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Crédito: Igreja Universal/Divulgação
Não foi a intenção do autor e não está escrito em nenhuma das 382 páginas do livro, mas o relato do jornalista Gilberto Nascimento em O Reino – A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal ajuda a desmentir a tese disseminada pelas redes sociais de que o crescimento dos evangélicos nas periferias só acontece porque “a esquerda teria abandonado o trabalho de base”.
Em
sua minuciosa reportagem, enriquecida com um exaustivo trabalho de
pesquisa, Nascimento conta a trajetória que levou um jovem
interiorano de uma família remediada a tornar-se o bilionário bispo
e empresário Edir Macedo. Para enriquecer e fazer sua igreja
crescer, Macedo – assim como os demais líderes evangélicos –
ocupou o vácuo deixado na
periferia. Esse vazio, no entanto, não era
dos partidos de esquerda, mas
sim da
Igreja Católica Apostólica Romana.
A intensa atividade dos templos evangélicos, com cultos, vigílias e jornadas a toda hora, contrastava – e ainda contrasta – com as capelas católicas fechadas, ao mesmo tempo em que os párocos, ricamente paramentados e de fala empolada, celebravam casamentos para milionários nas igrejas matrizes. Enquanto isso, em paletós surrados pastores evangélicos prometiam o paraíso na terra em troca de dinheiro.
O livro mostra como, sem rodeios e sem latim, Edir Macedo manipula os textos bíblicos a seu modo para oferecer aos fiéis uma relação comercial com um Deus disposto a aceitar sócios minoritários em seu reino na Terra. Algo mais fácil de entender e de convencer que uma homilia sobre a vida eterna no céu.
A última pesquisa do Datafolha sobre o perfil religioso da população brasileira, não deixa dúvidas do sucesso dessa retórica herdada do catolicismo medieval, onde os sacerdotes vendiam o perdão divino e um pedacinho no céu no atacado e no varejo para a nobreza.
Um dos mais respeitados repórteres que atuaram nas grandes redações da mídia brasileira no final do século XX e início deste século, Gilberto Nascimento também é um dos mais discretos e avessos ao marketing pessoal. Seu estilo está presente ao longo de O Reino, marcado por uma narrativa que permanece fiel ao produto da apuração rigorosa, onde o autor não emite opiniões nem tenta “aparecer” mais que os fatos.
É assim que ele demonstra o culto de Edir Macedo à ignorância alheia. Ao contar que o bispo encerrou o projeto de um curso superior de teologia para seus pastores por entender que estudar teologia “não leva à nada”, pois o que interessava são “pastores com boa conversa, que saibam argumentar e convencer as pessoas, comandar uma boa sessão de milagres e exorcismo, e fazer uma boa coleta”. De dinheiro, lógico.
No parágrafo seguinte, a explicação para essa repulsa está nas próprias palavras de Macedo, publicadas em um dos seus livros. Para ele, o estudo da teologia “nada faz pelo homem senão talvez aumentar sua capacidade de discutir e discordar”. Nascimento não faz qualquer juízo de valor, mas as conclusões estão ao alcance de qualquer leitor, por menos crítico que seja.
Um dos pontos altos de O Reino é o detalhamento do laranjal da Igreja Universal do Reino de Deus, acionado sempre que era preciso adquirir uma emissora de rádio ou de TV com dólares enviados ilegalmente para o exterior. Nascimento é didático, sua prosa econômica vem a calhar para explicar procedimentos tão complexos quanto ilegais.
Algumas das artimanhas de Edir Macedo e sua turma são reveladas com ajuda da pesquisa diretamente nos processos ou em reportagens já publicadas, muitas delas assinadas pelo próprio autor do livro.
Bispos e pastores dissidentes também contaram histórias e entregaram documentos ao autor. Alguns ficaram famosos ao entrar em choque com Macedo, a exemplo de Carlos Magno de Miranda, que indicou ligações da igreja com narcotraficantes colombianos. E há aqueles que já eram conhecidos do público evangélico. Um exemplo é Ronaldo Didini, pastor-galã que apresentava programas noturnos na TV Record.
Outras fontes de Nascimento não se tornaram tão notáveis, mas fizeram por onde merecer o ódio de Macedo. É o caso do ex-bispo Alfredo Paulo, que denunciou um suposto esquema de adoção ilegal e tráfico de crianças por integrantes da igreja em Portugal.
O Reino levou quatro anos para ser escrito, mas Gilberto Nascimento acompanha o processo de crescimento e enriquecimento da Universal há quase 30 anos. Por isso, passou a ser procurado pelos adversários de Macedo ou por quem o investigava.
Quanto à responsabilidade das esquerdas na chegada dos neopentecostais ao poder, ela existe, mas essa é outra história.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.