançar no que ainda está em estágio inicial: o reuso e a reciclagem dos novos geradores de energia limpa.
“Esse será um grande desafio nos próximos anos, quando começar o descomissionamento das usinas solares, e também das eólicas, que estão sendo instaladas agora. Ter um plano de reciclagem e reuso em desenvolvimento desde já poderá colocar o Brasil em posição de vantagem, reduzindo impactos ambientais e econômicos no futuro”, conclui Thaynara.
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