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Direita tradicional volta ao poder em Pernambuco com eleição de Raquel Lyra e Priscila Krause

Maria Carolina Santos / 31/10/2022

Crédito: Américo Nunes

O hotel Beach Class, onde aconteceu na noite de ontem (30 de outubro) a coletiva de vitória de Raquel Lyra (PSDB), parecia uma volta aos anos 1990. Era como se a diversidade na política nunca tivesse alcançado aquele saguão. A diferença era que todos aqueles homens – na maioria de direita, na maioria brancos, na maioria de certa idade – não estavam ali à espera de outro homem como eles, mas de duas mulheres. Filhas, porém, de políticos como eles. Raquel Lyra e Priscila Krause chegaram juntas e sob aplausos após uma vitória acachapante, muitos pontos percentuais acima do que as pesquisas sugeriam.

A direita tradicional, que parecia combalida com a ascensão da sua versão extremista, fez um rebranding que deu muito certo em Pernambuco: venceu com um discurso de mudança e ares de frescor com duas mulheres à frente, a primeira vez que uma chapa do tipo foi vitoriosa no Brasil.Mas a maioria do séquito de políticos que compareceram à coletiva e subiram ao palco do auditório do Beach Class era de representantes do puro suco da tradicionalíssima política pernambucana de direita e de centro. Com alguns poucos gatos pingados da extrema direita e da esquerda.

Só de ex-governadores-tampão, aqueles que ficam no poder por alguns meses enquanto os governadores eleitos vão em busca de outros cargos, havia três. Mendonça Filho (DEM) é figura bem conhecida dos pernambucanos e que teve uma série de derrotas nas urnas para cargos majoritários. Foi ministro da educação de Michel Temer, quando aterrorizou servidores públicos na Fundaj.

Eleito deputado federal neste ano, é amigo de longa data de Priscila Krause e considerado um dos mentores políticos da nova vice. “Não posso falar pelo governo dela, mas acredito que vai mostrar essa amplitude que ela simboliza”, afirmou.

Assim como Mendonça, a carreira de Gustavo Krause também se fez no Partido da Frente Liberal, o PFL, que foi obrigado a passar por uma maquiagem e rebatizado de Democratas até fundir-se ao PSL de Luciano Bivar sob o novo nome de União Brasil. Na linha histórica, uma continuação do Arena, o partido que deu sustentação à ditadura militar no Brasil. Krause chegou feliz, acompanhando a filha, a nova vice. Não quis responder em quem votou no domingo. “A maioria democraticamente optou pelo presidente Lula e espero que ele tenha sabedoria e que o país não seja contaminado com tanto ódio, contradição e ressentimento”, falou à MZ, garantindo que irá manter-se fora do futuro governo. “Sou apenas o pai da vice-governadora, nada mais que isso”.

Quem também estava animado era o deputado estadual Joel da Harpa, do Partido Liberal. À MZ comemorou que, depois de dois mandatos na oposição, finalmente iria para a situação no governo de Raquel Lyra. “Está cedo para falar de secretarias. Mas lógico que o PL, como dizem os militares, está ‘pronto’ e ‘em condições de’ para, se assim precisar, estar em uma secretaria ou fazer algum tipo de trabalho. Nos meses que se aproximam essa articulação deve se dar, e o PL e a minha pessoa vão estar prontos para serem soldados neste processo”, disse.

Evangélico e policial militar, Joel da Harpa faz parte daquele grupo conceitualmente incoerente de cristãos armamentistas. Foi um dos que, em plena pandemia, cercaram uma maternidade pública onde a equipe médica realizava o procedimento de aborto legal em uma criança de 10 anos vítima de estupro.

Além de Joel da Harpa, Lyra recebeu também no seu palanque durante a campanha os casais de políticos Michelle e Cleiton Collins e Clarissa e Júnior Tércio, igualmente fundamentalistas evangélicos. Os casais não foram para a coletiva.

Joel da Harpa. Crédito: Mª Carolina Santos/MZ

Na entrevista à Marco Zero, Joel da Harpa adotou um discurso mais apaziguador. “A eleição polarizou demais, mas Raquel se mostrou mais de centro. A vitória dela, a meu ver, se deu mais pela posição de neutralidade. E que, na minha opinião, será um benefício que ela vai ter para governar, com as ideologias agora mais moderadas e discutindo a situação do estado”, disse.

Conhecido por ter sido carregado pelos braços tal qual um rockstar na votação do impeachment de Dilma, o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, comemorou as três vitórias do PSDB no segundo turno, mostrando que o partido segue no jogo. “É uma virada de ciclo geracional”, falou à MZ. “O Brasil começa agora a abandonar os extremismos e a cuidar do que interessa às pessoas, começando a cuidar de baixo pra cima. O primeiro passo da normalidade é acabar com os extremismos”, afirmou, a poucos metros de Joel da Harpa. “O que esperamos é um governo largo. Raquel conseguiu chegar a essa posição sem fazer negociação de espaços, de secretarias, de empresas públicas. Raquel deve fazer uma construção com aliados, dos que acreditaram no projeto, algo em que o critério maior seja fazer entrega à população”, disse.

Para Daniel Coelho, deputado federal não reeleito e que é aposta certa no novo governo, o modelo do PSB estava cansado e Raquel abre um novo ciclo. “Vai ser um governo inclusivo, que vai olhar para quem mais precisa. Agora é construção, temos que esperar um pouco”, respondeu, quando perguntado como seria esse governo com os apoios do segundo turno.

Afastado da “neutralidade”, Miguel Coelho (UB), candidato derrotado ao governo, apoiou Bolsonaro e acompanhou a apuração das urnas junto de Raquel e da família dela. Disse à MZ que acredita que Raquel não vai olhar “esquerda ou direita” para montar o governo. Sobre a participação do União Brasil no governo, disse que cabe à governadora eleita decidir. “Mas já ajudei ela no segundo turno e estarei sempre à disposição”. Deputado reeleito para o quinto mandato, Fernando Bezerra Coelho Filho também estava por lá.

Eleito deputado estadual, Jarbas Filho (PSB) chegou à coletiva como um representante do voto “lulaquel”. “Não vejo a posição dela como neutralidade, mas como independência. Recebeu apoio de quem apoia Lula e de quem apoiou Bolsonaro. O resultado na urna mostra que ela não teve nenhum dano por conta disso, pelo contrário”, afirmou.

Quando faltavam poucos minutos para a chegada da nova governadora, o deputado reeleito Eduardo da Fonte atravessou o saguão com passinhos apressados. Sem parar de andar, falou que ainda é cedo para se avaliar como o partido Progressistas (PP), do centrão raiz, vai se integrar ao governo.

Aposta em alinhamento com Lula

Quando Lula foi confirmado como presidente, Raquel Lyra e Priscila Krause ainda não haviam chegado ao hotel. A vitória quase passou em branco no saguão, sendo comemorada discretamente. Quando Raquel, no palco, parabenizou Lula pela vitória, não foi todo mundo que aplaudiu, mas foi a maioria dos presentes.

Raquel Lyra fez um discurso em que disse que iria governar para todos e todas. Colocou acabar com a fome como prioridade do seu governo. E falou da geração de empregos e da necessidade de melhoria da saúde e da educação. Em entrevista hoje ao Bom dia Pernambuco, na TV Globo, falou em programa de qualificação profissional para a população LGBTI+. E que vai montar um secretariado técnico, com “sensibilidade política”. Disse que recebeu o apoio da “chamada extrema-esquerda” mandando um beijo para Márcia Conrado (PT), prefeita de Serra Talhada. Não abriu o voto para presidente em momento algum.

Assim como Mendonça e Krause, João Lyra Neto, pai de Raquel, também foi governador-tampão: passou nove meses no poder quando Eduardo Campos saiu para tentar a presidência. Teve uma carreira ligada à defesa do regime democrático. Ele vê o atual momento político como de instabilidade e que Lula vai ter a missão de restabelecer a paz e o respeito aos poderes. “A eleição de Lula foi importante para Pernambuco e para o país inteiro. Acima de tudo, ele vai ter a missão de cuidar de melhorar a vida dos brasileiros”, disse à MZ. Ele não quis responder sobre a neutralidade da campanha de Raquel na disputa nacional.

Para o ex-presidente da OAB-PE e ex-vereador Jayme Asfora, que tentou vaga de deputado estadual neste ano pelo PSDB, Raquel lembra o tio dela, Fernando Lyra, que foi ministro de Fernando Henrique Cardoso. “Raquel tem tudo para dialogar muito bem com Lula. É uma pessoa sensível, progressista”, disse.

E foi além: “Ela vai dialogar com Lula melhor até do que se fosse Marília”, apostou. “Prefiro confiar no apoio de Márcia Conrado e de Túlio Gadelha. Raquel é mais parecida com eles do que com os Tércio e Joel da Harpa. Apoio ninguém nega, mas acho que não vão ser incorporados ou direcionar o governo dela”, completou.

Gadelha e Raquel. Crédito: Américo Nunes

Se o “governo largo” de Raquel pode deixar a extrema direita de lado, tampouco indica que vai abraçar a esquerda. O único político eleito por um partido de esquerda no evento foi Túlio Gadelha (Rede). Ele fez uma fala de união em entrevista à Marco Zero. “Precisamos dialogar se a gente quer governar. Lula não vai conseguir governar com a bancada de esquerda que foi eleita. Somos só 125 deputados, precisamos abrir diálogo com o PSDB, o MDB, o Cidadania, com partidos que nunca estiveram conosco, mas que, por defender a democracia, devem estar. Todos os gestos de aproximação da esquerda com o centro democrático são necessários neste momento, para que haja governabilidade”, disse.

Mais uma vez, Túlio disse que Raquel votou em Lula, ainda que a futura governadora insista em manter o segredo sobre seu voto. Mas Túlio não tinha dúvidas. “Raquel é brizolista desde criança. Raquel teve sua formação política no partido socialista. A conjuntura política jogou Raquel para o PSDB, mas Raquel não é uma candidata de extrema direita, nem uma bolsonarista”, disse Túlio, afirmando que “com certeza” Raquel votou em Lula. “Eu sei que ela não vota em Bolsonaro, ela me disse isso. Sei também que não vota em branco. Por eliminação, ela votou em Lula”, especulou.

Sobre ser o único político de esquerda no palco de Raquel, que se vende como amplo, Túlio citou os números das urnas. “Se Pernambuco deu quase 70% a Lula e Raquel teve mais de 58% dos votos é porque muita gente votou em Lula e em Raquel. Eu represento esses eleitores. O PSOL me criticou, mas o PT não me criticou. Esse é um voto pedagógico, para um diálogo amplo”, afirmou. Terminou com uma análise bem elástica e uma crítica aos que o condenaram pelo apoio a Raquel. “Foi a nossa bolha que levou a construção de Bolsonaro e do bolsonarismo. É hora de construir essa abertura, esse gesto de aproximação visa construir essa abertura”.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com