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Balas e histórias perdidas

Marco Zero Conteúdo / 26/01/2022

Hozana da Silva grava para o documentário sobre vítimas de bala perdida dirigido pelo filho Mekson (ao lado dela na foto), que viveu o drama quando tinha apenas um ano e três meses. Crédito: Coletivo Revelar.si

Por Mekson Dias*

Era começo da noite do dia 1º de novembro de 2002 e, no Coque, comunidade da região central do Recife, uma criança de apenas um ano e três meses foi atingida na cabeça por uma bala perdida. Estava na frente de casa, no colo de sua mãe, que demorou algumas horas para entender o que de fato tinha acontecido. A mãe era Hozana da Silva Dias, uma costureira, na época com 31 anos e dois filhos pequenos. O bebê, Mekson, era eu.

Em 2010, no caminho para a padaria, Juliana Gomes Cavalcante, uma adolescente de 14 anos, se assusta com um tumulto na rua do lado de onde morava. Escuta um barulho e, ao levar a mão ao rosto, sente o sangue escorrendo. Esconde-se na casa dos vizinhos para, em seguida, se dar conta que, mesmo sem nenhum envolvimento com o tiroteio, tinha sido baleada. Juliana se tornou mais uma vítima desse tipo de violência urbana que, só no Recife, em 2020, vitimou 24 pessoas.

Juliana fala sobre o trauma de ser atingida no rosto por uma bala perdida quando tinha apenas 14 anos. Crédito: Coletivo Revelar.si

O então aluno de ensino médio Vinícius Simões também entrou para as estatísticas das balas perdidas. Era 2018 e Vinícius estava com amigos em uma festa de rua, ao lado do canal Ibiporã, em Joana Bezerra. Enquanto tomavam a primeira cerveja, sentiu o impacto de dois projéteis. As marcas no seu pulso e coxa são cicatrizes que, três anos depois, aparecem nessa videorreportagem.

Não é só uma bala de calibre 38 que une essas três histórias. Nem é só por elas passarem todas na mesma periferia de Recife e nem pelo esforço que as vítimas precisaram fazer para, na chegada ao hospital, explicar que não eram bandidos. “Balas e histórias perdidas” é uma videorreportagem que traz à tona memórias de pessoas que sofreram esse tipo muito específico de violência. Pessoas que, assim como eu, tiveram suas vidas alteradas por um acontecimento violento e traumático.

Vinícius expõe a pressão que sofreu da polícia para provar que era vítima e não um criminoso. Crédito: Coletivo Revelar.si

Eu, enquanto uma dessas vítimas, sempre senti a urgência de abordar o assunto. Um tema que marcou minha vida, seja nas histórias contadas por minha mãe – que lembra com detalhes de quando eu cantarolei um brega logo após a cirurgia –, seja por ter ficado conhecido na minha rua e na escola como o “pirraia da bala”. 

Segundo dados do Fogo Cruzado, instituto que monitora a violência por arma de fogo nas Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e do Recife, 47 pessoas foram vítimas de bala perdida entre 2019 e 2021, somente na capital pernambucana. Já na Região Metropolitana do Recife, chegou a 115 o número de pessoas vitimadas por balas perdidas: 14 delas morreram. 

Apesar de altos, esses números me dizem pouco e essa videorreportagem parte de um desejo de mergulhar no tema e transformar a cicatriz que carrego na cabeça em relatos, memórias e histórias partilhadas.

* Mekson Dias é estudante de artes visuais, ator e comunicador popular. Integra a Rede Coque (R)existe e o coletivo Coquevídeo de formação e experimentação em audiovisual. Morador do Coque, foi vítima de bala perdida em 2002.

Esta reportagem é resultado da bolsa para o laboratório-escola Dados em Narrativas Jornalísticas, realizado em parceria pela Marco Zero Conteúdo, Instituto Fogo Cruzado, Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco e Fundação Friedrich Ebert.

AUTOR
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