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“Até novembro 70% dos pernambucanos devem estar vacinados”, avisa integrante do Comitê de Imunização

Maria Carolina Santos / 04/06/2021
Eduardo Jorge da Fonseca Lima

Crédito: Divulgação

Há mais de 30 anos, quando fazia residência em pediatria, o médico Eduardo Jorge da Fonseca Lima ficou assustado com o número de crianças internadas com meningite no quarto andar do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). Metade daquele andar era ocupado com crianças com a meningite causada pela bactéria haemophilus influenza tipo b. “Ainda não havia vacina contra essa bactéria. Mas depois começaram a usar uma vacina nos Estados Unidos, depois no Brasil e a introdução da vacina contra essa bactéria causou o desaparecimento rápido desses casos de meningite por haemophilus“, conta.

Desde então, o pediatra Eduardo Jorge passou a pesquisar e a trabalhar com vacinas, tanto na área pública como privada. “Nos últimos anos temos visto o controle do sarampo, o desaparecimento da poliomielite. Depois do saneamento básico, a melhor medida custo-efetividade em saúde são as vacinas. Estima-se que a cada US$ 1 investido em vacinação a sociedade economiza US$ 20. Não há nenhuma relação tão boa”, diz.

A pandemia do coronavírus intensificou ainda mais esse trabalho. “Sem tratamento eficaz e específico para a covid-19, veio a convicção de que só com a vacina a gente ia conseguir sair dessa pandemia. Eu diria que, hoje, passo quase 18 horas por dia trabalhando, estudando e ensinando sobre as vacinas contra a covid”, diz.

Integrante do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e vice-presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe), Eduardo Jorge também faz parte dos comitês de imunização contra o coronavírus no Recife e em Pernambuco.

Em entrevista à Marco Zero, ele falou sobre o ritmo de vacinação no estado, as prioridades e também sobre questões técnicas sobre as vacinas:

De acordo com dados da Secretaria de Saúde Pernambuco tem mais de 100 mil pessoas que receberam ou ainda irão receber a segunda dose da Coronavac com atraso. Há pessoas que irão ficar com um intervalo de mais de 40 dias entre uma dose e outra. A vacina ainda vai ser eficaz nessas pessoas?
Sim, inclusive a gente percebe pelos trabalhos de vida real, pelos trabalhos de efetividade, que apesar do intervalo da vacina Coronavac estar preconizado em 14 a 21 dias, já se tem a certeza de que, quando esse intervalo é de 28 dias, a resposta é mais efetiva. Em outras vacinas da mesma plataforma (vírus inativado) da Coronavac, a gente sempre diz que vacina caminha para frente. Ninguém recomeça o esquema vacinal e ninguém perde por ter atrasado. A preocupação desse atraso não é a resposta vacinal, que eu até acredito que seja melhor com mais tempo, a preocupação é que, para a Coronavac, somente com as duas doses é que há proteção, diferentemente das vacinas das AstraZeneca e da Pfizer, que com uma dose já têm uma eficácia em torno de 70%. A Coronavac precisa das duas doses para ter uma certa proteção. Então, quanto mais atrasa essa dose, é mais população que fica sem proteção. Minha preocupação é mais essa do que se um atraso de 15 dias ou mês vai interferir na resposta imunológica. É muito pouco provável que isso aconteça, mas é muito provável que essa pessoa está descoberta até tomar a segunda dose.

A necessidade uma terceira dose, de reforço, então não seria necessária para essas pessoas?
Hoje, pelo conhecimento que a gente tem, a gente não pode afirmar que precisaria de uma terceira dose. O que tem de preocupação com a Coronavac é com os idosos acima de 80 anos. Neles, a eficácia parece ser menor. Então, a proposta de uma terceira dose para esse público vai ter que ser discutida daqui a uns meses. Hoje, a gente não pode parar para discutir isso porque a gente tem apenas 20% da população brasileira vacinada e apenas 11% vacinada com a segunda dose. É uma discussão que vai precisar ser encarada nos próximos meses. Em relação aos idosos acima de 80 anos que tomaram Coronavac vamos ter que ver quando precisarão tomar uma terceira dose e com qual vacina. Se vai ser com a mesma ou uma outra.

Pernambuco acertou ao incluir grávidas e puérperas sem comorbidades entre as prioridades da vacina. Mas com a suspensão da vacina da AstraZeneca para gestantes, o Ministério da Saúde recomendou que a segunda dose só seja aplicada após o puerpério. O que achou dessa medida? As grávidas podem esperar tanto tempo assim para receber a segunda dose?
Vou falar como pessoa física e não como integrante de nenhuma organização ou comitê. Hoje, eu tenho convicção que a vacinação das grávidas com a vacina Pfizer é extremamente segura. Tenho convicção que as grávidas são grupo de risco para fazer covid-19 grave. Que vacinando a grávida está vacinando duas pessoas. E acho que o Ministério da Saúde precisa rever esta orientação. Acho que a suspensão da AstraZeneca foi correta, uma questão de cautela. Mas temos a opção de complementar o esquema com a Pfizer. Já temos estudos de intercambialidade: começar a vacina com Pfizer e depois tomar AstraZeneca, ou vice-versa. O Ministério da Saúde do Canadá já recomendou esse esquema. É uma ciência que está sendo construída dia após dia, tudo é muito novo. Mas eu acho que o Ministério da Saúde vai rever essa recomendação e as grávidas que tomaram AstraZeneca deverão sim tomar uma segunda dose da vacina da Pfizer.

Eduardo Jorge da Fonseca Lima

O pediatra Eduardo Jorge da fonseca defende com vigor o uso de todas as vacinas disponíveis. Crédito: Divulgação

Pernambuco deve seguir por ora essa recomendação do Ministério da Saúde? Isso foi discutido no comitê de imunização de Pernambuco?
Em Pernambuco, desde que se começou a vacinar grávidas, optamos pela Pfizer. Então, as grávidas do Recife, todas tomaram Pfizer. Estamos em uma situação mais confortável. Para alguns municípios do interior que tiveram grávidas que tomaram AstraZeneca, que são poucos, estamos aguardando um novo posicionamento do Ministério da Saúde. E agora, com a possibilidade da vacina da Pfizer ser mantida por 31 dias em temperatura de 2 a 8 graus, temperatura de geladeira, todas as grávidas de Pernambuco vão tomar Pfizer. Inclusive há um cronograma de entrega de vacinas Pfizer semanal: toda semana teremos entregas. Já enviamos Pfizer para Caruaru, Petrolina, Serra Talhada, que ficaram de polos para cidades circunvizinhas.

Há um movimento de mulheres lactantes para que elas sejam incluídas no grupo prioritário da vacinação. Temos vistos vários casos de grávidas vacinadas que passam os anticorpos para os filhos. É possível que o mesmo possa acontecer com as lactantes?
É possível. A transmissão de anticorpos da grávida para os bebês já é algo estimulado para outras vacinas. A grávida toma vacina da gripe, porque ela se protege e passa anticorpos para o bebê antes dos seis meses. A grávida que toma vacina de coqueluche é única e exclusivamente para que ela produza anticorpos e passe para o bebê dela. É uma tendência vacinar as grávidas para proteger o recém-nascido. Mas em relação à covid-19 a avaliação para os grupos prioritários têm sido por risco e as grávidas sim têm alterações fisiológicas que fazem com elas tenham maior risco de desenvolver covid-19 grave. Em relação às lactantes, depois do puerpério, não se constituem em grupo de risco. A lactante tem a facilidade de se vacinar e proteger seus filhos, mas não corre risco maior. Eu entendo e respeito o movimento das lactantes, mas ainda não é possível atendê-lo. Espero que com maior quantitativo de vacinas, se possa também atendê-las.

Como funciona o comitê de imunização de Pernambuco?
O comitê é de caráter técnico-assessor. Nos reunimos online com certa regularidade, uma vez por semana ou a cada 15 dias, no mínimo. É onde as questões de comorbidade, de faixa etária, de reações às vacinas, as questões técnicas são colocadas para o comitê se posicionar. Há a participação do secretário de saúde André Longo, da secretária de saúde do Recife, Luciana Albuquerque, tem a Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), a Fiocruz, universidades. As questões são levantadas, discutidas e chega-se a um consenso. Em toda reunião é feita uma ata.

É comum que a secretaria de saúde de Pernambuco acate as recomendações?
Muito comum. Têm sido muito sensíveis às nossas sugestões. Obviamente, às vezes acontecem discussões, por uma questão de quantitativo de vacinas. Mas geralmente é aceito.

Pernambuco tem aplicado menos de 50% das doses que recebe. Por que isso acontece?
Primeiro a gente tem guardado as vacinas da segunda dose depois do que aconteceu com a Coronavac. O Ministério da Saúde disse que não era para guardar e a gente acreditou no Ministério. Não guardamos e houve falta. Depois dessa situação, ficamos cabreiros e temos todas as vacinas guardadas para a segunda dose.

De AstraZeneca e Pfizer?
Não, de Pfizer não, mas de AstraZeneca sim. Porque da Pfizer estamos confiando na distribuição do laboratório, que enviou uma proposta real de fornecimento. Acreditamos que vai se concretizar. Outra razão para o descompasso na aplicação, e a gente sabia disso, é o grupo da comorbidade. Tínhamos uma expectativa real de pessoas com imunodeficiência, hipertensão grave, diabéticos, pessoas com deficiência intelectual, baseado nos dados do próprio Ministério. Reservamos as vacinas para comorbidade, mas o que está acontecendo: essas pessoas não estão conseguindo as declarações de suas comorbidades por vários fatores, seja porque o acesso ao sistema de saúde não é fácil, seja porque os médicos estão receosos até de dar declarações verdadeiras, por conta das denúncias de declarações falsas. Por isso foi tomada a decisão de caminhar paralelamente à comorbidade, a vacinação por idade, porque é a distribuição mais justa, mais equitativa, e aí não tem erro, tem lá o documento dizendo a idade e não precisa de um laudo. O que atrapalha a velocidade não é nossa capacidade de aplicar a vacina. É a precaução de se ter vacinas para aplicação da segunda dose, por conta dessa questão da insegurança no fornecimento, e a questão da comorbidade, que realmente só 30% das pessoas esperadas para o grupo de comorbidades se apresentaram para se vacinar.

Você acredita que Pernambuco vai conseguir vacinar pelo menos 70% da população ainda neste ano?
Eu acredito que até novembro nós vamos ter vacinado 70% da população. Porque há uma perspectiva real de fornecimento de vacinas da AstraZeneca, da Coronavac e da Pfizer. Para setembro estão prometidas 100 milhões de doses da vacina da Pfizer para o Brasil. O Brasil tem cerca de 220 milhões de habitantes, então vai dar para vacinar 50 milhões de pessoas. Acredito que teremos em Pernambuco 70% dos moradores vacinados com primeira e segunda dose até novembro. Porque vacinar a gente sabe. O que a gente não tem é vacina. Mas o Brasil, em relação a outros países, tem grande expertise em vacinação. Chegando vacina, as coisas decolam. Devemos ter um segundo semestre bem mais acelerado nesta campanha. E não é uma expectativa solta, é algo real. Porque eu confio que a Pfizer vai mandar os 100 milhões de doses e em junho a Fiocruz começa a produção do IFA nacional. A expectativa é que, em outubro, as doses já sejam com o IFA nacional e aí acaba essa dependência da boa vontade da China.

Em meados de abril o Congresso aprovou a compra de vacinas contra covid-19 pelo setor privado, mas até agora nenhuma negociação com as farmacêuticas foi divulgada. Algumas afirmaram que só negociam com setores públicos. Como você vê essa questão?
É um tema controverso. Tem quem diga que se o mercado privado vacinasse, diminuiria a carga para o SUS e aceleraria a vacinação. Mas eu penso diferente. No momento que o mercado privado entra, o preço para o setor público sofre uma interferência, já que eu tenho outro grupo que vai poder comprar a vacina. Pode aumentar sim o valor das doses. E isso vai acontecer, é o capitalismo. Vai complicar a vida do governo para comprar vacina. A pandemia é tão grave e está tão desigual em relação às taxas de mortalidade, com as populações carentes morrendo mais, o acesso ao serviço de saúde sendo tão prejudicado, que se a gente for criar ainda outro viés, o da vacina privada, neste país, neste momento, em que não temos vacina para a população como um todo, eu vejo mais malefícios que benefícios. No momento que tivermos a maioria da população vacinada, aí sim poderá ser discutido a chegada da vacina no mercado privado, mas não antes de atingirmos os 70%.

As pesquisas já apontam alguma resposta se deveremos nos vacinar todos os anos ou se a imunidade da vacina vai durar mais tempo?
Essa é uma resposta que vai cair no achismo. Quanto mais tempo a gente demorar para vacinar 70% ou 80% da população, mais variantes irão surgir. A última foi a indiana, mas não tenha dúvidas de que vai surgir uma mexicana, uma venezuelana etc. As variantes são uma maneira inteligente que os vírus têm de sobreviver à imunidade. Ele vai mudando para ficar ativo. Então, a gente tem é que acelerar a vacinação para reduzir a carga da variante. Se em 2022 a gente vai precisar revacinar toda a população ainda é uma incógnita. Tudo vai depender da resposta das vacinas atuais às variantes.

Por que temos vistos tantas pessoas adoeceram em estado grave e até morrerem mesmo após a segunda dose da vacina?
Essa é uma pergunta importantíssima, que me fazem todo dia. Vamos ver o exemplo de uma vacina de alta eficácia, como a do sarampo, que tem 95% de eficácia. Isso significa que 5% das pessoas que tomaram ainda podem ter sarampo. E por que a gente não vê a expressão desses 5%? Não vemos porque como a doença é controlada, como a população é vacinada em mais de 80%, não permite a expressão desses 5% que não responderam à vacina. Nenhuma vacina é 100%. Com a covid-19, temos um cenário contrário. Somente 10% da população está imunizada. Temos uma alta circulação do vírus em uma população não protegida. E aí a falha vacinal se destaca. Isso vai acontecer. Mas não devemos olhar para os casos individuais. A gente hoje tem o exemplo do Uruguai, do Chile e o exemplo da cidade de Serrana (SP), mostrando bons resultados quando se vacina uma boa parte da população. No Uruguai e no Chile foram de mais de 50%. Em Serrana, a cidade toda. Quando temos um bom percentual de pessoas vacinados – mesmo com a Coronavac, que é a que tem a menor eficácia – há queda nos números. Mas enquanto tiver vírus circulando e pouca população vacinada, vamos ter casos de falha de vacinas.

Uma coisa que a França está fazendo como alternativa ao lockdown – que é importante, mas tem todas as dificuldades operacionais e econômicas – é a testagem ampla, com teste rápido. Se a gente associa testagem rápida com vacinação rápida, e o isolamento das pessoas que estão com o vírus, os contatos testados e isolados, isso tem se mostrado eficaz. Testagem rápida com teste de antígeno, que sai em 20 minutos. Que a gente tivesse tendas de testes espalhadas pela cidade, que a pessoa chegasse lá e fosse testada facilmente. E essa pessoa ficasse em quarentena.

A testagem não tem sido bem feita no Brasil.
O Brasil não fez bem. Mas vamos propor esse modelo para o prefeito do Recife (João Campos) e a secretária de saúde. Talvez não dê para o estado como um todo, mas para Recife dê para fazer. Com a testagem rápida a gente conseguiria quebrar essa cadeia de transmissão.

Uma pessoa que está vacinada tem menos chances de transmitir o vírus para pessoas não vacinadas? Há diferença disso entre as vacinas disponíveis hoje no Brasil (Coronavac, AstraZeneca e Pfizer)?
A vacina Coronavac especialmente é uma vacina que não é esterilizante: ela permite que você não adoeça de forma grave, mas você pode continuar a transmitir o vírus, quase na mesma capacidade de uma pessoa não vacinada. Uma vacina esterilizante é isso: não é só que eu adoeço de forma menos grave, mas eu consigo não me infectar e, portanto, não transmito. Em Serrana (SP), o resultado do estudo com a Coronavac foi feliz. Eu defendo a Coronavac em todas as lives que participo, nas minhas aulas, mas esqueceram de comentar que em Serrana fizeram um lockdown de três semanas ao mesmo tempo em que vacinavam a população. Não são resultados de vida real, onde não temos nem lockdown, nem vacinação para toda as pessoas. A Pfizer parece ser esterilizante e a AstraZeneca também, mas principalmente a Pfizer, que tem mostrado que consegue quebrar a cadeia de transmissão.

A Pfizer solicitou à Anvisa mudança na bula, para permitir também a vacinação de pessoas acima de 12 anos. As vacinas contra covid-19 para crianças e adolescentes em breve serão possíveis?
Eu, como pediatra, esperaria que sim. Mas como cuidador de pessoas como um todo…a gente sabe que as crianças têm menos chances de doença grave. E como não costumam ficar sintomáticos, não tossem ou espirram, eles transmitem mesmo. Precisamos avançar em outras faixas etárias. Temos uma população de pessoas que têm que sair de casa, que precisam trabalhar para comer e estão expostas diariamente ao coronavírus. Neste ano, ainda não vejo adolescentes sendo vacinados no Brasil.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org