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Caminhada dos Terreiros acontece em clima de alívio e esperança

Maria Carolina Santos / 01/11/2022
Mulher negra vestida de branco com turbante e detalhes da roupa em rosa, gira no meio da rua durante a Caminhada dos Terreiros de Pernambuco. Ao redor dela algumas pessoas observam.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A 16ª Caminhada dos Terreiros de Pernambuco foi uma festa marcada pelo alívio e pela esperança. Com concentração no Marco Zero, foi a primeira manifestação de rua no Recife organizada por movimentos sociais com o sabor da vitória de Lula (PT) nas urnas. Uma vitória que também é do povo de axé, que viu a perseguição e a intolerância religiosa crescerem no governo de Bolsonaro.

Uma das lideranças da Rede de Articulação da Caminhada dos Terreiros de Pernambuco (Rede ACTP), pai Edson Axé comemorou a vitória. “Estamos eufóricos. O Brasil volta novamente a celebrar a democracia. Celebrar esse dia de hoje, com o povo de terreiro na rua, é muito importante, porque o presidente que ainda está aí traz uma cultura de ódio. Aqui, o povo de candomblé vem para rua dizer o quão importante é amar o próximo”, disse.

Pai Edson Axé defende que uma das pautas mais urgentes do governo Lula seja o fortalecimento da laicidade. “O estado laico permite que possamos ter o exercício da nossa cidadania plena. O católico, o judeu, o evangélico, e até o ateu, possam se declarar o que são sem medo de ser feliz”, disse.

Referência das religiões afro em Pernambuco, o pai Ivo de Xambá se mostrou aliviado com a vitória de Lula. “Para as pessoas de terreiro não foi só uma eleição. Foi uma questão de sobrevivência. O candidato oposto se colocava contra nós. A eleição de Lula foi importantíssima para que possamos ter nosso espaço”, afirmou.

Uma das homenageadas da Caminhada com o grupo Baque Mulher, a mestra Joana Cavalcanti, da Nação Maracatu Encanto do Pina, lembrou que a luta pelos direitos não cessa nunca. “Que nossos orixás, ancestrais e entidades nos guiem. O período mais difícil nós conseguimos ultrapassar, que foi a pandemia com aquela gestão terrível. Agora nosso povo de matriz africana segue sempre na luta. Esse momento é para reafirmarmos que somos guerreiros”, afirmou. “Agora vai ser o povo a favor de Lula e Lula a favor do povo”.

Participante do conselho religioso da Rede ACTP, o pai Tarcísio de Ògìyán defendeu a coletividade como uma saída para o obscurantismo político no Brasil. “Ano passado estivemos aqui em denúncia ao estado. O povo de terreiro enfrentou a pandemia quase só. Esse ano a conjuntura política fez com que a sociedade brasileira se polarizasse e a caminhada vem com a ideia de que “eu sou porque somos”. Nós não somos individuais”, diz. “A conjuntura atual está muito bagunçada. Mesmo com Lula eleito, temos muito a avançar. Mas agora temos esperança e possibilidade de caminhar”, afirmou.

Pessoas carregam faixa da 16ª Caminhada dos Terreiros de Pernambuco

Para povo dos terreiros, vitória de Lula era questão de sobrevivência. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Relação com Raquel Lyra

A Rede ACTP quer fazer com a governadora eleita Raquel Lyra uma conversa institucional. “Respeitamos o resultado das urnas e vamos conversar com ela sobre a importância do fortalecimento de uma campanha de combate à intolerância religiosa e ao crime religioso”, diz o pai Edson Axé.

Pai Ivo de Xambá vê a eleição de Raquel como uma oportunidade de trabalho conjunto. E destaca que a política de Bolsonaro é muito diferente da de Raquel Lyra. “Vi as entrevistas de Raquel e tive a oportunidade de ir a Caruaru e conversar com as pessoas de terreiro. E realmente ela trata essa nossa minoria de uma forma muito diferente de como Bolsonaro trata. Não votei em Bolsonaro porque não posso ser sócio da minha miséria, mas com Raquel Lyra nós vamos poder trabalhar juntos”, acredita.

Para a mestra Joana Cavalcanti, que já teve problemas com evangélicos na rua onde fica o maracatu, a proximidade de Raquel Lyra com políticos evangélicos fundamentalistas assusta. “É temeroso. Em nenhum momento a gente vê o posicionamento dela, em quem votou. Vamos enfrentar mais uma batalha. Sabemos o quanto a perseguição é grande. E quando tem pessoas no poder que fortalecem o outro lado, a gente sofre muito. Mas estamos aí para lutar”, disse.

Pessoas trans acolhidas nos terreiros

Uma das homenageadas do evento foi a coordenadora da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais (Amotrans), Choppelly Santos. Mesmo não seguindo as religiões afrobrasileiras, ela falou da importância do acolhimento. “Enquanto todas as religiões condenam a gente ao inferno, os terreiros abrem as portas para receber as travestis e transexuais. Essa homenagem é o reconhecimento de todas as pessoas trans que foram acolhidas pelos pais e mães de santo”, afirmou Choppelly.

O próximo governo Lula é de muita expectativa para a população LGBTI+. “Vamos ter 40 anos em quatro”, comemora, parafraseando o slogan de desenvolvimento do governo de Juscelino Kubitschek. “Lula foi o pai das políticas LGBTIQA+. Vamos começar a refazer o Brasil de novo, para o povo. Que a gente consiga finalmente uma secretaria nacional que possa cuidar não só da comunidade trans, mas da comunidade LGBTQIA+, combatendo o enorme índice de assassinatos que o Brasil tem”, afirmou.

A chegada de Raquel Lyra ao governo de Pernambuco é vista pela coordenadora da Amotrans-PE como uma oportunidade para o diálogo. “Esperamos um programa Pernambuco sem LGBTfobia. O Rio de Janeiro fez o programa logo no início do movimento. Esperamos nada menos que isso”, diz Choppelly, que cita a vice Priscila Krause e o deputado não reeleito Daniel Coelho como possíveis pontes com o futuro governo. “Eles já tiveram um bom diálogo com o movimento LGBTQIA+. Nosso trabalho como movimento social é esse, levar nossas pautas para os governantes eleitos. O diálogo vai acontecer, se vai ser concretizado ou não, o tempo vai dizer”, disse.

Imagem de mãos e colo de uma mulher com muitas pulseiras e guias de santos coloridos.

Pais e mães-de-santo elogiam postura de Raquel Lyra sobre as religiões de matriz afro. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com