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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.
As trocas de acusações e baixarias entre os herdeiros do Grupo João Santos, um império com dezenas de indústrias espalhadas pelo país, costumam viralizar nas redes sociais e tomam espaço nos veículos da mídia tradicional. Alheio a isso, um ex-funcionário do grupo que completa 99 anos nesta segunda-feira, 4 de março, luta para limpar seu nome em milhares de ações judiciais nas quais aparece injustamente como sendo sócio da família para a qual trabalhou.
Francisco de Jesus Penha vem gastando tempo, energia e economia a provar sua inocência, já reconhecida na esfera criminal após ser retirado do processo que resultou, em maio de 2021 na Operação Background da Polícia Federal, e em outras ações de natureza trabalhista. Um dos seus principais objetivos é obter de volta o valor integral de seu aposentadoria, penhorada em 30% pela Justiça do Trabalho.
Ex-diretor do grupo, em 2018, o aposentado recebeu a notícia de que estava com todas as suas contas bancárias bloqueadas por ordem judicial. Isso porque tanto advogados trabalhistas e secretárias da Fazenda de estados e municípios que deixaram de receber os impostos devidos pelo Grupo, passaram a inclui-lo na lista de herdeiros e sócios das empresas.
“Minha revolta em relação a doutor Fernando e doutor José, que não só permitiram que eu fosse acusado injustamente em todos esses processos, como emitiram 300 procurações sem minha ciência e autorização, nunca usadas por mim, pois nunca tive poder para pagar no grupo”, afirmou, se referindo aos filhos e verdadeiros herdeiros. As procurações mencionadas foram um dos motivos para o idoso ser incluído na investigação, na qual foi apontado como funcionário de alto escalão.
Depois de realizar relatórios e mais relatórios indicando os riscos que o grupo corria, Francisco não imaginava que seria considerado como um dos participantes dos crimes fiscais, tributários e trabalhistas cometidos pelos verdadeiros herdeiros. Ao todo, ele chegou a responder, simultaneamente, a mais de 4.000 processos. Hoje, consome seus dias trabalhando, junto a sua advogada, para ser retirado de cada um deles.
Na sala de seu apartamento, na zona sul do Recife, com aspirações poéticas, ele garante que, “mesmo aos 99 anos, com a solidão que me foi imposta por quem eu trabalhei honestamente durante mais de 30 anos, seguirei lutando como Dom Quixote. Sonhando o sonho impossível, sofrendo a angustia implacável, pisando onde os bravos não ousam, reparando o mal irreparável”.
Francisco começou a trabalhar aos 17 anos e construiu uma respeitável imagem profissional como economista no setores público e privado. Iniciou sua carreira no Banco do Brasil em 1948, onde atuou como inspetor geral para Amazônia e gerente de operações da Agência Central da República. Depois, ajudou a reestruturar e salvar o Banco da Amazônia como presidente da instituição. No setor privado, foi vice-presidente do Brasil Invest. Em 1981, já aposentado, foi chamado pelo próprio João Santos para colaborar, junto a uma equipe técnica, com conselhos técnicos e participar do planejamento para a expansão dos negócios.
Na sala do seu apartamento no Recife, Francisco exibe os símbolos dessa trajetória, a exemplo do prêmio Tendência de Finanças em 1977, vencendo Olavo Setúbal, ex-presidente do Itaú e ex-prefeito de São Paulo, por sua atuação no Banco da Amazônia. Cuidadosamente, ainda guarda a capa da revista Tendência estampada com sua foto, além de reportagens na revista Manchete em que sua atuação foi citada.
O auge dos seus problemas aconteceu na manhã de 5 de maio de 2021, quando os policiais federais entraram em sua casa cumprindo um dos mandados de busca a apreensão da Operação Background. Depois de vasculhar todos os pertences da casa, incluindo os da esposa recém falecida e que ele sequer tinha tocado, os agentes saíram sem provas contra o idoso.
No final das contas, ele foi o único inocentado na operação. “A Polícia Federal juntou alguns de seus relatórios ao inquérito, não à toa que a denúncia foi rejeitada pelo juiz. Porque dentro de tudo que a gente defendeu e levou aos autos e tudo que eles tinham lá de material, ficou demonstrado que ele não tinha poder de decisão. Vários empregados testemunharam a favor dele, afirmando que ele não foi omisso, prestando declarações por escrito que foram levadas para vários processos. Ele falou o que devia ser feito tecnicamente e não foi ouvido. Fez tudo dentro do limite de suas atribuições, não tinha como decidir pelos Presidentes-donos.” afirmou Maria Eduarda Matos, advogada do ex-diretor.
Antes da operação, sua vida já estava em turbulência. Com contas e bens bloqueados, precisou vender a casa para pagar o tratamento de saúde da esposa. Só não foi obrigado a sair de imediato do imóvel porque a situação aconteceu em meio a pandemia da covid-19. Cleide Amazonita Penha faleceu em 2020.
Apesar de inocentado das acusações criminais, os processos trabalhistas e tributários continuam chegando de diferentes estados do país. Parte da aposentadoria continua penhorada e, segundo a advogada, novos processos chegam tentando reter valores ainda maiores.
“Indignação com a Justiça, muitos trabalham corretamente e enxergam nas provas a minha inocência, por isto tem muitas decisões positivas. Porém, grande número de julgadores não analisam judiciosamente os fatos e as provas, uma lacuna grande ainda de pessoas que param para analisar os fatos e diferenciar as pessoas que estão colocadas no processo. Como são milhares de processos é um universo tão grande que tais decisões positivas acabam virando gotas no oceano”, queixa-se.
Em um país, onde a expectativa de vida média de um brasileiro é de 75 anos, imagine um homem chegar aos 99 anos tendo que lutar pela sua sobrevivência e a devolução da renda que deveria ser a garantia de uma vida confortável na velhice.
A crise financeira do grupo começou por volta de 2009, mas não por falta de aviso. Após a morte do empresário João Santos e o negócio ser assumido pelos filhos, Fernando e José Santos, inúmeros relatórios financeiros produzidos pelo então diretor Francisco de Jesus alertavam sobre os problemas na saúde financeira do grupo.
“Eu recomendei para que a diretoria estabelecesse (as recomendações), eram os presidentes que mandavam. Os diretores executivos como eu, eram profissionais que vinham ajudar na sua área específica. Na área financeira eu ia direto para o banco, mas eu não decidia pagamentos, nem nada”, afirmou o ex-diretor.
Foram centenas de páginas destinadas a evidenciar as irregularidades cometidas pelos herdeiros que, na maioria das vezes, ignoravam todos os dados e sugestões. Foi então que, em 2015, após inúmeras tentativas de conter os desmandos, o diretor pediu demissão do seu cargo. Pouco antes de sair, deixou em seu último relatório críticas não só ao andamento do negócio, mas a conduta dos gestores. Ele destaca alguns pontos:
“Tanto no ambiente externo (não cumprimento sucessivo de compromissos recontratados com fornecedores, clientes, bancos, parcelamentos e re/reparcelamentos tributários) como no interno (rescisões parceladas de nossos ex-colaboradores inadimplidas e colaboradores com salários atrasados há mais de oito meses). O nome construído pelo sr. João Santos desaparecerá em meio à percepção de que seus sucessores não estavam à altura do empreendimento e o conduziram ao fracasso”.
Concluindo com “…impõe-se, por tudo quanto exposto, com a maior urgência, a elaboração de um Planejamento Estratégico Operacional, que trataria de forma racional e estruturada diversas questões operacionais que estão carentes de um direcionamento de curto prazo mais eficaz. A elaboração de tal Plano praticamente não envolveria custos adicionais, pois poderia ser conduzido pela Diretoria com suporte de uma equipe interna que não só lá existe, como foi qualificada para desenvolver um trabalho como este”.
Segunda a advogada Maria Eduarda Matos, o Grupo João Santos tem aproximadamente 15 mil processos e uma dívida estimada de 14 bilhões de reais, incluindo o acordo realizado com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), no valor de 10 bilhões de reais, sendo o maior da história do órgão, para o pagamento de dívidas trabalhistas e tributárias.
Até hoje, ninguém do grupo João Santos se posicionou a favor do aposentado declarando que ele não era herdeiro, mesmo havendo diversas provas favoráveis à sua inocência. Nossa equipe entrou em contato com a assessoria do grupo João Santos para saber o posicionamento do grupo sobre a acusação injusta do diretor financeiro, mas até o momento não obteve resposta.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.