Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Ameaçados por um leilão público, um projeto de parque eólico e uma crescente especulação imobiliária, indígenas kapinawá do Vale do Catimbau, entre o Agreste e o Sertão pernambucano, denunciam que estão cercados por interesses empresariais e políticos.
Após pressão, na manhã desta quinta-feira, 10 de abril, a Justiça, através da Vara Cível da Comarca de Arcoverde, acatando um pedido da Procuradoria Geral do Estado (PGE), suspendeu um leilão de 126 hectares de terras que se sobrepõem ao território indígena, nos lugares chamados Coqueiro da Mina Grande e Ponta da Várzea, na comunidade do Coqueiro. A suspensão se deu “sob a justificativa de preservação de interesse público e prevenção de eventuais nulidades”.
Mina Grande é justamente onde está localizada a aldeia-sede do povo kapinawá, que, conta, foi pego de surpresa com o leilão já publicado e agendado. O arremate aconteceria em dois dias, nesta quinta (10) e em 24 de abril.
As terras foram a leilão por conta da execução de dívidas fiscais de aproximadamente R$ 2,62 milhões junto ao estado de Pernambuco. Aos 126 hectares foi atribuído o valor total de R$ 252 mil (R$ 1,5 mil por hectare), com lance inicial de R$ 126 mil.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) publicou dois editais definitivos relativos a esse leilão. Isso porque existem dois processos de execução fiscal distintos, porém vinculados a esse mesmo imóvel de 126 hectares. A área que faz parte de uma grande fazenda com um total de 800 hectares com vários donos.
Acontece que os informes do processo de arremate em momento nenhum explicitam onde exatamente estão localizados os 126 hectares, sendo esse um dos argumentos que motivaram o pedido de cancelamento.
“Nas comunidades afetadas pelo leilão vivem famílias que dependem da terra não só para sobrevivência mas, sobretudo, para manter suas tradições e existência”, denunciaram os indígenas esta semana. Eles querem que o leilão siga suspenso até que se delimite por completo o território kapinawá pelos órgãos federais. O povo denuncia que este Abril Indígena tem “gosto de injustiça”.
Há cerca de três anos, o povo kapinawá foi surpreendido pelo anúncio de um projeto de energia eólica que seria instalado dentro da área não demarcada. O Complexo Eólico de Buíque é um projeto da iniciativa privada com 70 aerogeradores, ocupando mais de três mil hectares de terra. Um pedaço dessa área se sobrepõe à grande fazenda cujas terras tinham sido colocadas a leilão.
Em fevereiro, após dois dias de ocupação do prédio da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), no Recife, famílias agricultoras do Agreste e indígenas kapinawá conseguiram fechar um acordo com o Governo de Pernambuco para reduzir os impactos de empreendimentos eólicos no interior do estado.
Foi a primeira vez que uma mobilização garantiu a paralisação de um parque eólico no país. Um dos pontos do acordo foi a garantia de que o governo Raquel Lyra (PSD) não irá apoiar a instalação de aerogeradores em território kapinawá.
“Um dos nossos medos era que o leilão estivesse relacionado às eólicas. Porque quem sabe se algumas das empresas que estão rodeando o território não iriam comprar esse pedaço de terra?”, questiona a advogada Aylla Oliveira.
“É uma área muito cobiçada. Na cidade, as pessoas já queriam comprar essa área, que sabem que é terra indígena, porque dizem que, quando fosse demarcada, ganhariam uma boa indenização”, conta.
A Terra Indígena (TI) Kapinawá foi demarcada no final dos anos 1980 sem abarcar todo o território original, deixando muitas áreas de fora, hoje palco de diversos conflitos. A demarcação total vem sendo reivindicada pelo povo desde a década de 1990. De lá para cá, foi criado o Parque Nacional do Catimbau, em 2002, se sobrepondo a parte dessas áreas, tornando o processo de demarcação ainda mais complexo.
“Muitas aldeias foram ‘engolidas’ pelo Parque Nacional”, a advogada kapinawá Aylla. “Porém, de todos os males, é o menor. Dentro do parque, existem famílias morando, mas ficamos ainda protegidos pelo Ibama, não pode ter fazendas lá dentro, e há uma proteção quanto ao desmatamento”, observa.
Algumas aldeias ficaram de fora tanto da TI Kapinawá quanto do parque. É justamente onde fica boa parte da fazenda cujas terras foram colocadas em leilão.Aylla destaca que, apesar de não ser uma TI demarcada, essas aldeias são reconhecidas pelo povo, pelo cacique Robério, pelo próprio estado de Pernambuco e pela União.
“Em kapinawá, as escolas são estadualizadas. Tem escola em todo o território demarcado e também no território não demarcado. Tem posto de saúde, com uma saúde específica para populações indígenas. Todos os recursos que vêm da União para os povos indígenas entram nessas áreas não demarcadas. Então o Estado, de forma extraoficial, reconhece essas aldeias como território indígena. Porém, nunca conseguimos demarcar toda a área por conta dos conflitos com essas fazendas e por causa do parque nacional”, detalha.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com