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A peleja da agricultura familiar contra os salgadinhos e sucos de caixinha

Inácio França / 22/12/2025
A foto mostra um pacote de lanche infantil disposto sobre uma superfície escura, envolto em uma toalha. Dentro do pacote, há um saquinho vermelho de balas de goma da marca, uma caixinha de suco decorada com personagens de desenho animado coloridos, um recipiente verde com tampa preta e outros itens de lanche não totalmente visíveis. Ao fundo, vê-se um ambiente claro com paredes brancas e detalhes em azulejos vermelhos e azuis. Crianças estão sentadas em mesas com cadeiras coloridas — azul, laranja e vermelha — sugerindo que o local é uma creche ou escola, possivelmente durante o horário do lanche.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

É hora da merenda na escola rural do Sítio Campos Novos, zona rural de Cumaru. Por alguns minutos, os 14 alunos deixam a sala de aula climatizada e seguem para o refeitório junto à cozinha, onde uma refeição com galinha guisada, macarrão e feijão-mulatinho acaba de ficar pronta.

Três meninos, no entanto, recusam o que é servido, preferindo “lanchar” aquilo que trouxeram numa bolsa: sódio, gordura e açúcar em forma de salgadinhos industrializados em pacotes coloridos e suco ou achocolatado de caixinha.

Em Cumaru, a comida servida na escola é a merenda propriamente dita. O que os meninos levam de casa é chamado de lanche.

A princípio, a coordenadora da escola e as nutricionistas da secretaria municipal de Educação ficaram sem jeito, afinal a equipe da Marco Zero estava ali na manhã daquela terça-feira de dezembro para conhecer e fotografar a merenda saudável da rede municipal de ensino de Cumaru.

Pouco depois, mais à vontade, a coordenadora Edla da Silva Souza, de 36 anos, explica que a maior resistência à mudança dos hábitos alimentares vem das próprias famílias dos estudantes que, ironicamente, são agricultores: “no início deste ano fizemos oficinas com as mães, conversamos com os alunos sobre os problemas de saúde provocados pelos alimentos ultraprocessados, porém ainda há quem ceda à facilidade de colocar na lancheira um saco de salgadinho comprado no atacarejo”.

Coincidência ou não, nenhum morador de Campos Novos fornece alimentos para o PNAE. De acordo com a agroecóloga do Centro Sabiá, Íris Maria da Silva, isso faz muita diferença, pois as famílias que vendem para o PNAE acabam se envolvendo mais com o que filhos e netos comem na escola.

Formada em Agroecologia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Íris tem bastante experiência na assessoria técnica à agricultura familiar, afinal, enquanto fazia seu curso superior, ela já trabalhava como técnica agrícola na ONG Caatinga, no sertão do Araripe, uma das instituições pioneiras nessa área em Pernambuco.

Com tanta bagagem, ela acredita que “não basta implantar a política pública e garantir o acesso à política pública, é necessário oferecer formação para o público beneficiado por essa mesma política pública”. No caso de Cumaru, além das merendeiras terem sido capacitadas para lidar com os ingredientes saudáveis, o Centro Sabiá atuou diretamente junto a centenas de famílias, mas a resistência de algumas mães e pais exige mais tempo para ser superada.

Embutidos fora

Em 2025, enlatados e embutidos como mortadela, salsicha, salame e presunto foram eliminados da merenda escolar do município. Para se chegar a esse resultado, a equipe do Sabiá e das famílias agricultoras que se transformaram em fornecedoras de alimentos contaram com o reforço do conhecimento técnico das quatro nutricionistas da secretaria municipal de Educação.

Amanda Joelly Bezerra Gonçalves, de 25 anos, é uma dessas profissionais responsáveis por montar o cardápio de acordo com a faixa etária de cada escola, definir o que deverá ser comprado nas licitações e fiscalizar todos os itens que são entregues pelos fornecedores. Ela garante que “não há pressão por parte dos atacadistas ou distribuidores, pois alguns itens, necessariamente, continuam a ser comprados de grandes empresas”. É o caso do arroz, macarrão, extrato de tomate e óleo de soja, por exemplo.

Ao lado da colega Nadjane de Moura, de 24 anos, Amanda explica que a rede municipal de ensino tem 4.122 matrículas, mas isso não quer dizer que sejam 4.122 crianças e adolescentes. “Quem está matriculado em tempo integral, ou seja, fica para o programa de fortalecimento escolar no turno da tarde, conta como duas matrículas”. O vínculo duplo se explica porque alunos e alunas do ensino fundamental que recebem essas aulas de reforço fazem três refeições completas na escola.

A foto mostra Amanda Joelly e Nadjane de Moura em frente à Escola Municipal Inês Maria da Conceição. Amanda, à esquerda, veste uma blusa branca e sorri suavemente. Nadjane, à direita, usa uma camiseta azul escura e também está sorridente. As duas estão atrás de um portão azul, com a fachada da escola ao fundo — pintada em branco, azul e rosa, com telhado de cerâmica. A placa da escola está visível acima delas, destacando o nome da instituição e o logotipo da prefeitura.

Amanda e Nadjane elaboram cardápios e fiscalizam os produtos entregues

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Esta reportagem foi produzida em parceria com a Rede Ater Nordeste.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de conteúdo da MZ.