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Crédito: Alan Santos/Agência Brasil
O Brasil não só deixou de cumprir, como está em retrocesso em metade das metas de direitos humanos sobre as quais deve prestar contas à Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo o Coletivo RPU Brasil, responsável por monitorar o país na Revisão Periódica Universal (RPU), um dos mecanismo das Nações Unidas de acompanhamento e avaliação de políticas públicas, a situação é preocupante.
O atual relatório do RPU Brasil, elaborado com o apoio de 31 entidades, coletivos e redes que compõem a organização, revela que, de 242 recomendações feitas por outros países-membros das Nações Unidas, 46% ultrapassam a margem do não-cumprimento ou estão retrocedendo. Somente 17% dos tópicos estão em implementação – e, mesmo assim, parcialmente.
Ao sistematizar as orientações feitas ao país, o Coletivo RPU Brasil produziu 11 relatórios divididos por temas. O Brasil retrocede principalmente em educação, saúde, igualdade de gênero, direitos dos povos indígenas, acesso a espaços democráticos, trabalho, redução da pobreza, meio ambiente e justiça criminal. Dentro das metas, apenas uma foi considerada totalmente cumprida: a garantia de trabalho digno para trabalhadoras e trabalhadores domésticos.
Um dos 11 relatórios do Coletivo RPU, com o tema relacionado aos povos indígenas e ao meio ambiente, mostra que das 27 recomendações feitas, nenhuma foi cumprida sequer parcialmente. São 11 em situação de não-cumprimento e 16 em retrocesso. Um dos pontos avaliados no relatório é a saúde indígena, que sofreu com redução de orçamento, com a desestruturação do programa Mais Médicos e também com a tentativa de municipalização e extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena.
Outro exemplo destacado pelos relatórios da Revisão é a violência policial causada por agentes em serviço. O tema aparece em situação alarmante e discute episódios graves de mortes e chacinas ocorridas pelo país nos últimos anos – a exemplo dos recentes episódios da morte de 28 pessoas na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e o caso de Genivaldo de Jesus Santos, assassinado em 25 de maio durante uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal em Umbaúba, Sergipe, numa câmara de gás improvisada em uma das viaturas da PRF.
Existem sete recomendações para mitigação e investigação para os crimes de violência policial e todas estão em retrocesso. A mesma coisa acontece com as sete orientações para a prevenção e combate à tortura, que também retrocederam. O relatório do RPU Brasil mostra, ainda, que as principais vítimas da letalidade policial e violência institucional no país são os jovens negros.
O Brasil integra o Conselho de Direitos Humanos desde a sua instituição, em 2006, e deve prestar contas sobre a situação dos direitos humanos no país ao Alto Comissariado das Nações Unidas a cada quatro anos e meio. Segundo a RPU, que, desde 2008, atua como um mecanismo internacional cruzando recomendações sobre este e outros temas entre as nações, os números são inéditos na participação do país na Revisão.
“Com certeza, esse é um problema estrutural. A questão não é só cumprir as recomendações, mas, também, não andar para trás. E o Brasil está retrocedendo. Há algumas ações conjunturais que afetam todas as políticas de direitos humanos no país. Nesse governo, nós tivemos claramente uma redução orçamentária nessas políticas e, sem orçamento, há um enfraquecimento proposital dos órgãos de participação, gerando uma política anti direitos, que causa retrocesso. Na mesma proporção, há uma valorização de um discurso violento que cria na sociedade um sentimento de que há inimigos a serem combatidos. Isso faz com que a violência cresça, principalmente, contra índios, quilombolas, jornalistas, mulheres e contra jovens negros de periferias”, avalia Fernanda Lapa, Diretora Executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organização que atualmente coordena o Coletivo RPU Brasil.
A cada ciclo da RPU, os Estados submetem relatórios ao Conselho de Direitos Humanos, que tem o mandato para organizar e guiar os países membros. O Brasil precisa apresentar à ONU um relatório final até o dia 8 de agosto de 2022, em Genebra, na Suíça. No documento elaborado pelo governo Bolsonaro (aberto à consulta pública até o dia 30 de junho) não há nenhuma informação a respeito do retrocesso nas metas destacadas pelo Coletivo RPU Brasil.
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