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Um abaixo-assinado quer que a Prefeitura do Recife reabra os canais para discussão sobre o projeto que, por 30 anos,vai conceder à iniciativa privada uma parte do bairro de Santo Antônio, no centro da capital. Chamado pela prefeitura de Distrito Guararapes, o projeto envolve a compra e reforma de 14 prédios, sendo 12 para habitação, e a requalificação de mais de 35 quadras do bairro, incluindo novos quiosques para o comércio de rua, além da construção de deques e espaço cultural dentro do rio Capibaribe. Nos prédios habitacionais, serão ofertados 873 kitnets com metro quadrado mais caro que a média do Recife.
Apesar das profundas mudanças que o projeto propõe, ele não foi devidamente discutido com a população recifense. Houve apenas uma única audiência pública, que foi realizada de forma online, sem conceder a palavra aos participantes, com as perguntas sendo feitas por escrito. A audiência também não foi divulgada pelos meios de comunicação da prefeitura, nem para a imprensa. “Foi uma audiência pública apenas para cumprir o regulamento”, critica a arquiteta e urbanista Vera Mayrinck, professora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e integrante do Núcleo de Vivências e Lutas Democráticas Casa Forte, grupo que está à frente do requerimento.
A ideia é chegar até mil assinaturas no abaixo-assinado e entregar o requerimento em uma reunião com o prefeito João Campos (PSB). “A prefeitura está investindo uma quantidade enorme de recursos para a iniciativa privada. E como é que é se dará essa relação? Isso precisa ficar mais claro para a sociedade. A gente precisa ter mais clareza de como é que vai se dar essa intervenção no centro do Recife”, diz Vera Mayrinck.
Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, Norma Lacerda é uma das idealizadoras do abaixo-assinado. Ela participou da audiência pública – que a prefeitura do Recife disse que contou com apenas 70 participantes – e levantou, ao lado do arquiteto e pesquisador Vinícius Dantas, vários pontos que precisariam ser melhor esclarecidos pelo poder público.
A prefeitura respondeu às seis perguntas em uma única fala, deixando de fora importantes questionamentos como, por exemplo, o motivo de não se manter a propriedade pública dos apartamentos de interesse social e alugá-los – ao invés da venda pelas faixas de renda mais altas do Minha Casa, Minha Vida – e como será monitorada a concessão durante os 30 anos de vigência. Em entrevista para a Marco Zero no começo deste mês, o secretário de Desenvolvimento Urbano Felipe Matos afirmou que outra parte do centro do Recife é alvo de mais uma parceria público-privada (a PPP Morar no Centro) onde vai haver aluguel social.
“Para mim o maior problema, além da privatização do espaço público, é a ausência de mecanismos distributivos no âmbito da própria operação. Nada de repartir ganhos, nada de cota de solidariedade”, diz Norma Lacerda. “Ademais, como se dará o controle por parte da sociedade?”, questiona.
A intenção do grupo é de que a mobilização no abaixo-assinado leve a prefeitura a reestruturar o projeto, dessa vez realmente ouvindo a população e os principais interessados, como moradores, comerciantes e ambulantes da área.
O projeto para o Distrito Guararapes tem financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e estava em curso há mais de dois anos. Ainda assim, a prefeitura do Recife e o prefeito João Campos só divulgaram o projeto horas após a realização da audiência pública e quando faltava menos de uma semana para o encerramento do prazo de consulta pública sobre a proposta.
Para a integrante do Núcleo de Vivências e Lutas Democráticas Casa Forte, Elani Ximenes essa falta de publicidade para os projetos de concessão da prefeitura é sistemática. “Foi assim com a concessão dos parques do Recife, com a orla de Boa Viagem e, agora, com o centro do Recife. A conversa da Prefeitura com a sociedade é quase nula. É tudo faz de conta: o debate não acontece”, diz.
Elani critica o fato da prefeitura e do prefeito João Campos investirem bastante em publicidade, mas esconderem os projetos mais controversos da população. “Tem muita mídia, tem muito falatório do prefeito, mas participação, acesso à palavra não se tem. E a cidade está sendo toda privatizada sem quase nenhuma discussão. Daqui até 30 anos tudo estará nas mãos das mesmas pessoas. A gente vê os parques que foram privatizados, como é que já estão, o que já está acontecendo, cheios de propaganda”, reclama.
Proposta prevê entrega da avenida Guararapes à empresas privadas por três décadas
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroJornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org