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Nascido e criado em Nazaré da Mata, é de lá, na cidade da Mata Norte pernambucana, que um jovem artista espalha suas criações para o resto do país. Nos dias de semana, ele sai cedo para o curso de música, na Universidade Federal de Pernambuco, mas também concilia o tempo com a costura de sonhos, carnavais, chapéus e golas, que vestem caboclos durante o período mais alegre do ano. Além de tudo isso, ele também canta, escreve seus versos, improvisa, toca trombone. São muitas atividades.
Aos 22 anos, Nailson Vieira carrega consigo aprendizados dos que vieram antes, como o seu pai, Narciso Vieira, e seu avô, Manoel Vieira, mas também de outras referências na cultura, a exemplo de Mestre João Paulo, do Maracatu Leão Misterioso, Mestre Barachinha, do Maracatu Estrela Dourada, e Biu Porfírio, mestre caboclo do Estrela Brilhante.
Ao lado dos mestres e sintonizado com as novas tecnologias, Nailson Vieira, parece responder à pergunta sobre qual seria o presente e o futuro na cultura popular, estabelecendo a relação tanto com a tradição, quanto com outras formas de se expressão artística, a partir da ciranda, do manguebeat, do baque solto, do coco de roda, do brega.
“Quando eu estava na maternidade, minha mãe conta até hoje, Barachinha chegou lá e disse assim: ‘em vez de botar uma chupeta, dê um apito a ele logo.’ Com três anos de idade, botei uma fantasia de burra; com quatro, de caboclo, e a partir daí eu já fazia parte da cultura popular, né?”, conta Nailson, em entrevista à Marco Zero Conteúdo.
Quando menino, ele foi convidado por Barachinha para fazer a chegada de caboclo, no Estrela Brilhante, naquela que seria, em 2007, a sua primeira vivência dentro do baque solto. Depois, ele brincaria em outra agremiação, o Leão Misterioso, na qual seu pai se tornara o contra-mestre do apito. Dali em diante, Nailson nunca mais deixou a brincadeira do maracatu sair de sua vida.
Embora seu pai brincasse em outra agremiação, a proximidade do artista com o Maracatu Estrela Brilhante sempre existiu. E, hoje em dia, ele é presidente da agremiação, conciliando a dedicação intensa que o ofício demanda com o seu trabalho autoral na música. No último carnaval, inclusive, ele se apresentou pela primeira vez em dois dos mais importantes palcos da programação recifense, no Rec-Beat e, integrando os convidados da cantora Louise na homenagem a Chico Science, no Marco Zero. Pouco antes da folia tomar as ruas, ele também lançou o single Canto Espanto, que traz em seus versos a ansiedade experimentada pelos apaixonados por essa festa.
Integrar o Maracatu Estrela Brilhante, para Nailson, é como a realização de um sonho. Isso se evidencia tanto em sua fala durante as entrevistas, quanto no brilho de seus olhos quando acompanha o terno [a banda do maracatu] começando a dar as primeiras pancadas. “Existe um fardo pesado, para quem quer ser dela, porque ela tem uma importância muito grande para a cultura popular. Ela já começou tendo essa identidade, sendo dessa cor que ela é (amarela). Ela chegou a lugares que muito maracatu ainda tenta chegar. Ser de Estrela é ter noção da responsabilidade que a brincadeira tem. Quando você se vê sendo dela, você pode dizer que está com metade da vida feita”, explica Nailson, sobre o que significa para ele fazer parte desse maracatu, fundado em 1º de abril de 2001.
Antes do carnaval chegar, ele cuida da administração, confecção, contratação e outras atividades também. Mas já chegou a ser caboclo de lança e um dos músicos. A chegada definitiva de Nailson para integrar a Estrela Brilhante foi a partir do convite de Mestre Bi, que conta que já visualizava uma noção de futuro nas práticas do jovem artista nazareno.
Outra de suas paixões é o trombone. E foi o maracatu o seu primeiro vínculo com o instrumento, quando decidiu que aquele seria uma de suas formas de expressão artística. Certa vez, quando assistia a uma apresentação na praça da Catedral, em Nazaré da Mata, viu o músico e professor Filipe Vieira, a quem ele tem uma enorme gratidão, tocando trombone no show da banda Ticuqueiros. A partir dali, ele decidiria que iria tocar trombone também. Antes de chegar à universidade, em 2021, Nailson passou pela formação musical na Sociedade Musical Euterpina Juvenil Nazarena, mais conhecida como Capa Bode, e também chegou a frequentar o Conservatório Pernambucano de Música.
No quesito inspiração, ele conta que na hora de compor, costuma pensar primeiro na melodia para depois escrever as letras. “Eu já sonhei e acordei para não perder nem a melodia, nem um pedaço da letra. Já me inspirei, por exemplo, no lugar que o pai da minha mãe morava. Biografia, por exemplo, tem referência de amor e vida, de tudo o que não presta ser ‘relato esquecido’ mesmo. Já escrevi também por necessidade de falar de uma coisa, que é Canto Espanto, é sobre aquela agonia do carnaval que não chega logo.”
A sua banda nasce junto aos planos de se dedicar de vez à música, em julho de 2020. Além do maracatu de baque solto, no Estrela Brilhante, a vivência como trombonista e sua carreira solo, o artista também estabelece uma relação familiar com o Bloco Rural Estrelinha, que seu pai deu continuidade, desde que, em 2016, Seu Antônio, o responsável anterior, lhe entregou a tarefa. Hoje em dia, Narciso é o presidente e Manoel Vieira, seu pai, aos 92 anos de idade, exerce a função de mestre. Em 2023, o bloco lançou seu primeiro disco Cantos do Estrelinha, disponível nas plataformas digitais.
As culturas populares – destacando, aqui, o plural dessas duas palavras, já que são muitas as culturas e trazê-las no singular não evidenciaria toda a pluralidade elas abarcam – não estão apartadas do mundo contemporâneo, como muitos insistem em acreditar. Elas se relacionam com outras formas de expressão artística e dão novas perspectivas à contemporaneidade, a partir de, por exemplo, acesso às novas tecnologias e a outros ritmos musicais.
“É o que eu digo: talento, força de vontade e o querer dele. Se ele não tivesse nada disso, não seria esse artista. Ele procurou o caminho certo da cultura. E a cultura é uma incentivadora se você quiser. Além dele, tem muitos jovens sendo beneficiados pela cultura. Um jovem vai levando o outro para o caminho do bem. É isso aí, o que Nailson faz”, sintetiza Mestre João Paulo, de 73 anos, o “papa” do Maracatu, que o considera mesmo que ser seu filho, por conta da vivência com a cultura e na vida.
Erika Muniz é jornalista, formada em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Comunicação Social pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Pesquisa a área de cultura, assinando trabalhos em vários veículos e portais.