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Cem dias depois da posse, eleitores de Bolsonaro no Ibura cobram combate à violência

Maria Carolina Santos / 10/04/2019

Andréa, moradora do Ibura. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Há quem ache que é muito cedo para fazer uma avaliação. Há quem tenha esperança que a saúde, a educação e, principalmente, a segurança vão melhorar. Há quem já se arrependeu do voto. As opiniões divergentes são sobre os cem dias da presidência de Jair Bolsonaro (PSL) e pertencem a eleitores dele que vivem no bairro do Ibura, na Zona Sul do Recife, o mais violento da capital. Nas vésperas do segundo turno das eleições, a Marco Zero também visitou o Ibura para ouvir os eleitores de Bolsonaro. Na época, era na bandeira da segurança que os eleitoresse agarravam. Continua sendo a principal esperança. Mas todos ouvidos agora pela MZ concordam: nada mudou em cem dias.

Ibura: o que pensam eleitores de Bolsonaro no bairro onde mais se morre por arma de fogo no Recife

Uma das entrevistadas na primeira reportagem, de outubro do ano passado, a dona de casa Andréa Maria Lourenço acompanha as notícias sobre o novo governo quando dá. Pelo Jornal Nacional ou pelo Jornal da Record, percebe que se fala mal das pessoas que Bolsonaro indicou. Mas ela dissocia o presidente das escolhas dele: acha que, se dependesse somente da vontade de Bolsonaro, muita coisa já teria melhorado na questão da segurança. “Mas não é uma ditadura. Não depende só dele. É deputado, é um monte de gente que decide tudo”.

Para o futuro, Andrea espera que Bolsonaro foque na educação e na segurança. Mas está desmotivada com a política. “Queria que a gente pudesse sair na rua sem tanto medo. Apesar de que eu acho que é daqui pra pior. É o fim dos tempos mesmo”, diz.

Asegurançaé uma questão importante para todos ospernambucanos– o estado é o sexto onde mais se morre em decorrência da violência, segundo o Atlas da Violência 2018–, mas na região do Ibura a questão se apresenta de forma mais urgente. Dos 144 tiroteios registrados no Recife no primeiro trimestre de 2019, 37 aconteceram lá, colocando a área (que abrange também a Cohab e várias URs) no topo do ranking de disparos de arma de fogo na capital. Os dados são da plataforma digital colaborativa Fogo Cruzado.

Claudiane e Valéria criticam governo, mas divergem sobre alternativas. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Claudiane e Valéria criticam governo, mas divergem sobre alternativas. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

No salão de manicure da Rua São Bento do Una, há três mulheres, três eleitoras de Bolsonaro. Três opiniões distintas. Para Terezinha de Lima Silva, que não acompanha as notícias sobre política, ainda é cedo para falar do presidente. “Ele prometeu mudar essa violência que está aí. Com mais policial, mais segurança nas praças…mas ele tá começando agora. Estou esperando”, diz, sem muitas críticas.

A filha dela, Claudiane de Lima, reclama que ele poderia ter feito mais. Ela, por exemplo, não concorda com o decreto de facilitar a posse de arma – assim como a mãe. “Por enquanto, não vejo melhora nenhuma. Quando a gente precisa da polícia, não tem uma resposta. Arrombaram o carro do meu pai mês passado, fomos na delegacia, com imagens da câmera, e a polícia diz que não pode fazer nada, que não pode entrar na casa do bandido. Como a gente fica?”, questiona.

Mas Claudiane não está arrependida de ter votado no 17 – foi uma resposta motivada pelo antipetismo. “Bolsonaro não prometeu muito. Mas espero que ele foque em três coisas: educação, saúde e segurança. É o que o povo precisa mais. As escolas precisam de estrutura. Se você for agora na escola da minha filha, você não aguenta ficar meia hora, de tão quente que é. Como vai se estudar assim? No posto de saúde, se você precisar de um encaminhamento, desista”.

Cliente do salão, Valéria Maria não mede palavras para o novo governo. “Estou revoltada, não vou mentir”, desabafa. “Esse decreto da posse de arma foi a pior coisa que ele fez. É errado, né? Para quem falava tanto em família, em filho…”. Ela já se diz arrependida de ter votado em Bolsonaro. “Se eu pudesse voltar atrás, nem meio voto eu tinha dado. Não estou vendo ele fazer nada”.

O motorista de uber e morador do Ibura José Júnior ainda é um eleitor esperançoso de Bolsonaro. Votou nele contra a corrupção, contra o PT e, principalmente, pela bandeira da segurança. “Eu não sou muito antenado nas mídias sociais para ver o que ele anda fazendo, mas até agora não vi muita coisa. Ainda não sei se é muito cedo para ver mudança. Pode ser que melhore”, diz José, que, apesar de não ter arma em casa, gostou do decreto que facilitou a posse de arma. “Acho que o bandido vai pensar duas vezes antes de invadir a casa de alguém. Por um lado a gente sabe que pode ocasionar mais mortes, mas por outro a gente fica mais resguardado”.

José Júnior pede foco na saúde. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

José Júnior pede foco na saúde. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Para ele, a saúde é o mais importante no momento. “Tem que investir mais. Ter mais dinheiro, mais médicos, mais condições de trabalho. Vou na UPA só em último caso, e perco um dia toda vez que vou na emergência. Quando preciso fazer um exame, prefiro pagar por fora, porque é muito difícil fazer pelo SUS”, diz. Na área de saúde, a principal medida do governo Bolsonaro nestes cem dias foi retirar os 8.517 médicos cubanos do programa Mais Médicos. Resultado: há 1.052 vagas em aberto, sendo 40% delas em cidades nordestinas.

O cientista político Túlio Velho Barreto lembra que cem dias pode ser um tempo curto para um novo governo mostrar resultados concretos, mas é o suficiente para apontar os rumos para os quatro anos de mandato. “Neste governo, vemos que não há grandes projetos para enfrentar os grandes problemas do Brasil. A reforma da previdência vem sendo o único grande projeto na economia e não vai resolver a grave crise econômica que o país atravessa. É algo pontual. O pacote anti-crime de Sérgio Moro também não aponta para melhorar a segurança. São projetos que não enfrentam as crises brasileiras”, diz.

Outro fator que chama a atenção na presidência de Bolsonaro, segundo o cientista político, é o radicalismo e a falta de articulação política entre integrantes da base do próprio governo. “Bolsonaro vem do baixo clero, então ele usa os artífices do baixo clero. Não sei o que os eleitores mais ferrenhos dele acham dessa troca de cargos por apoio político, mas as pesquisas mostram, como a mais recente do Datafolha, que Bolsonaro vem perdendo popularidade. Ele é o presidente em primeiro mandato a ter a pior avaliação no primeiro trimestre. Isso já diz muita coisa, e, além da forte presença dos militares, é de se questionar até a continuidade do governo Bolsonaro”, afirma Túlio Velho Barreto. Na pesquisa do Datafolha, publicada há quatro dias, é no Nordeste onde a rejeição a Bolsonaro é mais forte: 39% dos entrevistados na região consideram o governo dele ruim ou péssimo.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org