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Crédito: Géssica Amorim/Coletivo Acauã
por Géssica Amorim, do Coletivo Acauã
Faz pouco mais de três anos que o vaqueiro Diogo da Silva, 28 anos, deixou de competir em pegas de boi e festas de vaquejada pela região onde nasceu e foi criado, na zona rural de Betânia, município do Sertão do Moxotó, em Pernambuco. Na noite do dia 18 de março de 2020, saindo da festa de aniversário de um amigo, ele sofreu um acidente de moto que o fez perder os movimentos das pernas e parcialmente dos braços e mãos.
Diogo estava alcoolizado, sem capacete e dirigindo em alta velocidade. Na saída da cidade, quando voltava para casa, no povoado Jatobazinho, perdeu o controle da moto, que derrapou na estrada e o arremessou a uma distância que ele não consegue precisar.
Além dele, ninguém mais ficou ferido. Os primeiros socorros foram prestados pela equipe de plantão do Hospital Professor Alcides Ferreira Lima, em Betânia, e, em seguida, Diogo foi encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife. Lá, ele ficou internado por 11 dias e precisou passar por uma cirurgia na coluna cervical, para a introdução de dois pinos de titânio na vértebra C7, que foi gravemente lesionada com o acidente. É no interior da cervical, localizada no pescoço, entre a parte inferior do crânio e superior do tronco, que está o canal vertebral por onde passa a medula espinhal, com ramificações nervosas responsáveis por comandar os nossos movimentos e sensações.
Segundo relatório divulgado pelo Centro de informações sobre Saúde e Álcool (CISA), com base em dados do Ministério da Saúde, por ano, mais de 10 mil brasileiros morrem em acidentes de trânsito envolvendo álcool de direção. O relatório mostra que 10.887 pessoas perderam a vida em acidentes envolvendo motoristas embriagados em 2021. Uma média de 1,2 óbito por hora.
A vida de Diogo se transformou. Só seis meses depois do acidente, com sessões de fisioterapia intensa, ele conseguiu recuperar a sensibilidade e movimento dos membros superiores. Hoje, o vaqueiro continua precisando utilizar uma cadeira de rodas para se locomover e não pode mais trabalhar e nem se dedicar às atividades das vaquejadas como antes. Apesar disso, Diogo reconhece que ter conseguido recuperar o movimento dos braços e mãos é uma grande vitória. “Eu não tinha força nem pra puxar um pano, ou colocar uma colher na boca. Graças a Deus, agora eu não dependo tanto das pessoas como antes”.
Há cinco anos, o vaqueiro é casado com a agricultora Nathalia dos Santos, 24, que na época do acidente não sabia, mas estava grávida de Miguel, o filho do casal, que completa três anos no próximo mês de outubro. Ela fala sobre as dificuldades que enfrentou depois do acidente do marido e durante o seu período de recuperação. “Foi um período difícil, de muita preocupação. A gente não esperava que isso tudo fosse acontecer. Eu estava grávida de Miguel e não sabia. Poderia até ter perdido os dois [Diogo e o filho Miguel] de uma vez só. Foi um momento muito doloroso. Hoje, posso dizer que nós vencemos e continuamos vencendo a cada dia, com esperança e fazendo o que está ao nosso alcance para vivermos bem”.
Impossibilitado de voltar a trabalhar no campo e de concorrer nas vaquejadas, Diogo vendeu o seu gibão e entregou o seu cavalo aos cuidados do seu pai, o vaqueiro Geraldo Manoel, de 60 anos. Com o tempo ocioso e tendo recuperado os movimentos dos braços e das mãos, o vaqueiro decidiu começar a trabalhar com o couro, material presente na indumentária de proteção dos vaqueiros e dos cavalos quando partem para a Caatinga.
A primeira peça fabricada por ele foi uma cinta de couro que ele desenhou e produziu pensando em como poderia se manter firme e com a postura ereta na sela, montado num cavalo. Segundo o vaqueiro, o tempo entre projetar e fabricar a peça foi de apenas um dia. Só foi necessário usar linha e agulha específicas para costurar o couro, fivelas de metal para prender a cinta ao corpo de Diogo e à sela, e duas camadas de um material estofado para tornar o uso da peça mais confortável.
A cinta envolve o tronco do vaqueiro e, presa à sela por quatro fivelas ajustáveis e unidas a quatro tiras de couro, o mantém firme e com confiança para montar. Para subir no cavalo, ele conta com a ajuda dos seus amigos e familiares. Conseguir montar de novo foi algo que devolveu alegria e disposição a Diogo. Sendo vaqueiro desde menino, ele fala de como foi difícil assimilar a ideia de que não pode mais andar e participar das pegas de boi como antes. “No início, o cabra fica impressionado, a cabeça fica meio bagunçada mesmo. A gente tem que ter uma natureza boa pra lidar com uma situação dessa. É difícil imaginar, mas hoje acredito que eu não sou mais vaqueiro, né? Agora, já não acho que sou. Eu estava sempre nas festas [de vaquejada], por aí. Não pegava nenhum boi, mas era bom estar por lá, encontrar o pessoal”.
Depois da primeira e bem sucedida experiência manuseando o couro, Diogo passou a produzir com o material acessórios e peças utilitárias para vaqueiros de toda a região. Desde que começou, a procura só tem aumentado. Ele produz peças como peitorais, perneiras, correias para esporas, cintos, luvas e cabeceiras para cavalos. “Tenho recebido muitas encomendas. Às vezes, não dá é tempo de fazer, o pessoal encomenda muito, graças a Deus”.
É comum encontrar Diogo todos os dias debaixo do alpendre da sua casa, no povoado Jatobazinho, trabalhando com as suas ferramentas e com o apoio de uma mesinha de madeira. Ele mesmo desenha, faz os cortes e costura as peças. Para conseguir atender à demanda das encomendas, recentemente ele começou a trabalhar com o amigo e vaqueiro Washington da Silva, conhecido na região como Grilo, de 25 anos, que também trabalha com couro.
O que Diogo recebe com a venda das peças que produz com o amigo, é usado para complementar a renda da casa, que também é mantida com o valor que o vaqueiro hoje recebe do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-Loas), que garante um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Sobre a recuperação dos movimentos das pernas de Diogo, os médicos não deram nenhuma certeza de que isso seria possível. De todo modo, Diogo foi orientado a manter a regularidade das sessões de fisioterapia. Desde os primeiros meses de recuperação do acidente, ele só pode contar com o atendimento de fisioterapeutas de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Betânia. Mas com a falta de profissionais para atender a demanda de pacientes no município, a frequência das sessões caiu. Diogo está há mais de três meses sem atendimento. “Vontade de andar, eu tenho, mas só Deus é quem sabe agora. Já faz mais de três meses que eu não vou [para a fisioterapia]. Eles tinham parado de atender, não sei o que aconteceu, mas quero continuar”.
A secretária de Saúde de Betânia, Aline Araújo, afirmou que o atendimento fisioterapêutico já foi normalizado nas duas Unidades Básicas de Saúde do município. “A gente tem atendimento normal nas duas unidades do município. Tanto no distrito de São Caetano, quanto na sede, em Betânia. Houve uma pausa em alguns atendimentos porque um dos profissionais pediu demissão por não conseguir conciliar o trabalho que realizava aqui com a demanda de trabalho que realiza em outros municípios. A pausa ocorreu só durante o período de contratação de outro profissional”, esclarece.
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