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Criança de 9 anos, filho de líder rural, é assassinada na Mata Sul e entidades exigem rigor nas investigações

Raíssa Ebrahim / 11/02/2022

Criança se escondeu com a mãe embaixo da cama e foi alvejada deliberadamente pelos assassinos.

Uma criança de nove anos foi brutalmente assassinada a tiros dentro de casa, na noite desta quinta-feira (10), no Engenho Roncadorzinho, no município de Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco. A região vem sendo palco de conflitos já há algum tempo, com uma série de denúncias de ameaças e violências.

O menino era filho do presidente da Associação dos(as) agricultores(as) familiares do local, Geovane da Silva Santos, uma das principais lideranças da comunidade. De acordo com os relatos da família e de moradores, sete homens encapuzados e fortemente armados invadiram a casa, por volta das 21h, atiraram em Geovane, que foi atingido de raspão no ombro, e depois alvejaram deliberadamente a criança, que se escondia no quarto, debaixo da cama com a mãe.

O pai foi atendido no hospital, está com ferimentos e teve alta. A mãe está em estado de choque sob calmantes. As cerca de 400 pessoas, sendo 150 delas crianças, que ocupam o local há mais de quatro décadas estão bastante assustadas e o clima é de muita insegurança. Essa não é a primeira vez que a casa de Geovane é alvo de atentados.

As informações foram repassadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape). Ambas acompanham o caso e estão cobrando uma resposta do Estado e o devido rigor nas apurações do crime.

À Marco Zero, o advogado da duas organizações Bruno Ribeiro disse que há a possibilidade de o crime estar ligado às questões dos conflitos na região, mas que a responsabilidade de apurar isso é da Polícia Civil de Pernambuco.

Casa do presidente da Associação dos(as) agricultores(as) familiares do Engenho Roncadorzinho, Geovane da Silva Santos, foi invadida por homens encapuzados fortemente armados.

Os trabalhadores e as trabalhadoras do Roncadorzinho enfrentam uma longa e difícil luta por direitos. O engenho foi propriedade do Grupo Othon Bezerra de Melo, que detinha a Usina Central Barreiros e a Usina Santo André na região. Ambas entraram em falência mais ou menos na mesma época, sendo que a primeira fechou em definitivo e a segunda é hoje uma massa falida administrada pelo Judiciário, da qual as famílias agricultoras são credoras há cerca de 20 anos.

Há aproximadamente 15 anos, a empresa agropecuária Javari arrendou a massa falida e passou a ter uma série de conflitos com os agricultores e agricultoras, deixando assim de explorar o imóvel.

Em outubro do ano passado, a Marco Zero mostrou que uma decisão judicial impediu o despejo das famílias. A decisão liminar havia tranquilizado a comunidade, pois o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) não só impediu a reintegração de posse, como suspendeu o julgamento da ação movida pelo empresário que arrendou as terras e o síndico da massa falida.

A Justiça determinou, na época, que houvesse um “esforço de conciliação do litígio, através de diálogo entre os trabalhadores, o arrendatário e síndico da falência da usina”.

Segundo a Fetape, “nos últimos anos a comunidade vem sofrendo diversas ameaças e violências promovidas por empresas que exploram economicamente a área, com intimidações, destruição de lavouras e contaminação das fontes de água e cacimbas do imóvel por meio da aplicação direcionada e criminosa de agrotóxico de alta toxidade”.

O cenário piorou desde o início da pandemia. Fetape e CPT reforçam que esses “casos vêm sendo denunciados há vários meses, sem que medidas efetivas tenham sido tomadas por parte do Estado para solucionar a tensão e a violência no local”.As famílias e as organizações representativas informaram que irão exigir o cumprimento rigoroso das apurações e elucidação do crime.

A reportagem entrou em contato com o Governo de Pernambuco para saber como a gestão irá proceder na interlocução com a família, a comunidade rural e as respectivas representações sociais; que ações serão desempenhadas por parte do Estado; e que secretarias serão designadas para acompanhar de perto as investigações.

Em nota, a Polícia Militar repassou que, em casos como esse, vai ao local para preservar a cena do crime, até a chegada dos peritos, e que as informações ficam concentradas na Polícia Civil, que investiga a autoria e a motivação do crime.

A Polícia Civil, por sua vez, disse, em nota, que “por meio da Delegacia Seccional – Palmares, registrou, na noite da última quinta-feira (10), o homicídio de uma criança, de nove anos, e a tentativa de homicídio de um homem, de idade não informada, no Engenho Rocador (leia-se: Roncadorzinho), em Barreiros. De acordo com informações iniciais, homens encapuzados entraram na residência e dispararam contra as vítimas. O pai e o filho foram socorridos no Hospital de Barreiros, mas a criança não resistiu aos ferimentos. Caso segue em investigação até a completa elucidação do ocorrido”.

Depois das notas da PM e da Polícia Civil, a Secretaria de Defesa Social se manifestou, também em nota, repetindo informações já divulgadas e acrescentando que “Guarnições da 10ª CIPM seguem em incursões na área com o objetivo de localizar os suspeitos”.

As questões relativas ao apoio à família e aos agricultores da região e à interlocução com a sociedade civil, que cobra uma atuação mais efetiva contra a violência na Mata Sul, ficaram sem resposta.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com