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Câmara do Recife aprova projeto que proíbe linguagem neutra ser falada em escolas da capital

Inácio França / 23/05/2023
Em foto feita no leito do rio, vista da ponte Duarte Coelho, no centro do Recife, com pessoas erguendo pequenas bandeiras do arco-íris, com um bandeirão nas cores do arco-íris pendurada na mureta da ponte , sobre o tio Capibaribe.

Crédito: Beto Figueiroa/Equipe Ivan Moraes

A Câmara Municipal do Recife aprovou, em primeira votação, projeto de lei que proíbe que se fale palavras da chamada linguagem neutra nas escolas públicas e privadas da capital pernambucana. Por 15 votos a 13, com três abstenções, a bancada de extrema-direita conquistou uma de suas poucas vitórias na atual legislatura. Agora, o projeto do vereador Fred Ferreira (PSC) deve voltar à pauta para ser votado pela segunda vez, antes de seguir para sanção ou veto do prefeito João Campos (PSB).

Como se tornou comum nas discussões que envolvem a pauta de costumes na Câmara, o debate foi acirrado e durou mais de duas horas. No entanto, qualquer que seja o resultado ou posição do prefeito, dificilmente o projeto entrará ou vigor ou mudará a rotina das escolas recifenses, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou a inconstitucionalidade de uma lei semelhante aprovada em Rondônia que proibia a “linguagem neutra” na grade curricular e no material didático de escolas públicas ou privadas, bem como em editais de concursos públicos.

Para o STF, essa é uma competência exclusiva da União, além do projeto não ter aplicação prática, pois “existem regras nacionais vigentes vinculadas ao uso da norma culta da Língua Portuguesa, que seguem preservadas”.

Fred Ferreira defendeu a aprovação do seu projeto ora argumentando que era preciso defender a língua portuguesa, ora afirmando que pretendia defender as crianças de uma linguagem imposta por uma “minoria”.

Vereadores e vereadoras de esquerda, centro-esquerda e até de direita, como foi o caso de Aline Mariano (PP) apontaram que o objetivo do projeto não seria defender o idioma, mas sim impor o silêncio, de maneira autoritária, às pessoas LGBTQIA, como o jornalista Jorge Cavalcanti havia escancarado em artigo para a Marco Zero.

Ivan Moraes Filho (PSOL) alfinetou Fred Ferreira com fartas doses de sarcasmo. “O carinho com a língua portuguesa não é o forte do autor do projeto”, enumerando em seguida os erros de português cometidos pelo vereador direitista em sua fala. “A justificativa do projeto cita que a linguagem neutra fere o acordo ortográfico, ignorando que essa mudança seria de natureza morfo sintática, não tem nada a ver com ortografia. Falta conhecimento até sobre isso”, ironizou.

A poeta Cida Pedrosa (PCdoB) recordou que ganhou o maior prêmio da literatura brasileira com um livro em que usa dezenas de palavras inventadas, usando também o “todes” da linguagem neutra. Recorrendo ao argumento do dinamismo das línguas vivas, Aline Mariano afirmou que neologismos como “sofrência” é um neologismo, assim como “todes” e “querides”. Samuel Salazar (MDB) criticou o projeto pela flagrante inconstitucionalidade de tentar proibir o uso de palavras pelas pessoas.

A evangélica Michele Collins, também do PP, saiu em defesa do projeto de maneira, no mínimo, curiosa. Para ela, se a linguagem neutra continuar a ser usada, a canção popular “o sapo não lava o pé/não lava porque não quer”, seria ensinada nas escolas como “é sepe né leve é pé/né leve perqué né quer”. É sério. Pode conferir no vídeo da sessão disponível no YouTube, ao final deste texto.

Ao fim da votação – que contou com o voto favorável do ex-petista e sindicalista Luiz Eustáquio (PSB) -, pelo menos dois vereadores que se abstiveram – Aline Mariano e Gilberto Alves (Republicanos) – sinalizaram que podem votar contra o projeto em segundo turno. “Assinalo um aspecto que não foi abordado nos debates de hoje: o projeto prevê a extensão do veto da linguagem neutra em espaços de informação e de cultura. Isso me parece muito perigoso”, comentou Alves.

TJ e STF

Conselheiro da seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil e presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados de Pernambuco, Paulo Arthur Monteiro acredita que a aprovação da lei será inócua. “O município não tem competência para fazer esse tipo de limitação, a competência é federal, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas, como se trata de um projeto aprovado em âmbito municipal, quem julgará se ele é constitucional ou não será o Tribunal de Justiça de Pernambuco, chegado ao STF à fase recursal. Se fosse um projeto de lei estadual, seria julgado direto pelo Supremo”.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.