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Com apoio de mais de 50 organizações, instituições e personalidades públicas, a campanha “Sem Mangue, Sem Beat”, em favor da criação da Reserva Extrativista (Resex) Rio Formoso, pressiona a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD), a apoiar a criação da nova Unidade de Conservação (UC) localizada no litoral sul do estado. Essa é uma demanda de comunidades tradicionais pesqueiras que já dura mais de 15 anos.
Agora há uma nova chance de o projeto virar realidade. O Governo Federal anunciou este ano, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), de olho na COP30, um pacotão de propostas para criação e ampliação de várias UCs no Brasil. Entre elas, está a Resex Rio Formoso, num local que abriga o último grande manguezal não urbano de Pernambuco.
A proposta da Resex, que já passou por estudos técnicos e por consulta pública, seguiu para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima para, depois, ser encaminhada à Casa Civil, que, por sua vez, emitirá um pedido à governadora para que ela se manifeste sobre o assunto. Caso não haja manifestação ou ela seja contrária, o presidente Lula (PT) não poderá seguir com o decreto de criação da reserva. O apoio de Raquel é, portanto, a peça que falta nesse tabuleiro.
Construída por organizações da sociedade civil e lideranças tradicionais de seis comunidades e de um território quilombola, o Engenho Siqueira, a campanha “Sem Mangue, Sem Beat”, inspirada no movimento Manguebeat, uma plataforma online para compartilhar informações, cartas de apoio e ferramentas para que qualquer pessoa possa se somar à causa. Um dos principais chamados da campanha é para que a sociedade envie mensagens à Raquel, pedindo que ela manifeste apoio à criação da reserva.
A Resex, de 2.240 hectares, cuja área inclui parte dos municípios de Rio Formoso, Sirinhaém e Tamandaré, a 85 quilômetros do Recife, está localizada em um dos territórios mais ricos em biodiversidade marinha do litoral sul. A unidade busca garantir a conservação de um ecossistema fundamental para o equilíbrio climático, a produção de alimentos e a continuidade cultural das comunidades locais.
Atualmente, pelo menos 2.355 pescadores e pescadoras artesanais dependem diretamente do mangue, com forte presença de mulheres na linha de frente da mobilização. Entre os apoiadores da campanha, estão a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), SOS Mata Atlântica, Fundação Grupo Boticário, Instituto Baleia Jubarte, Painel Mar e Instituto Arayara, além deputado federal Túlio Gadelha (Rede) e da deputada estadual Rosa Amorim (PT).
Com a possibilidade de o estuário ser transformado em Resex, a proposta virou alvo de ataques por parte de empresários, políticos e canavieiros. Isso porque a unidade regulamentaria algumas atividades como o turismo náutico e a construção de hotéis, resorts e restaurantes.
Resex é uma categoria de Unidade de Conservação (UC) utilizada por populações tradicionais extrativistas com o objetivo básico de proteger os meios de vida e também a cultura dessas pessoas, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais através de uma gestão participativa. Diferentemente de outros tipos de UCs, a Reserva Extrativista precisa partir de uma mobilização popular.
“A Resex já teve todos os estudos e consulta pública. Não está sendo fácil, mas a gente tem fé em Deus que vai conseguir realizar esse sonho, para garantir que a gente continue com esse mangue lindo, sem poluição, produzindo muito. Porque esse estuário é ainda muito rico de todas as diversidades de marisco e de peixe”, diz Arlene Maria da Costa, de Barra de Sirinhaém, que começou a pescar com apenas nove anos.
“A maré é importante para mim e para a minha vida também. Para o meu marido, que é pescador, também. Se não tivesse a maré aqui em Rio Formoso, muita gente passava muita necessidade. Porque aqui a gente tira de tudo”, reforça a marisqueira Marilucia Rosa dos Santos.
Os pescadores e as pescadoras artesanais são considerados guardiões do estuário. Diversos estudos já comprovaram que áreas sob cuidados de comunidades tradicionais tendem a ser melhor preservadas.
Marilúcia Santos tira seu sustento do estuário do rio Formoso
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
O mangue da região da Resex Rio Formoso é um dos poucos ainda preservados fora de áreas urbanas no estado e forma um super ecossistema marinho. O ecossistema da região é composto pelo manguezal, um ambiente marinho costeiro, plataforma continental, paleocanais, quebra da plataforma e cânions. Todos esses sistemas são dependentes e abrigam vida interdependente. O manguezal funciona como um berçário da vida marinha onde peixes, crustáceos e moluscos de reproduzem.
A preservação do manguezal afeta também o clima já que o ecossistema armazena até quatro vezes mais carbono que florestas tropicais. Eles também funcionam como barreira natural da costa contra tempestades e ondas, além de funcionar como um filtro natural de água. Culturalmente, a importância dos manguezais também merece destaque. Nele se concentram espécies como o caranguejo-uçá, o siri, o aratu e a ostra, fundamentais para a pesca artesanal e para a culinária tradicional da região.
“A criação da Resex do Rio Formoso é urgente para garantir a proteção legal de um território que já é cuidado coletivamente pelas comunidades tradicionais há décadas. Existem espécies em risco na região como peixe mero (Epinephelus marginatus), peixe-boi (Trichechus manatus) e várias espécies de cavalo-marinho que precisam da região protegida para reprodução e sobrevivência”, explica Nátali Piccolo, diretora de Conservação Marinha e Costeira da Conservação Internacional (CI-Brasil), organização que apoia a proposta.
Entre os que também assinam a campanha “Sem Mangue, Sem Beat”, estão o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o Instituto Meros do Brasil, a Articulação Nacional das Pescadoras e o Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (Peld Tams).
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com