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Por Priscilla Gadelha*
O debate sobre o uso da cannabis segue avançando. Projetos de lei que podem ajudar a abrir caminho para o fornecimento de medicamentos à base da planta no Sistema Único de Saúde (SUS) foram aprovados recentemente na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. As votações foram por unanimidade, sem o pânico moral que inflama alguns discursos quando o tema é maconha ou questões de gênero e sexualidade. É raro, mas aconteceu. Nesse caso, a defesa da família e a cannabis estão do mesmo lado.
Em Brasília, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça deu à União ou Agência Nacional de Vigilância Sanitária seis meses para a definição das regras para cultivo e importação. A permissão vale apenas para produção de medicamentos e uso industrial farmacêutico e industrial por parte de empresas.
Esses fatos acima são mais um passo na construção de formas de acesso ao tratamento com medicamentos à base de cannabis. Merecemos comemorá-los. Afinal, essas decisões acontecem oito anos depois da primeira pessoa no Brasil conseguir na Justiça a autorização para plantar maconha em casa e produzir o remédio para o tratamento da filha.
Foi a advogada carioca Margarete Brito. O óleo de cannabis era o único com o efeito de controlar as convulsões da criança. Depois de Margarete, outras mães também conseguiram a permissão judicial. Nesses casos, a vitória se deu por meio de um instrumento jurídico chamado habeas corpus.
Esse caminho jurídico, embora existente, ainda é distante ou até mesmo inacessível para muitas famílias, principalmente as pobres. Nem todo mundo tem condições de constituir advogado, as Defensorias Públicas estaduais atuam na sobrecarga e a possibilidade do auto cultivo acaba — ainda — não chegando a todas as famílias que necessitam fazer uso da cannabis de forma medicamentosa.
A decisão do Supremo Tribunal Federal que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal estabeleceu a possibilidade de uma pessoa ter até seis plantas fêmeas em casa, sem caracterizar tráfico de drogas. Esta quantidade, porém, não atende as necessidades de quem precisa fazer uso regular de cannabis como tratamento e controle de síndromes, doenças ou enfermidades complexas e graves.
A decisão do STF se refere a plantas fêmeas, pois as machos possuem níveis mais baixos de THC e derivados. A sua função é fertilizar a parceira com o pólen.
A cannabis — também chamada de maconha, cânhamo, daga, diamba — tem propriedades terapêuticas e medicinais que lhe dão o potencial de ser uma espécie de “nova penicilina” para a humanidade. Em 1928, o pesquisador escocês Alexander Fleming, de forma acidental, descobriu o antibiótico. Passou a ser possível tratar e curar doenças que até então matavam e maltratavam milhares de pessoas precocemente. E, desde então, a gente não consegue conceber um mundo sem eles, os antibióticos.
Em 2015, a Anvisa colocou o canabidiol — derivado da cannabis — na lista de substâncias controladas. Empresas interessadas em produzir ou vender derivados precisam obter registro na Agência. E as pessoas que necessitam do uso precisam ter prescrição médica.
É possível tratar com cannabis doenças como fibromialgia, dores crônicas, esclerose múltipla, epilepsia, Parkinson, esquizofrenia, Alzheimer, dores crônicas e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), entre outras. Importante destacar que tudo isso sem os pesados efeitos colaterais dos tarja preta.
Atualmente, há três formas de compra desses medicamentos: em farmácias, por meio de associações ou por importação. E, novamente, as famílias pobres ficam sem acesso às possibilidades medicinais e terapêuticas da cannabis.
O fornecimento gratuito pelo SUS ainda não é uma realidade no Brasil. Recife e Pernambuco saíram na frente, com a aprovação dos projetos de lei na Assembleia e na Câmara e têm a oportunidade de serem pioneiros no tema. A governadora Raquel Lyra (PSDB) e o prefeito João Campos (PSB) devem sancionar as matérias. Ficará o desafio da regulamentação da lei, prerrogativa dos Poderes Executivos.
Para chegar até este ponto, muitas pessoas, organizações e movimentos foram centrais para a desmistificação da maconha e o reconhecimento das potencialidades. Se é planta, se é medicinal e terapêutica, precisa estar a serviço e acessível para quem precisa.
*Priscilla Gadelha é psicóloga e representante do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) pela Escola Livre de Redução de Danos.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.