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por Gabriel Neves*
Os parlamentares do PSB de Pernambuco fecharam voto favorável à Proposta de Emenda à Constituição que blinda judicialmente deputados e senadores. A PEC, chamada pelo oficialismo de “PEC das Prerrogativas”, logo ganhou outras homenagens: “PEC da Blindagem”, “PEC da Impunidade” ou, a mais precisa de todas, “PEC da Bandidagem”.
O argumento do PSB? Assim o fizeram como um gesto para negociar a derrubada do PL da Anistia. Pedro Campos, líder da bancada e irmão de João Campos, prefeito do Recife e presidente nacional da sigla, vem sofrendo uma forte crise de imagem depois do voto.
Seu pronunciamento tentando justificar o injustificável não funcionou. O desgaste com a base é visível. Pedro agora vai virar estudo de caso nas Ciências Políticas e nas especializações em comunicação política e gestão de crises.
Não importam as intenções. A PEC da Bandidagem acabou descortinando algo que é rotineiro para o PSB, há um bom tempo. O alto grau de pragmatismo da sigla, escancarado ao ceder para uma PEC tão inacreditável, não é um caso excepcional. Trata-se de regra de operação política.
A questão que fica é: a esquerda pernambucana vai continuar apostando no PSB em 2026? O apoio à proposta que blinda políticos, que faz parte da construção política do bolsonarismo, relembra as práticas do partido e deve servir como um alerta.
A maior parte da esquerda pernambucana votou no PSB nas eleições majoritárias das últimas décadas no estado.
Não à toa.
A sigla, cujo ato inicial teve presenças ilustres como a de Antonio Candido, se associa ao histórico legado de Miguel Arraes, que, com todas as limitações, mediou conflitos entre classes sociais e arrancou conquistas importantes para a classe trabalhadora, contra a oligarquia usineira pernambucana.
Sob a liderança de Eduardo Campos, o partido se transformou. Mas, antes mesmo de assumir a cabeça da sigla, o nome do ex-governador já era responsável por causar distinções.
Quando foi secretário da Fazenda no governo de Arraes, Eduardo foi apontado como suspeito de um esquema chamado de “escândalo dos precatórios”. A crise foi grande. A ela foi atribuída uma das causas da grande derrota de Miguel Arraes contra seu ex-aliado Jarbas Vasconcelos, nas eleições de 1998.
Com um rebatimento interno, nasceram, então, duas alas no PSB de Pernambuco: a arraesista e a eduardista. A primeira, ligada a socialistas históricos; a segunda, ao ex-governador Eduardo Campos.
Com a ascensão de Eduardo para a liderança, essa transformação em curso aprofundou um pragmatismo das práticas políticas do partido no estado e no Brasil. Pragmatismo disfarçado de “diálogo” e de construção de “pontes”.
Eduardo Campos consegue se recuperar após o escândalo dos precatórios. Num cenário em que se elege o deputado federal mais votado de Pernambuco e, depois, assume um ministério no governo Lula.
Desde o início, o ex-governador já dava evidentes sinais de uma guinada à direita no partido, apresentando-se como um quadro técnico, discurso delimitado pelas fronteiras do neoliberalismo. Coisa que seu filho, João Campos, repete agora.
Sob a liderança eduardista, o PSB em Pernambuco amplia ainda mais o arco de alianças, à direita, e intensifica articulações políticas que em nada se diferenciam das práticas direitistas. O partido vai se tornando um refúgio de oligarquias locais e um instrumento de pactuação (ou representação) do grande empresariado pernambucano.
E o negócio vai escalonando. Houve frente ampla para derrotar o conservador Mendonça Filho, na eleição para o governo do estado em 2006, que tornou Eduardo governador. Houve também evidente oportunismo no rompimento com o PT no final do governo Dilma para disputar a presidência da República. Oportunismo porque a suposta diferença de projeto só foi colocada quando o governo petista se enfraqueceu.
O resto da história a gente sabe. Depois da trágica morte do ex-governador e então candidato a presidente do Brasil, o partido continuou seguindo a linha. Apoiou o golpe contra Dilma Rousseff, inclusive com voto de Danilo Cabral (candidato do PSB ao governo de Pernambuco em 2022), integrou o governo Michel Temer e teve parlamentares apoiando medidas antipopulares no governo Bolsonaro, como a reforma da previdência.
Para além da agenda de privatizações dos governos do PSB, a coisa escala ainda mais. Recentemente, com a ascensão de João Campos à presidência nacional do partido, surgiu uma discussão de retirada do nome “socialismo” da sigla e do programa da legenda. A justificativa seria a de alcançar um maior eleitorado ou de “modernizar” o partido.
Ou seja, é o ápice do pragmatismo. Isso me lembra muito o debate sobre razão instrumental, que Max Horkheimer faz no livro O Eclipse da Razão. A razão, adaptada às fronteiras do capitalismo, torna-se instrumental porque reduz as ideias, o pensamento e a mentalidade àquilo que apresenta uma “eficácia” ou uma “utilidade” prática.
A utilidade prática, no caso do PSB, é aquilo que o ajuda com a manutenção do poder. E, nesse caso, a razão instrumental o faz se adaptar às condições que permitiriam essa dominação. Isso é uma cilada.
A esquerda de Pernambuco precisa se permitir ir além para sonhar com um projeto ousado e radical. Mas, para isso, precisa fugir dessa armadilha.
*Gabriel Neves é jornalista, professor e mestrando em comunicação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), além de especialista em Comunicação Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Já atuou na cobertura política, com reportagens sobre gestão de recursos públicos, e em assessoria de comunicação, com passagens pelo TRE-PB e PSOL de Pernambuco.
Jornalista e escritor. É o diretor de conteúdo da MZ.