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Uma trabalhadora rural e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi sequestrada, espancada e ameaçada de morte na noite desta quarta-feira, 18 de setembro, na mata sul de Pernambuco. A vítima de 32 anos voltava da faculdade, no município de Palmares, para a comunidade de Engenho Canoinha, em Tamandaré, por volta das 22h, quando ela e mais dois jovens estudantes foram abordados por um homem armado e encapuzado.
A mata sul pernambucana é marcada por muitos conflitos de terra e violência, situação que tem se agravado nos últimos quatro anos. Atualmente o Engenho Canoinha está dividido em três partes distintas, duas administradas pela família do empresário Ricardo Queiroz e uma pela família Hacker.
O engenho é composto por 56 famílias agricultoras posseiras que vivem no local há mais de três décadas, muito antes da chegada desses empresários. Desde que começaram a receber ameaças de remoção forçada, em 2018, a comunidade vem resistindo e lutando pelo direito de permanecer no local. A CPT já vem alertando sucessivamente sobre a escalada da violência na área. Naquele mesmo ano, um pedido de desapropriação para fins de reforma agrária foi feito ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A CPT é uma entidade de caráter ecumênico vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que desde 1975 acompanha e contribui para a conquista de direitos das comunidades camponesas no Brasil.
Segundo relatos compartilhados pela CPT, após roubar os celulares das vítimas, o criminoso dispensou os dois jovens e sequestrou a mulher. O homem, com uma pistola em mãos, conduziu a agente pastoral por quilômetros de distância da comunidade, onde começou a espancá-la e praticar uma série de violências.
A agricultora conta que foi informada de que seria morta, momento em que entrou em luta corporal com o agressor para salvar a própria vida. Após muito esforço, ela conseguiu se soltar e escapar do local ao pular uma cerca de arame farpado. Depois de caminhar por cerca de 10 quilômetros, chegou à comunidade mais próxima, onde foi socorrida.
A vítima foi ouvida na delegacia e depois transferida para um hospital no Recife. Os relatos da CPT dão conta de que ela está muito machucada e abalada. No momento de fechamento desta matéria, a reportagem ainda não tinha tido acesso a um boletim médico para atualizar o quadro de saúde da camponesa.
De acordo com a CPT, cerca de 70% dos conflitos por terra em Pernambuco ocorrem na zona da mata sul. Além de Canoinhas, outros territórios de violência são os municípios de Barreiros, onde está a comunidade de Roncadorzinho, de Maraial, onde fica a comunidade de Batateiras, e de Jaqueira, com a comunidade de Fervedouro, além de Barro Branco e Laranjeiras.
Foi em Roncadorzinho que o menino Jonathas Oliveira, de apenas nove anos, filho da liderança rural Geovane da Silva Santos, foi assassinado a tiros dentro de casa em fevereiro de 2022.
Em maio deste ano, a CPT disse que recebeu relatos “alarmantes de destruição e violência contra famílias posseiras na comunidade de Canoinha”. Segundo a comissão, “as lavouras de seis famílias foram devastadas, assim como uma horta coletiva mantida pelas mulheres da comunidade”. Foram aproximadamente 680 pés de macaxeira, 400 pés de milho, 50 pés de coco, 70 pés de banana prata e 30 pés de banana comprida.
“Fizeram um estrago triste no roçado. Está de fazer dó. É muito ruim a gente plantar e ver tudo destruído. Eu acho que isso foi mandado, porque não pode fazer um negócio desse não. Acabaram com quase tudo, cortaram a roça, cortaram o milho que estava quase bom para comer. É muito ruim plantar e ver destruído. A gente rala muito e vê uma situação daquela”, lamentou um dos agricultores afetados na época.
Dias antes, a CPT já tinha recebido denúncias de ameaças, destruição de cercas e aplicação de agrotóxicos que afetaram uma família camponesa cujo sítio está em outra localidade do Canoinha.
Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco informou que está investigando o caso desta quarta. “O fato aconteceu na noite do dia 18 de setembro, no município de Tamandaré, com autoria ainda desconhecida. As investigações foram iniciadas e seguirão até completa elucidação dos fatos”, diz a nota.
Nesta sexta (20), a Polícia Militar de Pernambuco comunicou que, através de uma operação integrada realizada por militares do 10º Batalhão e integrantes da delegacia de Palmares, o suspeito foi preso em Xexéu. “Com o suspeito foram encontrados quatro celulares, dois cartões de crédito com queixas de roubo, além de outros pertences das vítimas. O mesmo foi apresentado na Delegacia de Palmares, onde foi autuado e adotadas as providências legais cabíveis”, disse a nota.
Em nota, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção à Violência, por meio da Secretaria Executiva de Direitos Humanos, informou que “repudia e lamenta, profundamente, o ocorrido com a agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra”.
A pasta disse que “está acompanhando o caso de perto e já disponibilizou os programas de proteção do Sistema Estadual de Proteção à Pessoa (SEPP) para atender a vítima, destacando que, assim que for acionada pelos representantes do sistema de justiça que estão responsáveis pelo caso, irá realizar todos os encaminhamentos necessários à inclusão, da vítima, no programa mais adequado”.
Sobre a garantia de segurança da comunidade, no território, a secretaria repassou que “já contactou os representantes da Secretaria de Defesa Social e que a Coordenadoria de Assessoramento Especial da Diretoria de Planejamento Operacional, já está acompanhando e monitorando o caso e o território junto à 10ª Companhia Independente de Polícia Militar, realizando rondas constantes no local”.
Por fim, a pasta escreveu que “se coloca à disposição para os esclarecimentos necessários e, também, destaca a importância de preservar o nome da vítima, de modo a evitar que ela seja revitimizada”.
Matéria atualizada em 20/09/2024, às 13h09
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com