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Ações de marketing e números conflitantes marcam projeto piloto da Força Nacional em Paulista

Débora Britto / 03/01/2020

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Anunciado sem grandes alardes e implementado desde 30 de agosto, o projeto piloto Em Frente Brasil, do Ministério da Justiça, parece ser mais uma proposta de segurança pública da pasta com objetivo de reduzir crimes violentos, mas mal explicada e da qual pouco se sabe até agora.

Chegando ao fim dos 120 dias da primeira fase, chamada pelo ministério de “choque operacional”, caracterizada pela presença ostensiva de patrulhas da Força Nacional nas ruas, o projeto é criticado por especialistas na área de segurança pública, organizações da sociedade civil organizada e movimentos sociais.

Paulista, na Região Metropolitana de Recife, é uma das cinco cidades brasileiras que servem de laboratório para o projeto. Diante da falta de informações, a Marco Zero buscou entender quais resultados o projeto alcançou nos primeiros meses de experimentação. Uma das principais perguntas é se o projeto pode, de fato, promover a redução sustentável de crimes violentos.

Em maio de 2019, Moro esteve em Pernambuco participando de evento sobre o Pacto pela Vida, política pública que se tornou referência de redução da criminalidade. Na época, elogiou o programa e, sem detalhes, afirmou querer estreitar a relação do Governo Federal com os estados na questão da segurança. Em agosto, o Em Frente Brasil (EFB) foi lançado. Com a previsão de uma segunda fase com foco nas questões “socioeconômicas”, foi dito que o projeto se inspirou no Pacto.

Para José Luiz Ratton, professor e pesquisador do Programa de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), responsável por idealizador o Pacto pela Vida, o projeto-piloto não passa de um “mero exercício retórico”. “O PPV-PE começou com participação da sociedade civil, articulação entre todas as instâncias do Executivo estadual, integração com MP e Poder Judiciário, contribuição permanente da universidade, presença do nível central da administração estadual na coordenação da Política Pública, foco prioritário nos crimes contra a vida, mecanismos de gestão por território integrando as polícias, proposição de programas de prevenção social. O EFB não tem nenhuma semelhança com a concepção original do PPV-PE”, sentencia.

A crítica do pesquisador, que coordena o Núcleo de Estudos em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança (NEPS), vai além: para ele, a verdadeira proposta bolsonarista no campo da segurança é colocar mais armas nas ruas, permitir que a polícia mate mais e aprisionar mais pessoas – principalmente pobres, negros e jovens. Além do Em Frente Brasil, o Pacote Anticrime, carro-chefe do Governo Bolsonaro, ao lado das promessas e tentativas de revogação do estatuto do desarmamento, aparecem como as grandes ações da gestão bolsonarista.

André Fidelis, do Coletivo Força Tururu, localizado em uma das áreas selecionadas para atuação da Força Nacional em Paulista, também é crítico ao projeto. “A gente não entende muito bem porque Paulista foi escolhida. Esse programa se destina a um controle de corpos. É uma ação, não sei se preventiva, mas é ostensiva que só visa a favela”, analisa.

Cortina de fumaça

Com pouca informação disponível, as matérias encontrados na internet que noticiam suposta eficácia do projeto-piloto citam como fontes, quase exclusivamente, o Ministério da Justiça. Todas apontam que houve redução dos índices de crimes violentos nas cidades que estão recebendo o programa, porém sem espaço para o contraditótio ou o posicionamento de organizações ou movimentos que trabalham diretamente com o tema da segurança.

As falhas e inconsistências nos dados de segurança usados pelo Governo Bolsonaro já foram apontadas em reportagens que mostraram o uso dos bancos de dado menos confiáveis entre os disponíveis.

Para Ratton, a escala do projeto sequer corresponde às necessidades de uma política pública. “O EFB é um programa improvisado, mal desenhado, sem participação da sociedade civil. Mal concebido tanto no plano da dissuasão quanto no da prevenção”, diz. Segundo ele, em um país com mais de 5.500 municípios a escolha por cinco cidades sem critérios coerentes representa uma falha grave. “Os policiais da Força Nacional deslocados para tal tarefa pouco conhecem dos territórios onde estão atuando e não tem condições de reduzir a criminalidade de forma sustentável em 120 dias”, defende Ratton.

A falta de interlocução com a sociedade também é característica do projeto. “Nós temos muitas dúvidas sobre o projeto, por exemplo como é relação deles com igreja evangélica. Eu não sei responder isso, tem muitas lacunas sobre como se relacionam com a comunidade, com pessoas, como o projeto vai continuar”, conta André Fidélis.

De acordo com a assessoria do vereador Fábio Barros (PSB), atual presidente da Câmara de Vereadores de Paulista, até hoje a Câmara do município não recebeu nenhum relatório preliminar das ações realizadas pela Força Nacional.

Falhas e resultados questionáveis

Outra questão apontada por Ratton, que passa ao largo do discurso de Moro, é que os índices de violência vêm caindo, gradualmente, desde 2018. As razões para tal fato são múltiplas mas, segundo o pesquisador, nenhuma e justificada por ações da gestão bolsonarista. “A queda das taxas de homicídio que o Brasil observa desde o início de 2018 não tem nenhuma, repito, nenhuma correlação com qualquer ação deste governo na área de segurança. A queda das mortes violentas no país já vinha ocorrendo, em quase todos os estados brasileiros, desde o fim de 2017 e este governo não realizou nenhuma ação consistente na área de segurança que possa ser identificada como eventual causa da redução dos homicídios no Brasil”, argumenta.

Em 2017, estados nordestinos chegaram a recordes de violência letal. Pernambuco ultrapassou os 5 mil homicídios, o maior da série histórica divulgada pela Secretaria de Defesa Social, com dados a partir de 2004. Segundo o pesquisador, esse dado ajuda a entender o fenômeno. “Diante do patamar inimaginável que atingimos, qualquer recurso a mais traria um efeito de reduzir”, diz.

Os números da SDS confirmam a redução dos índices de crimes contra a vida em Paulista, no entanto a secretaria também faz a ressalva de que a diminuição vem desde 2017. “Quando se compara os meses de setembro a novembro de 2018, com o mesmo período de 2017, por exemplo, é possível observar uma redução de 69,35% nos homicídios e 31,61% nos roubos”, afirmou em nota.

Ainda de acordo com o ministério, nos três meses de projeto, em todas as cidades, 260 mil pessoas foram abordadas, sem maiores detalhes ou explicação do que isso significa. Consta no site do ministério, também, que “as ações resultaram no cumprimento de 425 mandados de prisão, na prisão de 1.497 adultos e na apreensão de 193 menores. Mais de 17 toneladas de drogas foram apreendidas e 182 armas foram retiradas da mão de criminosos. Foram fiscalizados mais de 3 mil alvarás”.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Marketing político versus percepção de segurança

Apesar das críticas, segundo quem mora e convive nos bairros, parte da população aprova a ação. “Se falar com as pessoas na rua, elas gostam. Dá para entender porque as pessoas tinham medo de morrer, medo do assalto, medo do crime. Tinha um espaço que era predominantemente do tráfico de drogas e deixou de existir. A população que vivia amedrontada tem a impressão de que uma série de problemas foi resolvido”, conta André. O desafio, para o coletivo, que está organizando uma cartilha sobre segurança, é conseguir ampliar esse debate com a população.

“A questão é que não é possível manter essa redução por um prazo indeterminado e não resolve o que acontece nas dimensões estruturais do problema. A performance alivia um pouco o sentimento de insegurança, mas quando terminar vai criar um vácuo que pode ser ocupado por outras formas violentas”, explica Ratton.

Segundo André, o Fórum Popular de Segurança Pública, do qual o Coletivo Tururu faz parte, reuniu relatos de abordagens violentas pela Força Nacional, por exemplo. “Um detalhe interessante é que as pessoas disseram que o sotaque amedronta. O sotaque dos policiais não é pernambucano. Pode parecer uma coisa simples, mas tem relação direta com o poder externo, de alguém de fora passar a controlar todo mundo”, diz.

Há casos de pessoas que foram abordadas e revistadas em uma mesma semana 3 vezes, outras que dizem que, antes da abordagem, oficiais cuprimentam com “bom dia” – algo com que não estão acostumados.

Leia na íntegra resposta da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco:

Entre os meses de setembro e novembro de 2019, os crimes contra a vida registrados no município de Paulista apresentaram redução de 26,3% em comparação com o mesmo período do ano passado. Ao todo, foram 14 homicídios notificados na cidade desde a instalação do Programa Em Frente Brasil, contra 19 casos em 2018.

Já em relação aos crimes contra o patrimônio, a queda desse tipo de ocorrências chegou a 29,15%. Os 902 roubos registrados em 2018 caíram para 639, neste ano.

É importante lembrar, no entanto, que as duas modalidades criminosas, vêm caindo em todo o município de Paulista desde 2017. Quando se compara os meses de setembro a novembro de 2018, com o mesmo período de 2017, por exemplo, é possível observar uma redução de 69,35% nos homicídios e 31,61% nos roubos.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.